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Visão microscópica da variante ômicron ou B.1.1.529 do coronavírus, renderizada em 3D
Visão microscópica da variante ômicron ou B.1.1.529 do coronavírus, renderizada em 3D| Foto: Bigstock/Agphotography74

As reinfecções pela Covid-19 estão cada vez mais comuns e têm crescido desde a ascensão da variante ômicron, em dezembro de 2021. Segundo o Gabinete de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, o risco da reprise do novo coronavírus em um organismo humano aumentou 16 vezes com a nova variante, em comparação com a anterior, a delta. Ou seja, atualmente um a cada dez casos de Covid já pode ser reinfecção. A boa notícia é que as reinfecções constumam ser mais brandas, com uma redução de 90% na probabilidade de hospitalização ou morte do paciente, segundo um estudo do Catar, conduzido por Laith Abu-Raddad e colaboradores do Ministério da Saúde Pública do país.

Como o padrão evolutivo do novo coronavírus é similar ao do vírus da gripe, as reinfecções surpreendem tanto quanto surpreenderia saber que uma pessoa teve gripe mais de uma vez na vida. Assim como acontece no caso da gripe, há uma corrida “armamentista” entre as mudanças no vírus e as atualizações das defesas do organismo.

Por um lado, o sistema imunológico cria defesas que são específicas para a assinatura molecular do vírus. Quando o vírus muda, essa assinatura pode driblar essas defesas, sejam elas adquiridas por vacina, por infecção prévia ou ambas (imunidade híbrida). Por outro lado, a depender da doença, essas defesas podem diminuir com o tempo.

O infectologista Eduardo Medeiros, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que há mais casos de reinfecção agora que nos anos anteriores da pandemia especialmente por causa de subvariantes da ômicron como BA.4 e BA.5, que escapam da proteção dada pela vacina, especialmente enquanto o mRNA da vacina (no lugar de inserir o vírus atenuado ou inativo no organismo, imunizantes de RNA mensageiro “ensinam” as células a sintetizarem a proteína que estimula a resposta imunológica do corpo) ainda não foi atualizado para a nova assinatura do vírus.

A maioria dos infectados não ficam com o vírus no organismo por mais de 10 a 14 dias. Porém, como existem pessoas com mais de duas semanas de atividade viral, os Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos estabeleceram o prazo mínimo de 90 dias entre testes positivos para a Covid-19 para considerar que houve uma reinfecção. A Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido (UKHSA) segue a mesma diretriz.

Papel da variante ômicron nas reinfecções 

Quando houve uma emergência da variante ômicron em fevereiro, a UKHSA disponibilizou dados que sugeriam que cerca de 10% dos casos diagnosticados em janeiro no Reino Unido podiam ser atribuídos a reinfecções com a nova cepa. Antes dessa onda, a reinfecção correspondia a cerca de 2% dos casos. Outros países sugerem padrões similares: na Itália, os casos de reinfecção com Covid eram 1,5% antes da ômicron, e 3% depois, segundo o Instituto Nacional de Saúde do país.

Um estudo específico da reinfecção com a variante ômicron foi publicado em março na revista Science, por Juliet Pulliam e colegas, da Universidade Stellenbosch, na África do Sul. O país foi o primeiro a ter um surto da variante. Os pesquisadores estudaram mais de 105 mil suspeitas de reinfecção entre quase três milhões de pessoas. Eles concluíram que as reinfecções estavam caindo até setembro de 2021. As variantes beta e delta, na análise, não se mostraram capazes de driblar as defesas imunológicas. A taxa de reinfecção variava entre zero e 1,1%. O quadro mudou em novembro, quando a ômicron surgiu e aumentou marcadamente o número de reinfecções.

Em matéria jornalística publicada em 14 de julho, a revista Nature resume mais um estudo saído do Catar em que toda a população do país foi analisada a respeito do retorno de novas infecções com Covid. O estudo em questão ainda não foi submetido ao processo de revisão por pares, mas também tem Laith Abu-Raddad entre os autores. Ele afirma que a imunidade natural protege contra sintomas graves em uma reinfecção. Essa proteção não dá sinais de enfraquecer com o tempo. A previsão é que ondas da doença continuarão surgindo, mas isso não levará a uma lotação dos hospitais.

Para Abu-Raddad, a melhor opção é a imunidade híbrida. “As pessoas que tiveram tanto a imunidade natural quanto a imunidade da vacina ficaram mais protegidas contra o vírus que as pessoas que tinham só imunidade natural ou só a vacinal”, disse o cientista à Nature. “Isso ficou bem claro”, complementou.

Imunidade vacinal decai mais rápido que a natural 

Sobre a alta de reinfecções, o infectologista Eduardo Medeiros pondera que não é exatamente o tempo entre as infecções que está diminuindo, mas as pessoas que estão se expondo mais após as medidas não-medicamentosas contra o vírus terem sido flexibilizadas. Ainda que reinfecções suscitem ceticismo, ele lembra que as vacinas disponíveis protegem contra quadros mais graves da Covid, inclusive aqueles que levam a internações e mortes. “A infecção pode ocorrer mesmo em vacinados e em um período inferior a três meses”, informa Medeiros.

A opinião do médico é corroborada por um estudo com amostra equivalente a mais da metade da população da Suécia. Conduzido pelo professor do Departamento de Medicina Comunitária e Reabilitação da Universidade Umeå Peter Nordström e colaboradores, foi publicado em junho em uma revista do grupo médico The Lancet. Os cientistas buscaram avaliar se a vacina para Covid-19 confere proteção adicional à imunidade adquirida com a infecção prévia, organizando os pacientes em três grupos: os que pegaram Covid uma vez e têm imunidade natural, os que complementaram essa imunidade com uma dose da vacina, e os que a complementaram com duas. A janela de tempo da infecção foi de março de 2020 a outubro de 2021, antes da variante ômicron. Foram três grandes ondas de infecção nesse período.

A imunidade natural foi associada a um maior risco de hospitalização durante três meses, mas depois conferiu uma proteção contra hospitalização por reinfecção com eficácia de 87%. Uma dose da vacina após o primeiro contágio reduz o risco de reinfecção, comparada à imunidade natural, por quatro ou cinco meses. Depois desse intervalo, a imunidade de quem recebeu uma dose e teve Covid é indistinguível daquela de uma pessoa que só teve Covid. Nos dois primeiros meses, a redução do risco de reinfecção foi de 58% — depois disso, 45%.

Já as duas doses na imunidade híbrida se saem melhor que a dose única. A eficácia foi de 66% de redução do risco de reinfecção, começando com 69% nos dois primeiros meses, mas caindo para 56% após esse período. Após nove meses, o efeito de complemento da imunidade natural pelas duas doses fica indistinguível da imunidade natural sem a vacina.  Os autores comentam que suas descobertas “podem sugerir que quaisquer passaportes ou documentos usados para identificar se uma pessoa é imune ou não, e usados para restrições sociais, deveriam reconhecer uma infecção prévia (...) como prova de imunidade”.

Outra pesquisa sobre reinfecção envolvendo um grande número de pessoas — 5,7 milhões — foi conduzida pelos israelenses Yair Goldberg e colegas, ligados ao Ministério da Saúde de Israel e diferentes universidades do país. Os autores deram uma noção da sensibilidade das reinfecções ao tempo: entre as pessoas que só contam com a proteção da imunidade natural, os reinfectados triplicaram de cerca de 10 em 100 mil nos primeiros seis meses desde a primeira infecção para 30 em 100 mil após um ano. Já as infecções entre os vacinados com duas doses quadruplicou de dois para seis meses após a última dose, o que indica que a imunidade vacinal decai mais rápido que a natural.

Os autores concluem que “uma única dose da vacina depois da infecção reforça a proteção contra a reinfecção”.

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