A deputada federal Talíria Petrone homenageou Vladimir Lênin (1870-1924) pelo aniversário de 96 anos de sua morte. Mas não só isso. Ela defendeu também o legado do líder da Revolução Bolchevique, que deu origem a um dos regimes mais assassinos do século XX. Chama atenção pelo fato de a parlamentar do Rio de Janeiro, apesar de ter se formado em história pela UERJ, demonstrar tamanho desconhecimento sobre o líder russo.
A despeito do reconhecimento dos crimes do stalinismo, ainda há uma parcela da esquerda que não abandonou os princípios leninistas, que deram o pontapé inicial para o terror. É como se o caos humanitário e civilizacional promovido por Josef Stalin (1878-1953) não fosse, em parte, decorrência natural do que fora iniciado por “Volodya”.
Trata-se de um esforço antigo e muito comum de tentar poupar Lênin e concentrar todas as mazelas soviéticas em Stalin que, de acordo com essa narrativa, teria “traído os princípios da revolução”. Mas Lênin, assim como o próprio Stalin, Mao Tsé-Tung e outros, é responsável direto pelas atrocidades cometidas em nome do ideal comunista.
Aqui estão 14 coisas que Petrone deveria saber sobre Lênin.
1. O mito do “Lênin Paz e Amor”
Quando Petrone afirma que “Lênin está na história por declarar a paz”, parece que o líder soviético seria um intelectual que combateria a guerra ao som de Imagine.
Ele foi o principal financiador do Tratado de Brest-Litovski, firmado com a Tríplice Entente para tirar o governo bolchevique russo da 1ª Guerra Mundial. Lênin foi, de fato, crítico do envolvimento do Império Russo no conflito. Mas isso não significa que ele fosse pacifista. Em 1916, por exemplo, ele defendeu que os bolcheviques deveriam aproveitar a oportunidade do conflito para “encorajar, por todos os meios, o desenvolvimento de uma guerra civil”.
2. Mais atrocidades do que o Czarismo
Entre 1825 a 1917, o número total de pessoas condenadas à morte na Rússia em virtude de opinião ou ações políticas foi de 6.360. Apesar da tomada do poder liderada por Lênin ter sido fácil, esse mesmo número foi ultrapassado pelos bolcheviques em março de 1919, quando é estimado que ocorreram entre 10 e 15 mil execuções sumárias. Isto é, em apenas poucas semanas a repressão impetrada por Lênin superou 92 anos de repressão czarista.
Estima-se que, durante a totalidade da Guerra Civil, além dos mortos em batalhas, pelo menos 100 mil pessoas foram executadas por motivação política, acusadas de colaborar com o czarismo e conspirar contra a Revolução.
3. Inimigos do povo
Em 10 de dezembro — apenas um mês após a tomada do poder —, o governo soviético institucionalizou, a partir de um decreto assinado por Lênin, o conceito de “inimigo do povo”. Era um termo amplo, impreciso e subjetivo, o que permitia perseguir, acusar e condenar qualquer suspeito de dissidência ou de ser contrarrevolucionário.
Os tribunais revolucionários não eram tribunais no sentido habitual, “burguês”, do termo, mas tribunais da ditadura do proletariado. Em outras palavras, eram órgãos de luta contra a contrarrevolução, mais preocupados em erradicar do que em julgar.
4. Pena de morte
Lênin ficou furioso quando o II Congresso de Sovietes, em 8 de novembro de 1917, decidiu suprimir a pena de morte. “É um erro, uma fraqueza inadmissível, uma ilusão pacifista!”. Ele não descansou enquanto não restabeleceu legalmente a pena de morte.
A primeira condenação à morte legal foi pronunciada por um tribunal revolucionário em 21 de junho de 1918. O almirante Tchastnyi foi o primeiro “contrarrevolucionário" fuzilado legalmente.
5. Tcheka
Logo após a tomada do poder, Lênin confidenciou a seu secretário a necessidade de encontrar com urgência um “sólido jacobino revolucionário para castigar toda essa ralé contrarrevolucionária”.
Após definir um conceito amplo e subjetivo para poder perseguir opositores e estabelecer a pena capital, faltava estruturar quem executaria o trabalho sujo. O escolhido foi Felix Dzerjinski, que se tornou o responsável do Comitê Militar Revolucionário de Petrogrado (CMRP). O órgão se tornaria em seguida a Comissão Extraordinária, conhecida como Tcheka.
Lênin sabia que a pena de morte poderia ser aplicada “sem nenhuma futilidade legal” pelos órgão extralegais como as Tchekas.
6. Fuzilamento de trabalhadores
A primeira ação da Tcheka foi interromper a greve dos funcionários de Petrogrado, que se mostraram insatisfeitos com as condições de trabalho e de vida. A fundamentação da prisão das lideranças foi simples: “Quem não quer trabalhar com o povo não tem lugar junto dele”, declarou Dzerjinski.
Entre 1918 e 1922, foram massacrados centenas de milhares de trabalhadores que se revoltaram.
7. Liberdade de imprensa
Apenas dois dias após a ascensão ao poder, Lênin decretou o fim da liberdade de imprensa. Entre os tribunais revolucionários figurava um “tribunal revolucionário para a imprensa”, encarregado de julgar os delitos de imprensa e suspender toda publicação que “semeasse a perturbação nos espíritos, publicando notícias voluntariamente falsas”.
Um exemplo de medida adotada se deu em 19 de dezembro de 1918, quando uma proposição de Lênin foi aprovada pelo Comitê Central: foi criada resolução proibindo a imprensa bolchevique de publicar “artigos caluniosos sobre as instituições, especialmente sobre a Tcheka”.
8. Telegrama de Lênin
Em 1921, camponeses, operários e soldados, isto é, os “oprimidos” que os bolcheviques juravam exaltar e defender, se revoltaram contra as políticas do governo. Lênin ordenou que a rebelião fosse esmagada em um telegrama que tornou-se símbolo da brutalidade racional de Lênin e de seu ideário:
“Camaradas! O levante kulak nos cinco distritos de sua região deve ser esmagado sem piedade. Os interesses de toda a revolução o exigem, pois a “luta final” com os kulaks está doravante engajada por toda parte. É necessário dar o exemplo: 1) Enforcar (e digo enforcar de modo que todos possam ver) não menos de 100 kulaks, ricos e notórios bebedores de sangue. 2) Publicar seus nomes. 3) Apoderar-se de todos os seus grãos. 4) Identificar os reféns do modo como indicamos no telegrama de ontem. Façam isso de maneira que a cem léguas em torno as pessoas vejam, tremam, compreendam e digam: eles matam e continuarão a matar os kulaks sedentos de sangue. Telegrafem em resposta dizendo que vocês receberam e executaram exatamente estas instruções. Seu, Lenin.
P.S. Encontrem as pessoas mais fortes.”
9. Muito além de camponeses abastados
A ideia de que a revolução Russa seria uma espécie de Robin Hood, atacando e tirando dos ricos para distribuir aos mais pobres é meia verdade. Ela também atacou e tirou recursos dos mais pobres quando os recursos dos mais ricos acabaram ou quando eles se insurgiram contra o regime de Lênin.
E não demorou muito para isso ocorrer. Em 29 de abril de 1918, diante do Comitê Executivo Central dos Sovietes, Lênin afirmou:
“Quando se tratou de derrubar os grandes proprietários rurais, os camponeses abastados e os pequenos proprietários estiveram do nosso lado. Mas, agora, nossos caminhos divergem. Os pequenos proprietários têm horror à organização e à disciplina. É chegada a hora de levarmos adiante uma batalha cruel e sem perdão contra esses pequenos proprietários, esses camponeses abastados”.
Os kulaks estiveram entre os primeiros grupos a serem tachados de “inimigos do povo”. Originalmente, esse termo se referia a quem compunha uma classe de proprietários rurais comparativamente mais ricos para os padrões do país. Mas o conceito de kulak foi ampliado e passou a abranger qualquer camponês que se negasse a ceder suas colheitas às tropas soviéticas.
10. Cossacos
Os cossacos, etnia historicamente formada por camponeses que haviam fugido da servidão em locais como Polônia, Lituânia, Rússia e Ucrânia, também foi atacada por Lênin. A política de descossaquização foi responsável pela morte ou detenção de algo entre 300 mil e 500 pessoas em apenas dois anos.
11. Campo de concentração
A parlamentar psolista afirma que, sob Lênin, não houve gulags. Para Petrone, os campos de trabalho teriam começado apenas com Stalin. Em 9 de agosto de 1918, porém, Lênin enviou um telegrama ao Comitê Executivo da província de Penza pedindo que fossem aprisionados “os kulaks, os padres, os soldados do Exército Branco e outros elementos duvidosos num campo de concentração”.
Alguns dias antes, Félix Dzerjinski e Leon Trótski já tinham defendido o aprisionamento de reféns em campos de concentração. Esses lugares funcionavam como campos de encarceramento para todos aqueles que tivessem sido apreendidos a partir de uma medida administrativa.
12. Desertores
Em pouco tempo, os antes simpatizantes da revolução liderada por Lênin ficaram descontentes e passaram a deixar postos em que ocupavam na administração soviética. Em 1919, cerca de 500 mil desertores foram detidos pela Tcheka e suas comissões especiais contra os desertores. Tudo com a aprovação de Lênin.
Mas não era preciso ser desertor ou inimigo do povo para virar alvo da polícia secreta. Um exemplo foi o decreto assinado por Lênin em 15 de fevereiro de 1919 que autorizou as Tchekas locais para fazer camponeses de reféns a fim de desobstruir vias férreas cobertas de neve.
“Se a desobstrução não for feita, os reféns serão executados”. Simples assim.
13. A chacina da família dos czares
Em 17 de julho de 1918 a família Romanov, do czar russo, foi barbaramente fuzilada pelos comunistas a mando de Lenin.
De acordo com o livro Os Últimos Dias dos Romanov, da historiadora britânica Helen Rappaport, tratou-se de uma “execução a sangue-frio” que incluiu até mesmo as crianças. Foi uma tentativa de extermínio sistemático de toda a dinastia.
"Lênin era absolutamente indiferente ao sofrimento humano e não hesitava em ordenar as medidas mais selvagens para se vingar”, escreve Rappaport.
14. Fome como instrumento de poder
Ocorrida entre 1921 e 1922, a primeira grande fome russa ocorreu em virtude de uma série de fatores, como dificuldades logísticas e secas. Foi um dos períodos mais sombrios na Rússia pós-revolucionária, com registros de atos de canibalismo em algumas das áreas afetadas.
Em algumas regiões, os esforços soviéticos para debelar a fome foram deliberadamente mais lentos a fim de realizar uma limpeza étnica. Com a abertura dos arquivos soviéticos, no fiml da década de 1980, o historiador ucraniano Roman Serbyn mostrou que a fome havia sido causada e intensificada por ações humanas propositais das lideranças soviéticas.
A grande fome russa vitimou 5 milhões de soviéticos, sendo 2 milhões de tártaros.
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