Com a tentativa de chegar a um consenso abandonada pela Frente Parlamentar Evangélica (FPE), depois da última sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu a criminalização da homofobia, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara aprovou, nesta quarta-feira (5), um projeto de lei sobre o tema.
Menos de um dia antes, na noite desta terça-feira (4), um grupo de senadores também avançou na negociação dos termos do projeto sobre o assunto que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas ainda há pontos em aberto. O STF deve retomar o julgamento do tema na próxima quinta-feira (13).
O projeto de lei, PL 7582/2014, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), foi aprovado na CDH depois de uma manobra regimental. O presidente da comissão, deputado Helder Salomão (PT-ES), convocou uma reunião relâmpago para o período entre sessão conjunta do Congresso Nacional e o início da ordem do dia, e os deputados votaram uma inversão de pauta. Com a comissão esvaziada, apenas os deputados Filipe Barros (PSL-PR), Eli Borges (SD-TO) e Abílio Santana (PL-BA) votaram contra.
A comissão aprovou o substitutivo apresentado pelo relator, Carlos Veras (PT-PE), bem mais restrito que o texto inicial de Rosário, e que resolve algumas reclamações originais da bancada evangélica, mas não outras.
A FPE, que chegou a dar início a um acordo com PT e PSOL para aprovar um projeto de consenso, não participou da elaboração do texto. Líderes evangélicos consideram que o STF desrespeitou o Congresso, ao decidir que a mera tramitação de projetos no Legislativo não impede o tribunal de declarar o Congresso omisso.
A principal mudança proposta pelo substitutivo aprovado é a criação das hipóteses qualificadas de homicídio, lesão corporal e injúria, praticadas “em razão de ser a vítima lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans”.
O substitutivo também cria os crimes de “discriminar, impedir o exercício ou interferir negativamente no exercício regular de direito em razão de a vítima ser lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans” e de “induzir ou incitar a discriminação contra vítima lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans”.
Apenas no caso da injúria o projeto faz a ressalva de que “não constitui injúria punível a manifestação de crença em locais de culto religioso, salvo quando houver incitação à violência”.
O texto apresentado por Veras não faz nenhuma modificação na 7.716/1989 e, portanto, não equipara homofobia e transfobia ao racismo, e não inscreve na lei os termos “orientação sexual” e “identidade de gênero”, combatidos por católicos, evangélicos e opositores da ideologia de gênero – uma questão ainda em aberto no texto que tramita no Senado e que líderes da bancada evangélica avaliar não ter chance de passar na Câmara.
Como está a negociação no Senado
O PL 672/2019, que está no Senado, modifica a Lei 7.716/1989, para passar a punir também os crimes de preconceito e discriminação por “sexo, orientação sexual e identidade de gênero”. Atualmente, a lei pune apenas por “raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
O projeto já foi aprovado em primeiro turno na CCJ do Senado, mas precisa passar por uma segunda votação e, salvo recurso, segue direto para a Câmara, sem passar pelo plenário. Desde a primeira votação, com a reação da bancada evangélica, três emendas foram propostas ao texto.
Em reunião na noite desta terça-feira, os senadores Alessandro Vieira (CD-PE), relator do PL 672/2019, Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ, Eduardo Girão (Pode-CE), Selma Arruda (PSL-MT), Mailza Gomes (PP-AC) e Daniela Ribeiro (PP-PB) avançaram na direção de uma redação de consenso no texto do Senado, mas os termos “orientação sexual” e “identidade de gênero” continuarão no projeto, segundo Vieira confirmou à reportagem.
Pelo acordo entre os senadores, seguindo emenda supressiva apresentada por Selma Arruda, será suprimida do texto a previsão de punição para “quem impedir ou restringir a manifestação razoável de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público, ressalvados os templos religiosos”.
Além disso, serão incorporadas as emendas dos senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Daniela Ribeiro (PP-PB), que buscam proteger a liberdade de expressão e religiosa.
Pela proposta de Rogério, não constitui crime a manifestação de opinião de qualquer natureza e por quaisquer meios sobre questões relacionadas a orientação sexual ou identidade de gênero, sendo garantida a liberdade de consciência e de crença, de convicção filosófica ou política e as expressões intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação”.
Já Daniela propõe que “o disposto nesta lei não se aplica às condutas praticadas no exercício da liberdade de consciência e de crença, incluindo-se, nesses, o discurso religioso e moral, em público ou em privado, presencial, televisivo, telemático ou por radiodifusão, discordante com o comportamento social de determinada orientação sexual ou identidade de gênero”.
Segundo Vieira, relator do projeto na CCJ, falta apenas chegar a uma redação de consenso para que o projeto volte à pauta do colegiado.
A posição da bancada evangélica e de deputados conservadores, como Filipe Barros (PSL-PR) e Chris Tonietto (PSL-RJ), é opor-se a qualquer menção à “identidade de gênero” nos documentos legais, a qualquer modificação que possa resvalar nas liberdades de expressão e religiosa, como no caso da injúria qualificada, e ao uso de termos abertos e genéricos que possam dar margem de interpretação alargadas aos juízes na aplicação da lei.
Como está o julgamento no STF
O Supremo já tem a maioria de seis votos para declarar o Congresso Nacional omisso em legislar sobre a população LGBT e equiparar a homofobia e a transfobia ao conceito jurídico de racismo para fins da aplicação da Lei 7.716/1989, mas o julgamento foi interrompido pela quinta vez no dia 23 de maio pelo presidente da corte, ministro Dias Toffoli. Se a pauta não for mudada mais uma vez, o STF deve voltar ao tema na próxima quinta-feira (13).
Foi na sessão de 23 de maio que alguns ministros se manifestaram com veemência pela continuação da votação, contrariando as intenções de Toffoli de retirar o tema de pauta. Com isso, a bancada evangélica passou a considerar o presidente do Supremo isolado e sem condições de cumprir o acordo de postergar o julgamento.
Os evangélicos também ficaram contrariados com o tom de alguns ministros ao defender que o STF pode declarar o Congresso omisso mesmo que haja projetos sobre o tema tramitando. Os votos que mais incomodaram foram o de Gilmar Mendes e Luiz Fux, que fez uma defesa enfática da autoridade do tribunal. "Se, por esse motivo [criminalizar a homofobia], a corte tiver que sofrer algum tipo de retaliação, que soframos todos nós”, disse o ministro.
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