Corrupção e relações de compadrio entre políticos e empresas não são exclusividade do Brasil e a história ajuda a apontar saídas, diz o brasilianista William Summerhill, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).
O especialista em história econômica apresentou, em seminário nesta semana na Universidade Mackenzie, um retrato dos Estados Unidos no início do século 19 que lembra em vários pontos o cenário descortinado pela Operação Lava Jato no Brasil.
"Só abria uma empresa quem tivesse autorização de políticos, e eles usavam esse regime de acesso limitado para barrar a entrada de rivais, seja econômicos, seja político", descreveu Summerhill.
O resultado era uma economia de oligopólios e monopólios locais, em que o pagamento de propinas era estimulado, segundo o professor. Na palestra, proferida na quarta (4), ele mencionou dois casos que resultaram em escândalo: o do Merchants Bank, em 1804, e o do Back of America, em 1812. Os responsáveis, no entanto, ficaram impunes.
"A corrupção de políticos pelos dois bancos não eram exceção. Os Estados Unidos tinham um modelo de corrupção sistemática", diz o professor
Os resultados eram subdesenvolvimento financeiro, perda de eficiência por causa do "rent-seeking" (tentativa de obter renda por favorecimentos), corrupção política, monopólios e políticas antimercado.
Summerhill sugere que as saídas encontradas nos Estados Unidos no século 19 podem dar pistas sobre como desatar os atuais nós brasileiros.
De um lado, houve mobilização política que levou à eleição de Andrew Jackson com o sétimo presidente dos EUA (1829-1837), com base numa campanha anticorrupção. De outro, uma forte crise econômica que mergulhou o país em recessão a partir de 1837. "Sempre existe um fator exógeno."
Com os Estados gravemente endividados (11 deles deram calote em suas dívidas), ganhou força rapidamente um movimento reformista que alterou as constituições estaduais a partir de 1840, extinguindo as amarras para a abertura de empresas. Ao mesmo tempo, eclodiu um movimento de liberalização do mercado financeiro em 1838, com a criação de muitos bancos menores e a ampliação do crédito, o que ajudou a superar a crise.
"A corrupção não acabou nos Estados Unidos, nem vai acabar nunca em lugar algum. Mas deixou de ser o modo normal de fazer as coisas", afirmou o professor
Para Summerhill, a história mostra que é possivel redesenhar as instituições para reduzir os incentivos à corrupção.
Em alguma medida, tanto a crise econômica como a política já estão agindo para alterar alguns desses incentivos no Brasil, afirmou o professor do Insper Sergio Lazzarini, também palestrante no evento.
Lazzarini, que cunhou o termo "capitalismo de laços" em livro de 2010 que mostrava a enorme presença do Estados nos blocos de controle de empresas no Brasil, defendeu que é preciso atuar para quebrar a cadeia que torna o setor privado dependente do setor público no país.
O governo manipula entidades governamentais (estatais, fundos de pensão), que oferecem capital e contratos a empresas do setor privado, que por sua vez financiam o sistema político por meio do qual os governos são eleitos.
No primeiro ponto da cadeia, a nova Lei das Estatais, a Lei dos Fundos de Pensão (em tramitação na Câmara) e o reforço das agências reguladoras são medidas que podem impedir o uso político de entidades públicas.
Na "perna do financiamento", as crises econômica e política já tiveram seu papel, congelando os grandes contratos com empreiteiras e os empréstimos a empresas escolhidas. A aprovação da TLP (taxa de longo prazo do BNDES, com menos subsídios) também é uma medida importante para normalizar essas relações, diz Lazzarini.
Ele defende também a adoção de mecanismos de avaliação de impacto que melhorem a eficiência de investimentos em políticas públicas.
Em relação ao financiamento eleitoral, Lazzarini defende a redução dos custos de campanha, a regulamentação dos lobbies (permitindo acesso aberto a todos os grupos de interesse) e a continuidade da Operação Lava Jato.
"Não dá para achar que a Lava Jato vai limpar o país e, dali em diante, tudo vai funcionar. É preciso que os incentivos e desincentivos sejam permanentes e estejam sempre claros."
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