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Natalidade

A cultura que abdica dos filhos é reflexo de uma cultura infantilizada

Taxa de natalidade tem caído nos países desenvolvidos. E, cada vez mais, as pessoas usam a política como justificativa para abdicar dos filhos.
Taxa de natalidade tem caído nos países desenvolvidos. E, cada vez mais, as pessoas usam a política como justificativa para abdicar dos filhos. (Foto: Pixabay)

Quando uma pessoa não quer ter filhos, ela geralmente se sente atraída por um ideário político para justificar sua opção. Rousseau, por exemplo, abandonou seus cinco filhos num orfanato assim que eles nasceram e argumentou, em O Contrato Social, que o Estado deve mais às crianças do que a família. Recentemente, o príncipe Harry disse à revista Vogue que ele e sua esposa, Meghan Markle, editora-convidada da edição especial, teriam “no máximo” dois filhos por causa das... mudanças climáticas.

Não importa que Markle tenha quase 40 anos. Eles estão pensando é no nível dos mares que está subindo!

Isso é obviamente uma mentira, mas também é algo surpreendente. Afinal, a maioria das pessoas tenta organizar suas crenças em torno de seu estilo de vida, e não o contrário, não é? E isso não se deve ao fato de a maioria das pessoas – apesar das muitas oportunidades de redenção – serem alienadas e egoístas? Rousseau diz o contrário, claro. De qualquer modo, divago. Por que nós, as pessoas em idade fértil, relutamos tanto em termos filhos?

É uma questão pertinente. A taxa de natalidade norte-americano caiu pelo quarto ano consecutivo em 2018, sendo a menor em 32 anos. E, de acordo com as estatísticas do governo, a taxa de natalidade na Inglaterra e no País de Gales acabam de atingir o menor nível histórico. O Departamento Nacional de Estatísticas do Reino Unido descobriu que houve 657.076 nascimentos na Inglaterra e no País de Gales no ano passado, uma queda de 3,2% em relação ao ano anterior e de 10% desde 2012.

Ann Berrington, professora de demografia e estatística social na Universidade de Southampton, disse ao jornal Guardian que isso se deve em parte às “aspirações alternativas” das gerações mais jovens, ao acesso cada vez maior à contracepção, ao fato de as pessoas estarem saindo da escola aos 18 anos e também a pressões sobre os jovens, como a falta de moradia. Tudo isso é plausível. Mas, se a srta. Berrington passasse uma noite ouvindo o que as pessoas dizem num bar de Manhattan, ela talvez cinicamente acrescentasse o seguinte: a amargura das jovens mulheres que foram ensinadas a desprezar os homens (que evidentemente elas ainda desejam); o prolongamento psicológico da adolescência masculina, também conhecida como Síndrome de Peter Pan; telas e emojis no lugar de cartas e flores; e um colapso geral da comunicação entre os sexos que se deve, em grande medida, ao fracasso de se reconhecer que os sexos são mesmo diferentes.

Se quisesse, a srta. Berrington também poderia acrescentar as mudanças climáticas, embora isso seja mais uma descrição do problema do que uma causa plausível. As mudanças climáticas são um belo argumento substituto para essa ansiedade estranha e paralisante que nos impede de continuar vivendo e morrendo – destruindo a sabedoria do passado, roubando as alegrias do presente e espalhando imagens de um futuro tão sombrio que muitos de nós preferimos abdicar do sexo, do casamento e dos bebês (de tudo!).

Apesar do “enfraquecimento dos tabus” e da “ascensão dos aplicativos de paquera”, há quem chame esse fenômeno de “recessão sexual”. Não há uma explicação fácil. Pense, por exemplo, que a explosão demográfica do pós-guerra foi causada por pessoas que enfrentaram ameaças muito mais imediatas e tangíveis à sua existência do que as ameaças que enfrentamos hoje. Então o que há de errado com a gente?

No ano em que me formei na faculdade e comecei a lecionar numa escola de ensino médio em Glasgow, na Escócia, recebi uma cópia do livro Dez Maneiras de Destruir a Imaginação do Seu Filho, de Anthony Esolen. Hoje em dia, ao folhear os capítulos com títulos satíricos – “Nunca Deixe as Crianças Sozinhas”, “Substitua os Contos de Fada por Clichês Políticos”, “Calunie os Heróis e Patriotas”, “Reduza o Amor ao Narcisismo e ao Sexo”, “Reduza as Diferenças entre Homens e Mulheres”, “Negue o Transcendente” — acho que ele funciona como um manual de instrução para o currículo progressista estatal que eu deveria implementar. (Currículo que, por acaso, está fazendo do país um lugar de analfabetos). Hoje me pergunto se as pessoas que criaram esse currículo tinham mesmo filhos.

O mesmo pensamento me ocorre diante dessa moda cada vez mais perdida da identidade de gênero. Quem sabe o que é melhor para as crianças: os pais ou os ativistas sem filhos? Não é uma pergunta difícil. Recentemente, numa biblioteca inglesa, uma drag queen foi gravada ensinando as crianças a “dançarem até o chão” — uma dança provocativa focada no movimento dos quadris que ganhou popularidade com Miley Cyrus. Uma interpretação generosa do episódio é a de que o artista adulto em questão não percebeu que estava agindo inadequadamente porque não conhece nem entende as crianças. Mas isso é ingenuidade. Na semana passada, depois que Mario Lopez, coapresentador do programa Access Hollywood e pai de três filhos, disse à ativista conservadora Candace Owens que a ideia de uma criança de três anos poder escolher seu gênero era “meio que assustadora” e pediu aos pais que agissem como “o adulto na situação”, ele foi atacado como um homem preconceituoso e até pediu desculpas.

Nossa cultura sem filhos é, paradoxalmente, uma cultura infantilizada.

© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

Madeleine Kearns é bolsista William F. Buckley Fellow de jornalismo político no National Review Institute.

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