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O Príncipe Regente D. Pedro (1798-1834), futuro Imperador do Brasil, dispensa apresentações. Importa aqui salientar que, desde cedo, o Príncipe desenvolveu uma significativa atividade jornalística, participando, com relativa frequência, inclusive sob pseudônimo, do debate público. A partir de julho de 1822, quando o processo de separação de Portugal parecia já irreversível, D. Pedro redigiu e publicou na imprensa carioca uma série de artigos – reproduzidos nos jornais das outras províncias –, relatando aos habitantes do Brasil as rusgas com a antiga metrópole e os caminhos que a sua regência estava tomando. O próprio D. Pedro, em carta ao seu pai, D. João VI, declara que o objetivo de tais intervenções era um só: atrair para si as simpatias da opinião pública, a “rainha do mundo poderosa”, como gostava de dizer.
Os dois manifestos, escritos e publicados no início do mês de agosto, integram essa série de intervenções, constituindo mesmo duas de suas peças mais importantes. O primeiro, é um comunicado do Príncipe Regente, Defensor Perpétuo do Brasil, informando aos povos do reino as razões pelas quais a separação de Portugal, e a consequente Independência do Brasil, se tornara inevitável; o segundo trata do mesmo tema, mas dirige-se às nações amigas.
Manifesto de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente Constitucional e Defensor Perpétuo Brasil, aos Povos deste Reino
Brasileiros! Está acabado o tempo de enganar os homens. Os governos que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros e abusos, têm de ver o colosso da sua grandeza tombar da frágil base sobre que se erguera outrora. Foi por assim o não pensarem que as Cortes de Lisboa forçaram as províncias do sul do Brasil a sacudir o jugo que lhes preparavam; foi por assim pensar que eu agora já vejo reunido todo o Brasil em torno de mim; requerendo-me a defesa de seus direitos e a mantença da sua liberdade e independência. Cumpre, portanto, ó brasileiros, que eu vos diga a verdade; ouvi-me, pois.
O Congresso de Lisboa, arrogando-se o direito tirânico de impor ao Brasil um artigo de nova crença, firmado em um juramento parcial e promissório, e que de nenhum modo podia envolver a aprovação da própria ruína, o compeliu a examinar aqueles pretendidos títulos e a conhecer a injustiça de tão desassisadas pretensões. Este exame, que a razão insultada aconselhava e requeria, fez conhecer aos brasileiros que Portugal, destruindo todas as formas estabelecidas, mudando todas as antigas e respeitáveis instituições da monarquia, correndo a esponja de ludibrioso esquecimento por todas as suas relações e reconstituindo-se novamente, não podia compulsá-los a aceitar um sistema desonroso e aviltador, sem atentar contra aqueles mesmos princípios em que fundara a sua revolução e o direito de mudar as suas instituições políticas, sem destruir essas bases, que estabeleceram seus novos direitos nos direitos inalienáveis dos povos, sem atropelar a marcha da razão e da justiça, que derivam suas leis da mesma natureza das coisas e nunca dos caprichos particulares dos homens.
Então, as províncias meridionais do Brasil, coligando-se entre si e tomando a atitude majestosa de um povo que reconhece entre os seus direitos os da liberdade e da própria felicidade, lançaram os olhos sobre mim, o filho do seu Rei e seu amigo, que, encarando no seu verdadeiro ponto de vista essa tão rica e grande porção do nosso globo, que, conhecendo os talentos dos seus habitantes e os recursos imensos do seu solo, via com dor a marcha desorientada e tirânica dos que tão falsa e prematuramente haviam tomado os nomes de pais da pátria, saltando de representantes do povo de Portugal a soberanos de toda a vasta monarquia portuguesa. Julguei então indigno de mim e do grande Rei, de quem sou filho e delegado, o desprezar os votos de súditos tão fiéis; que, superando talvez desejos e propensões republicanas, desprezaram exemplos fascinantes de alguns povos vizinhos e depositaram em mim todas as suas esperanças, salvando deste modo a realeza, neste grande continente americano, e os reconhecidos direitos da Augusta Casa de Bragança.
Acedi a seus generosos e sinceros votos e conservei-me no Brasil; dando parte desta minha firme resolução ao nosso bom Rei, persuadido que este passo deverá ser para as Cortes de Lisboa o termômetro das disposições do Brasil, da sua bem sentida dignidade e da nova elevação de seus sentimentos, e que os faria parar na carreira começada e entrar no trilho da justiça, de que se tinham desviado. Assim mandava a razão; mas as vistas vertiginosas do egoísmo continuaram a sufocar os seus brados e preceitos, e a discórdia apontou-lhes novas tramas; subiram então de ponto, como era de esperar, o ressentimento e a indignação das províncias coligadas; e, como por uma espécie de mágica, em um momento todas as suas ideias e sentimentos convergiram em um só ponto e para um só fim. Sem o estrépito das armas, sem as vozeiras da anarquia, requereram-me elas, como ao garante da sua preciosa liberdade e honra nacional, a pronta instalação de uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa no Brasil. Desejara eu poder alongar este momento para ver se o desvaneio das Cortes de Lisboa cedia às vozes da razão e da justiça, e a seus próprios interesses; mas a ordem por elas sugerida e transmitida aos cônsules portugueses de proibir os despachos de petrechos e munições para o Brasil, era um sinal de guerra e um começo real de hostilidades.
Exigia, pois, este reino, que já me tinha declarado seu Defensor Perpétuo, que eu provesse do modo mais enérgico e pronto a sua segurança, honra e prosperidade. Se eu fraqueasse na minha resolução atraiçoava por um lado minhas sagradas promessas e, por outro, quem poderia sobrestar os males da anarquia, a desmembração das suas províncias e os furores da democracia? Que luta porfiosa entre os partidos encarniçados, entre mil sucessivas e encontradas facções? A quem ficariam pertencendo o ouro e os diamantes das nossas inesgotáveis minas; estes rios caudalosos, que fazem a força dos estados, esta fertilidade prodigiosa, fonte inexaurível de riquezas e de prosperidade? Quem acalmaria tantos partidos dissidentes, quem civilizaria a nossa povoação disseminada e partida por tantos rios que são mares? Quem iria procurar os nossos índios no centro de suas matas impenetráveis através de montanhas altíssimas e inacessíveis? De certo, brasileiros, lacerava-se o Brasil; esta grande peça da benéfica natureza, que faz a inveja e a admiração das nações do mundo; e as vistas benfazejas da providência se destruíam ou, pelo menos, se retardavam por longos anos.
Eu fora responsável por todos estes males, pelo sangue que ia derramar-se e pelas vítimas que infalivelmente seriam sacrificadas às paixões e aos interesses particulares. Resolvi-me, portanto, tomei o partido que os povos desejavam e mandei convocar a Assembleia do Brasil, a fim de cimentar a Independência política deste reino, sem romper com todos os vínculos da fraternidade portuguesa; harmonizando-se com decoro e justiça todo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e conservando-se debaixo do mesmo chefe duas famílias, separadas por imensos mares, que só podem viver reunidas pelos vínculos da igualdade de direitos e recíprocos interesses.
Brasileiros! Para vós não é preciso recordar todos os males a que estáveis sujeitos, e que vos impeliram à Representação que me fez a Câmara e povo desta cidade no dia 23 de maio, que motivou o meu real decreto de 3 de junho do corrente ano; mas o respeito que devemos ao gênero humano exige que demos as razões da vossa justiça e do meu comportamento. A história dos feitos do congresso de Lisboa a respeito do Brasil é uma história de enfiadas injustiças e sem razões, seus fins eram paralisar a prosperidade do Brasil, consumir toda a sua vitalidade e reduzi-lo a tal inanição e fraqueza, que tornasse infalível a sua ruína e escravidão. Para que o mundo se convença do que digo, entremos na simples exposição dos seguintes fatos.
Legislou o congresso de Lisboa sobre o Brasil sem esperar pelos seus representantes, postergando, assim, a soberania da maioridade da nação.
Negou-lhe uma delegação do poder executivo, de que tanto precisava para desenvolver todas as forças da sua virilidade, vista a grande distância que o separa de Portugal, deixando-o assim sem leis apropriadas ao seu clima e circunstâncias locais, sem prontos recursos às suas necessidades.
Recusou-lhe um centro de união e de força para o debilitar, incitando previamente as suas províncias a despegarem-se daquele que já dentro de si tinham, felizmente.
Decretou-lhe governos sem estabilidade e sem nexo, com três centros de atividade diferentes, insubordinados, rivais e contraditórios, destruindo assim a sua categoria de Reino, aluindo assim as bases da sua futura grandeza e prosperidade, e só deixando-lhe todos os elementos da desordem e da anarquia.
Excluiu de fato os brasileiros de todos os empregos honoríficos e encheu vossas cidades de baionetas europeias, comandadas por chefes forasteiros, cruéis e imorais.
Recebeu com entusiasmo e prodigalizou louvores a todos esses monstros, que abriram chagas dolorosas nos vossos corações ou prometeram não cessar de as abrir.
Lançou mãos roubadoras aos recursos aplicados ao Banco do Brasil, sobrecarregado de uma dívida enorme nacional, de que nunca se ocupou o congresso quando o crédito deste Banco estava enlaçado com o crédito público do Brasil e com a sua prosperidade.
Negociava com as nações estranhas a alienação de porções do vosso território para vos enfraquecer e escravizar.
Desarmava vossas fortalezas, despia vossos arsenais, deixava indefesos vossos portos, chamando aos de Portugal toda a vossa marinha; esgotava vossos tesouros com saques repetidos para despesa de tropas, que vinham, sem pedimento vosso, para verterem o vosso sangue e destruir-vos, ao mesmo tempo que vos proibia a introdução de armas e munições estrangeiras, com que podeis armar vossos braços vingadores e sustentar a vossa liberdade.
Apresentou um projeto de relações comerciais que, sob falsas aparências de quimérica reciprocidade e igualdade, monopolizava vossas riquezas, fechava vossos portos aos estrangeiros e, assim, destruía a vossa agricultura e indústria, e reduzia os habitantes do Brasil outra vez ao estado de pupilos e colonos.
Tratou desde o princípio, e trata ainda, com indigno aviltamento e desprezo os representantes do Brasil, quando têm a coragem de os punir pelos seus direitos e até (quem ousará dizê-lo!) os ameaça com libertar a escravatura e armar seus braços contra seus próprios senhores.
Para acabar finalmente esta longa narração de horrorosas injustiças, quando pela primeira vez ouviu aquele congresso as expressões da vossa justa indignação, dobrou de escárnio, ó brasileiros, querendo desculpar seus atentados com a vossa própria vontade e confiança.
A delegação do poder executivo, que o congresso rejeitaria por anticonstitucional, agora já uma comissão do seio deste congresso nos a oferece, e com tal liberalidade que, em vez de um centro do mesmo poder de que só precisáveis, vos querem conceder dois e mais. Que generosidade inaudita! Mas quem não vê que isto só tem por fim destruir a vossa força e integridade, armar províncias contra províncias e irmãos contra irmãos.
Acordemos, pois, generosos habitantes deste vasto e poderoso Império, está dado o grande passo da vossa independência e felicidade, há tanto tempo preconizadas pelos grandes políticos da Europa. Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações independentes a que tínheis todo o direito. A honra e dignidade nacional, os desejos de ser venturoso, a voz da mesma natureza mandam que as colônias deixem de ser colônias quando chegam à sua virilidade e, ainda que tratados como colônias, não o éreis realmente, e até por fim éreis um Reino. Demais, o mesmo direito que teve Portugal para destruir as suas instituições antigas e constituir-se, com mais razão o tendes vós, que habitais um vasto e grandioso país, com uma povoação (bem que disseminada) já maior que a de Portugal, e que irá crescendo com a rapidez com que caiem pelo espaço os corpos graves. Se Portugal vos negar esse direito, renuncia ele mesmo ao direito que pode alegar para ser reconhecida a sua nova Constituição pelas nações estrangeiras, as quais então poderiam alegar motivos justos para se intrometerem nos seus negócios domésticos e para violarem os atributos da soberania e independência das nações.
Que vos resta, pois, brasileiros? Resta-vos reunir-vos todos em interesses, em amor, em esperanças; fazer entrar a Augusta Assembleia do Brasil no exercício das suas funções, para que, maneando o leme da razão e prudência, haja de evitar os escolhos que nos mares das revoluções apresentam desgraçadamente França, Espanha e o mesmo Portugal; para que marque com mão segura e sábia a partilha dos poderes e firme o código da vossa legislação na sã filosofia e o aplique às vossas circunstâncias peculiares.
Não o duvideis, brasileiros; vossos representantes, ocupados não de vencer renitências, mas de marcar direitos, sustentaram os vossos, calçados aos pés e desconhecidos há três séculos; consagraram os verdadeiros princípios da monarquia representativa brasileira; declararam Rei deste belo país o Senhor D. João VI., meu Augusto pai, de cujo amor estais altamente possuídos; cortaram todas as cabeças à Hidra da anarquia e a do despotismo; impuseram a todos os empregados e funcionários públicos a necessária responsabilidade; e a vontade legítima e justa da nação nunca mais verá tolhido a todo o instante o seu voo majestoso.
Firmes no princípio invariável de não sancionar abusos, donde a cada passo germinam novos abusos, vossos representantes espalharam a luz e nova ordem no caos tenebroso da fazenda pública, da administração econômica e das leis civis e criminais. Tiveram o valor de crer que ideias úteis e necessárias ao bem da nossa espécie não são destinadas somente para ornar páginas de livros, e que a perfectibilidade, concedida ao homem pelo Ente Criador e Supremo, deve não achar tropeço e concorrer para a ordem social e felicidade das nações.
Dar-vos-ão um código de leis adequadas à natureza das vossas circunstâncias locais, da vossa povoação, interesses e relações, cuja execução será confiada a juízes íntegros, que vos administrem justiça gratuita e façam desaparecer todas as trapaças do vosso foro, fundadas em antigas leis obscuras, ineptas, complicadas e contraditórias. Eles vos deram um código penal ditado pela razão e humanidade, em vez dessas leis sanguinosas e absurdas, de que até agora fostes vítimas cruentas. Tereis um sistema de impostos que respeite os suores da agricultura, os trabalhos da indústria, os perigos da navegação e a liberdade do comércio; um sistema claro e harmonioso, que facilite o emprego e circulação dos cabedais e arranque as cem chaves misteriosas que fechavam o escuro labirinto das finanças, que não deixavam ao cidadão lobrigar o rasto do emprego que se dava às rendas da nação.
Valentes soldados, também vós tereis um código militar que, formando um exército de cidadãos disciplinados, reúna o valor que defende a Pátria às virtudes cívicas que a protegem e seguram.
Cultores das letras e ciências, quase sempre aborrecidos ou desprezados pelo despotismo, agora tereis a estrada aberta e desimpedida para adquirirdes glória e honra. Virtude, merecimento, vós vireis juntos ornar o santuário da Pátria, sem que a intriga vos feche as avenidas do trono, que só estavam abertas à hipocrisia e à impostura.
Cidadãos de todas as classes, mocidade brasileira, vós tereis um código de instrução pública nacional, que fará germinar e vegetar viçosamente os talentos deste clima abençoado e colocará a nossa Constituição debaixo da salvaguarda das gerações futuras, transmitindo a toda a nação uma educação liberal, que comunique aos seus membros a instrução necessária para promoverem a felicidade do grande todo brasileiro.
Encarai, habitantes do Brasil, encarai a perspectiva de glória e de grandeza que se vos antolha; não vos assustem os atrasos da vossa situação atual; o fluxo da civilização começa a correr já impetuoso desde os desertos da Califórnia até ao estreito de Magalhães. Constituição e liberdade legal são fontes inesgotáveis de prodígios, e serão a ponte por onde o bom da velha e convulsa Europa passará ao nosso continente. Não temais as nações estrangeiras; a Europa, que reconheceu a Independência dos Estados Unidos da América e que ficou neutra na luta das colônias espanholas, não pode deixar de reconhecer a do Brasil, que, com tanta justiça e tantos meios e recursos, procura também entrar na grande família das nações. Nós nunca nos envolveremos nos seus negócios particulares; mas elas também não quererão perturbar a paz e o comércio livre que lhes oferecemos; garantidos por um governo representativo que vamos estabelecer.
Não se ouça, pois, entre vós outro grito que não seja união. Do Amazonas ao Prata, não retumbe outro eco que não seja Independência. Formem todas as nossas províncias o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar. Despareçam de uma vez antigas preocupações, substituindo o amor do bem geral ao de qualquer província ou de qualquer cidade. Deixai, ó brasileiros, que escuros blasfemadores soltem contra vós, contra mim e contra o nosso liberal sistema injúrias, calúnias e baldões; lembrai-vos que, se eles vos louvassem, o Brasil estava perdido. Deixai que digam que atentamos contra Portugal, contra a mãe pátria, contra os nossos benfeitores; nós, salvando os nossos direitos, punindo pela nossa justiça e consolidando a nossa liberdade, queremos salvar a Portugal de uma nova classe de tiranos.
Deixai que clamem que nos rebelamos contra o nosso Rei. Ele sabe que o amamos, como um Rei cidadão, e queremos salvá-lo do afrontoso estado de cativeiros a que o reduziram; arrancando a máscara da hipocrisia a demagogos infames e marcando com verdadeiro liberalismo os justos limites dos poderes políticos. Deixai que vozeiem, querendo persuadir ao mundo que quebramos todos os laços de união com nossos irmãos da Europa; não, nós queremos firmá-la em bases sólidas, sem a influência de um partido que vilmente desprezou nossos direitos e que, mostrando-se, a cara descoberta, tirano e dominador em tantos fatos que já se não podem esconder com desonra e prejuízo nosso, enfraquece e destrói irremediavelmente aquela força moral tão necessária em um congresso, e que toda se apoia na opinião pública e na justiça.
Ilustres baianos, porção generosa e malfadada do Brasil, a cujo solo se tem agarrado mais essas famintas e empestadas harpias, quanto me punge o vosso destino! Quanto o não poder há mais tempo ir enxugar as vossas lágrimas e abrandar a vossa desesperação! Baianos, o brio é a vossa divisa, expeli do vosso seio esses monstros que se sustentam do vosso sangue; não os temais, vossa paciência faz a sua força. Eles já não são portugueses, expeli-os e vinde reunir-vos a nós, que vos abrimos os braços.
Valentes mineiros, intrépidos pernambucanos defensores da liberdade brasílica, voa em socorro dos vossos vizinhos irmãos; não é a causa de uma província, é a causa do Brasil que se defende na primogênita de Cabral. Extingui esse viveiro de fardados lobos, que ainda sustentam os sanguinários caprichos do partido faccioso. Recordai-vos pernambucanos das fogueiras do Bonito e das cenas do Recife. Poupai, porém, e amai como irmãos a todos os portugueses pacíficos, que respeitam nossos direitos e desejam a nossa e sua verdadeira felicidade.
Habitantes do Ceará, do Maranhão, do riquíssimo Pará, vós todos, das belas e amenas províncias do norte, vinde exarar e assinar o ato da nossa emancipação, para figurarmos (é tempo) diretamente na grande associação política. Brasileiros em geral! Amigos, reunamo-nos; sou vosso compatriota, sou vosso Defensor; encaremos, como único prêmio de nossos suores, a honra, a glória, a prosperidade do Brasil. Marchando por esta estrada ver-me-eis sempre à vossa frente e no lugar do maior perigo. A minha felicidade (convencei-vos) existe na vossa felicidade; é minha glória reger um povo brioso e livre. Dai-me o exemplo das vossas virtudes, e da vossa união. Serei digno de vós. Palácio do Rio de Janeiro, no primeiro de agosto de 1822.
Manifesto do Príncipe Regente do Brasil aos Governos e Nações Amigas
Desejando, eu e os povos que me reconhecem como seu Príncipe Regente, conservar as relações políticas e comerciais com os governos e nações amigas deste reino, e continuar a merecer-lhes a aprovação e estimação de que se faz credor o caráter brasileiro; cumpre-me expor-lhes sucinta, mas verdadeiramente, a série dos fatos e motivos que me tem obrigado anuir à vontade geral do Brasil, que proclama à face do universo a sua Independência política; e quer, como reino irmão e como nação grande e poderosa, conservar ilesos e firmes seus imprescritíveis direitos, contra os quais Portugal sempre atentou, e agora mais que nunca, depois da decantada regeneração política da monarquia pelas Cortes de Lisboa.
Quando, por um acaso, se apresentara pela vez primeira esta rica e vasta região brasílica aos olhos do venturoso Cabral, logo a avareza e o proselitismo religioso, móveis dos descobrimentos e colônias modernas, se apoderaram dela por meio de conquista; e leis de sangue, ditadas por paixões e sórdidos interesses, firmaram a tirania portuguesa. O indígena bravio e o colono europeu foram obrigados a trilhar a mesma estrada da miséria e escravidão. Se cavavam o seio de seus montes para deles extraírem o ouro, leis absurdas e o quinto vieram logo esmorecê-los em seus trabalhos apenas encetados; ao mesmo tempo que o Estado Português, com sôfrega ambição, devorava os tesouros que a benigna natureza lhe ofertava, fazia também vergar as desgraçadas Minas sob o peso do mais odioso dos tributos, a capitação. Queriam que os brasileiros pagassem até o ar que respiravam e a terra que pisavam. Se a indústria de alguns homens mais ativos tentava dar nova forma aos produtos do seu solo, para com eles cobrir a nudez de seus filhos, leis tirânicas o empeciam e castigavam estas nobres tentativas. Sempre quiseram os europeus conservar este rico país na mais dura e triste dependência da metrópole; porque julgavam ser-lhes necessário estancar ou, pelo menos, empobrecer a fonte perene de suas riquezas. Se a atividade de algum colono oferecia a seus concidadãos, de quando em quando, algum novo ramo de riqueza rural, naturalizando vegetais exóticos, úteis e preciosos, impostos onerosos vinham logo dar cabo de tão felizes começos. Se homens empreendedores ousavam mudar o curso de caudalosos ribeirões para arrancarem de seus álveos os diamantes, eram logo impedidos pelos agentes cruéis do monopólio e punidos por leis inexoráveis. Se o supérfluo de suas produções convidava e reclamava a troca de outras produções estranhas, privado o Brasil do mercado geral das nações e, por conseguinte, da sua concorrência, que encareceria as compras e abarataria as vendas, nenhum outro recurso lhe restava senão mandá-las aos portos da metrópole e estimular assim, cada vez mais, a sórdida cobiça e prepotência de seus tiranos. Se, finalmente, o brasileiro, a quem a provida natureza deu talentos não vulgares, anelava instruir-se nas ciências e nas artes, para melhor conhecer os seus direitos ou saber aproveitar as preciosidades naturais com que a providência dotara o seu país, mister lhe era as ir mendigar a Portugal, que pouco as possuía e de onde muitas vezes lhe não era permitido regressar.
Tal foi a sorte do Brasil por quase três séculos, tal a mesquinha política que Portugal, sempre acanhado em suas vistas, sempre faminto e tirânico, imaginou para cimentar o seu domínio e manter o seu fictício esplendor. Colonos e indígenas, conquistados e conquistadores, seus filhos e os filhos de seus filhos, tudo foi confundido, tudo ficou sujeito a um anátema geral. E por quanto a ambição do poder e a sede de ouro são sempre insaciáveis e sem freio, não se esqueceu Portugal de mandar continuamente paxás desapiedados, magistrados corruptos e enxames de agentes fiscais de toda a espécie, que no delírio de suas paixões e avareza despedaçavam os laços da moral assim pública, como doméstica, devoravam os mesquinhos restos dos suores e fadigas dos habitantes; e dilaceravam as entranhas do Brasil, que os sustentava e enriquecia, para que reduzidos à última desesperação, seus povos, quais submissos muçulmanos, fossem em romarias à nova Meca, comprar com ricos dons e oferendas uma vida, bem que obscura e languida, ao menos mais suportável e folgada. Se o Brasil resistiu a esta torrente de males, se medrou no meio de tão vil opressão, deveu-o a seus filhos fortes e animosos, que a natureza tinha talhado para gigantes; deveu-o aos benefícios dessa boa mãe, que lhes dava forças sempre renascentes para zombarem dos obstáculos físicos e morais que seus ingratos pais e irmãos opunham acintemente ao seu crescimento e prosperidade.
Porém, o Brasil, ainda que ulcerado com a lembrança de seus passados infortúnios, sendo naturalmente bom e honrado, não deixou de receber com inexplicável júbilo a Augusta Pessoa do Senhor D. João VI e a toda real família. Fez ainda mais, acolheu com braços hospedeiros a nobreza e o povo, que emigrara acossados pela invasão do déspota da Europa. Tomou contente sobre seus ombros o peso do trono de meu Augusto Pai. Conservou com esplendor o diadema que lhe cingia a fronte. Supriu com generosidade e profusão as despesas de uma nova Corte desregrada; e, o que mais é, em grandíssima distância, sem interesse algum seu particular, mas só pelos simples laços da fraternidade, contribuiu também para as despesas da guerra que Portugal tão gloriosamente tentara contra os seus invasores. E que ganhou o Brasil em paga de tantos sacrifícios? A continuação dos velhos abusos e o acréscimo de novos, introduzidos parte pela imperícia, parte pela imoralidade e pelo crime. Tais desgraças clamavam altamente por uma pronta reforma de governo, para o qual o habilitavam o acréscimo de luzes e os seus inauferíveis direitos, como homens que formavam a porção maior e mais rica da nação portuguesa, favorecidos pela natureza na sua posição geográfica e central no meio do globo, nos seus vastos portos e enseadas e nas riquezas naturais do seu solo; porém, sentimentos de lealdade excessiva e um extremado amor para com seus irmãos de Portugal, embargaram seus queixumes, sopearam sua vontade e fizeram ceder esta palma gloriosa a seus pais e irmãos da Europa.
Quando em Portugal se levantou o grito da regeneração política da monarquia, confiados os povos do Brasil na inviolabilidade dos seus direitos e incapazes de julgar aqueles seus irmãos diferentes em sentimentos e generosidade, abandonaram a estes ingratos a defesa de seus mais sagrados interesses e o cuidado da sua completa reconstituição; e na melhor fé do mundo, adormeceram tranquilos à borda do mais terrível precipício. Confiando tudo da sabedoria e justiça do congresso lisbonense, esperava o Brasil receber dele tudo o que lhe pertencia por direito. Quão longe estava então de presumir que este mesmo congresso fosse capaz de tão vilmente atraiçoar suas esperanças e interesses; interesses que estão estreitamente enlaçados com os gerais da nação!
Agora já conhece o Brasil o erro em que caíra; e se os brasileiros não fossem dotados daquele generoso entusiasmo, que tantas vezes confunde fósforos passageiros com a verdadeira luz da razão, veriam, desde o primeiro manifesto que Portugal dirigira aos povos da Europa, que um dos fins ocultos da sua apregoada regeneração consistia em restabelecer astutamente o velho sistema colonial, sem o qual creu sempre Portugal, e ainda hoje o crê, que não pode existir rico e poderoso. Não previu o Brasil que seus deputados, tendo de passar a um país estranho e arredado, tendo de lutar contra preocupações e caprichos inveterados da metrópole, faltos de todo o apoio pronto de amigos e parentes, de certo haviam de cair na nulidade em que ora os vemos; mas foi-lhe necessário passar pelas duras lições da experiência para reconhecer a ilusão das suas erradas esperanças.
Mas merecem desculpa os brasileiros, porque almas cândidas e generosas muita dificuldade teriam de capacitar-se que a gabada regeneração da monarquia houvesse de começar pelo restabelecimento do odioso sistema colonial. Era muito difícil, e quase incrível, conciliar este plano absurdo e tirânico com as luzes e liberalismo, que altamente apregoava o congresso português! E ainda mais incrível era que houvesse homens tão atrevidos e insensatos, que ousassem, como depois direi, atribuir à vontade e ordens de Meu Augusto Pai, El Rei o Senhor Dom João VI, a quem o Brasil deveu a sua categoria de Reino, querer derribar de um golpe o mais belo padrão que o há de eternizar na história do universo. É incrível, por certo, tão grande alucinação; porém, falam os fatos, e contra a verdade manifesta não pode haver sofismas.
Enquanto meu Augusto Pai não abandonou, arrastrado por ocultas e pérfidas manobras, as praias do Rio de Janeiro para ir desgraçadamente habitar de novo as do velho Tejo, afetava o congresso de Lisboa sentimentos de fraternal igualdade para com o Brasil, e princípios luminosos de recíproca justiça, declarando formalmente, no artigo 21 das Bases da Constituição, que a lei fundamental, que se ia organizar e promulgar, só teria aplicação a este reino se os deputados dele, depois de reunidos, declarassem ser esta a vontade dos povos que representavam. Mas qual foi o espanto desses mesmos povos, quando viram, em contradição daquele artigo e com desprezo de seus inalienáveis direitos, uma fração do congresso geral decidir dos seus mais caros interesses, quando viram legislar o partido dominante daquele congresso incompleto e imperfeito sobre objetos de transcendente importância e privativa competência do Brasil, sem a audiência sequer de dois terços dos seus representantes!
Este partido dominador, que ainda hoje insulta sem pejo as luzes e probidade dos homens sensatos e probos que nas Cortes existem, tenta todos os meios infernais e tenebrosos da política para continuar a enganar o crédulo Brasil com aparente fraternidade, que nunca morara em seus corações; e aproveita astutamente os desvarios da Junta Governativa da Bahia (que ocultamente promovera) para despedaçar o sagrado nó que ligava todas as províncias do Brasil à minha legítima e paternal Regência. Como ousou reconhecer o congresso, naquela Junta facciosa, legítima autoridade para cortar os vínculos políticos da sua província e apartar-se do centro do sistema a que estava ligada, e isto ainda depois do Juramento de meu Augusto Pai à Constituição prometida a toda a monarquia? Com que direito, pois, sancionou este congresso, cuja representação nacional então só se limitava a de Portugal, atos tão ilegais, criminosos e das mais funestas consequências para todo o Reino Unido? E quais foram as utilidades que daí vieram à Bahia? O vão e ridículo nome de Província de Portugal; e o pior são os males da guerra civil e da anarquia em que hoje se acha submergida por culpa do seu primeiro governo, vendido aos demagogos lisbonenses, e de alguns outros homens deslumbrados com ideias anárquicas e republicanas. Porventura ser a Bahia província do pobre e acanhado Reino de Portugal, quando assim pudesse conservar-se, era mais do que ser uma das primeiras do vasto e grandioso Império do Brasil? Mas eram outras as vistas do congresso. O Brasil não devia mais ser Reino; devia descer do trono da sua categoria; despojar-se do manto real da sua majestade; depor a coroa e o cetro; e retroceder na ordem política do universo, para receber novos ferros e humilhar-se como escravo perante Portugal.
Não paremos aqui. Examinemos a marcha progressiva do congresso. Autorizam e estabelecem governos provinciais anárquicos e independentes uns dos outros, mas sujeitos a Portugal. Rompem a responsabilidade e harmonia mútua entre os poderes civil, militar e financeiro, sem deixarem aos povos outro recurso a seus males inevitáveis senão através do vasto oceano – recurso inútil e ludibrioso. Bem via o congresso que despedaçava a arquitetura majestosa do Império brasileiro; que ia separar e pôr em contínua luta suas partes, aniquilar suas forças e até converter as províncias em outras tantas repúblicas inimigas. Mas pouco lhe importavam as desgraças do Brasil; bastava-lhe por então proveitos momentâneos; a nada se lhe dava de cortar a árvore pela raiz, contanto que, à semelhança dos selvagens da Louisiana, colhesse logo seus frutos, sequer uma vez somente.
As representações e esforços da Junta Governativa e dos deputados de Pernambuco para se verem livres das baionetas europeias, as quais aquela província devia as tristes dissenções intestinas que a dilaceravam, foram baldadas. Então o Brasil começou a rasgar o denso véu que cobria seus olhos, e foi conhecendo o para que se destinavam essas tropas; examinou as causas do mau acolhimento que recebiam as propostas dos poucos deputados que já tinha em Portugal, e foi perdendo cada vez mais a esperança de melhoramento e reforma nas deliberações do congresso; pois via que não valia a justiça de seus direitos, nem as vozes e patriotismo de seus deputados.
Ainda não é tudo. Bem conheciam as Cortes de Lisboa que o Brasil estava esmagado pela imensa dívida do tesouro ao seu Banco Nacional, e que se este viesse a falir, de certo inumeráveis famílias ficariam arruinadas ou reduzidas a total indigência. Este objeto era da maior urgência, todavia, nunca o crédito deste Banco lhes deveu a menor atenção; antes parece que se empenhavam com todo o esmero em dar-lhe o último golpe, tirando ao Brasil as sobras das rendas provinciais que deviam entrar no seu Tesouro Público e Central; e até esbulharam o Banco da Administração dos Contratos, que El-Rei meu Augusto Pai lhe havia concedido, para amortização desta dívida sagrada.
Chegam, enfim, ao Brasil os fatais decretos da minha retirada para a Europa e da extinção total dos tribunais do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que ficavam subsistindo os de Portugal. Desvaneceram-se, então, em um momento, todas as esperanças, até mesmo de conservar uma delegação do Poder Executivo que fosse o centro comum de união e de força entre todas as províncias deste vastíssimo país; pois que sem este centro comum, que dê regularidade e impulso a todos os movimentos da sua máquina social, debalde a natureza teria feito tudo o que dela profusamente dependia para o rápido desenvolvimento das suas forças e futura prosperidade. Um governo forte e constitucional era só quem podia desempeçar o caminho para o argumento da civilização e riqueza progressiva do Brasil; quem podia defendê-lo de seus inimigos externos e coibir as facções internas, de homens ambiciosos e malvados, que ousassem atentar contra a liberdade e propriedade individual e contra o sossego e segurança pública do Estado em geral e de cada uma das suas províncias em particular. Sem este centro comum, torno a dizer, todas as relações de amizade e comércio mútuo, entre este Reino com o de Portugal e países estrangeiros, teriam mil colisões e embates; e, em vez de se aumentar a nossa riqueza debaixo de um sistema sólido e adequado de economia pública, a veríamos, pelo contrário, entorpecer e definhar, e acabar talvez de todo. Sem este centro de força e de união, finalmente, não poderiam os brasileiros conservar as suas fronteiras e limites naturais, e perderiam, como agora maquina o congresso, tudo o que ganharam à custa de tanto sangue e cabedais; e o que é pior, com menoscabo da honra e brio nacional e dos seus grandes e legítimos interesses políticos e comerciais. Mas, felizmente para nós, a justiça ultrajada e a sã política levantaram um brado universal e ficou suspensa a execução de tão maléficos decretos.
Ressentiram-se de novo os povos deste Reino, vendo o desprezo com que foram tratados os cidadãos beneméritos do Brasil, pois na numerosa lista de diplomatas, ministros de Estado, conselheiros e governadores militares não apareceu o nome de um só brasileiro. Os fins sinistros porque se nomearam estes novos paxás, com o título dourado de Governadores de Armas, estão hoje manifestos; basta atender ao comportamento uniforme que hão tido em nossas províncias, opondo-se à dignidade e liberdade do Brasil; e basta ver a consideração com que as Cortes ouvem seus ofícios e a ingerência que tomam em matérias civis e políticas, muito alheias de qualquer mando militar. A condescendência com que as Cortes receberam as felicitações da tropa fratricida expulsa de Pernambuco e, há pouco, as aprovações dadas pelo partido dominante do congresso aos revoltosos procedimentos do General Avilez, que, para cumulo de males e sofrimento, até deu causa à prematura morte de meu querido filho, o Príncipe Dom João; o pouco caso e escárnio com que foram ultimamente ouvidas as sanguinosas cenas da Bahia, perpetradas pelo infame Madeira, a quem vão reforçar com novas tropas, apesar dos protestos dos deputados do Brasil; tudo isto evidencia que depois de subjugada a liberdade das províncias, sufocados os gritos de suas justas reclamações, denunciados como anticonstitucionais o patriotismo e honra dos cidadãos, só pretendem esses desorganizadores estabelecer, debaixo das palavras enganosas de união e fraternidade, um completo despotismo militar com que esperam esmagar-nos.
Nenhum governo justo, nenhuma nação civilizada deixará de compreender que, privado o Brasil de um Poder Executivo, extintos os tribunais necessários e obrigado a ir mendigar a Portugal através de delongas e perigos as graças e a justiça, chamadas a Lisboa as sobras das rendas das suas províncias, aniquilada a sua categoria de Reino e dominado este pelas baionetas que de Portugal mandassem, só restava ao Brasil ser riscado para sempre do número das nações e povos livres, ficando outra vez reduzido ao antigo estado colonial e de comércio exclusivo. Mas não convinha ao congresso patentear, à face do mundo civilizado, seus ocultos e abomináveis projetos; procurou, portanto, rebuçá-los de novo, nomeando comissões encarregadas de tratar dos negócios políticos e mercantis deste Reino. Os pareceres destas comissões correm pelo universo e mostram terminantemente todo o maquiavelismo e hipocrisia das Cortes de Lisboa, que só podem iludir a homens ignorantes e dar novas armas aos inimigos solapados que vivem entre nós. Dizem agora, esses falsos e maus políticos, que o Congresso deseja ser instruído dos votos do Brasil e que sempre quis acertar em suas deliberações; se isto é verdade, porque ainda agora rejeitam as Cortes de Lisboa tudo quanto propõem os poucos deputados que lá temos.
Essa comissão especial, encarregada dos negócios políticos deste Reino, já lá tinha em seu poder as representações de muitas das nossas províncias e câmaras, em que pediam a derrogação do decreto sobre a organização dos governos provinciais e a minha conservação neste Reino como Príncipe Regente. Que fez, porém, a Comissão? A nada disso atendeu e apenas propôs a minha estada temporária no Rio de Janeiro, sem entrar nas atribuições que me deviam pertencer, como delegado do poder executivo. Reclamavam os povos um centro único daquele poder, para se evitar a desmembração do Brasil em partes isoladas e rivais. Que fez a Comissão? Foi tão maquiavélica, que propôs se concedesse ao Brasil dois ou mais centros, e até que se correspondessem diretamente com Portugal as províncias que assim o desejassem.
Muitas e muitas vezes levantaram seus brados a favor do Brasil os nossos deputados; mas suas vozes expiraram sufocadas pelos insultos da gentalha assalariada das galerias. A todas as suas reclamações responderam sempre que eram ou contra os artigos já decretados da Constituição, ou contra o regulamento interior das Cortes, ou que não podiam derrogar o que já estava decidido, ou, finalmente, respondiam orgulhosos: aqui não há deputados de províncias, todos são deputados da nação, e só deve valer a pluralidade; falso e inaudito princípio de direito público, porém, muito útil aos dominadores, porque, escudados pela maioria dos votos europeus, tornavam nulos os dos brasileiros, podendo assim escravizar o Brasil a seu sabor. Foi presente ao Congresso a carta que me dirigiu o governo de São Paulo e, logo depois, o voto unânime da deputação que me foi enviada pelo governo, Câmara e clero da sua Capital. Tudo foi baldado. A Junta daquele governo foi insultada, taxada de rebelde e digna de ser criminalmente processada. Enfim, pelo órgão da imprensa livre, os escritores brasileiros manifestaram ao mundo as injustiças e erros do Congresso; e em paga da sua lealdade e patriotismo foram invectivados de venais e só inspirados pelo gênio do mal no maquiavélico parecer da comissão.
À vista de tudo isto, já não é mais possível que o Brasil lance um véu de eterno esquecimento sobre tantos insultos e atrocidades; nem é igualmente possível que ele possa jamais ter confiança nas Cortes de Lisboa, vendo-se a cada passo ludibriado, já dilacerado por uma guerra civil começada por essa iniqua gente, e até ameaçado com as cenas horrorosas do Haiti, que nossos furiosos inimigos muito desejam reviver.
Porventura, não é também um começo real de hostilidades proibir aquele governo que as nações estrangeiras, com quem livremente comerciávamos, nos importem petrechos militares e navais? Deveremos igualmente sofrer que Portugal ofereça ceder à França uma parte da província do Pará, se aquela potência lhe quiser subministrar tropas e navios, com que possa melhor algemar nossos pulsos e sufocar nossa justiça? Poderão esquecer-se os briosos brasileiros de que iguais propostas, e para o mesmo fim, foram feitas à Inglaterra, com oferecimento de se perpetuar o Tratado de Comércio de 1810 e ainda com maiores vantagens? A quanto chega a má vontade e impolítica dessas Cortes!
Demais, o Congresso de Lisboa, não poupando a menor tentativa de oprimir-nos e escravizar-nos, tem espalhado uma corte de emissários ocultos, que empregam todos os recursos da astúcia e da perfídia, para desorientarem o espírito público, perturbarem a boa ordem e fomentarem a desunião e anarquia no Brasil. Certificados do justo rancor que tem este povo ao despotismo, não cessam estes pérfidos emissários, para perverterem a opinião pública, de envenenar as ações mais justas e puras de meu governo, ousando temerariamente imputar-me desejo de separar inteiramente o Brasil de Portugal e de reviver a antiga arbitrariedade. Debalde tentam, porém, desunir os habitantes deste Reino; os honrados europeus, nossos conterrâneos, não serão ingratos ao país que os adotou por filhos e os tem honrado e enriquecido.
Ainda não contentes, os faciosos das Cortes, com toda esta série de perfídias e atrocidades, ousam insinuar que grande parte destas medidas desastrosas são emanações do poder executivo; como se o caráter de El Rei, do Benfeitor do Brasil, fosse capaz de tão maquiavélica perfídia; como se o Brasil e o mundo inteiro não conhecessem que o Senhor D. João VI, meu Augusto Pai, está realmente prisioneiro do Estado, debaixo de completa coação e sem vontade livre, como a deveria ter um verdadeiro monarca que gozasse daquelas atribuições que qualquer legítima Constituição, por mais estreita e suspeitosa que seja, lhe não deve denegar; sabe toda a Europa, e o mundo inteiro, que dos seus ministros, uns se acham nas mesmas circunstâncias e outros são criaturas e partidários da facção dominadora.
Sem dúvida, as provocações e injustiças do Congresso para com o Brasil são filhas de partidos contrários entre si, mas ligados contra nós; querem uns forçar o Brasil a se separar de Portugal, para melhor darem ali garrote ao sistema constitucional; outros querem o mesmo, porque desejam unir-se à Espanha; por isso, não admira em Portugal escrever-se e assoalhar-se descaradamente que aquele Reino utiliza com a perda do Brasil.
Cegas, pois, de orgulho, ou arrastadas pela vingança e egoísmo, decidiram as Cortes, com dois rasgos de pena, uma questão da maior importância para a Grande Família Lusitana, estabelecendo, sem consultar a vontade geral dos portugueses de ambos os hemisférios, o assento da monarquia em Portugal, como se essa mínima parte do território português, e a sua povoação estacionária e acanhada, devesse ser o centro político e comercial da nação inteira. Com efeito, se convém a estados espalhados, mas reunidos debaixo de um só chefe, que o princípio vital de seus movimentos e energia exista na parte a mais central e poderosa da grande máquina social, para que o impulso se comunique a toda a periferia com a maior presteza e vigor, de certo o Brasil tinha o incontrastável direito de ter dentro de si o assento do Poder Executivo. Com efeito, este rico e vasto país, cujas alongadas costas se estendem desde dois graus além do Equador até o rio da Prata, e são banhadas pelo Atlântico, fica quase no centro do globo, à borda do grande canal por onde se faz o comércio das nações, que é o liame que une as quatro partes do mundo. À esquerda tem o Brasil a Europa e a parte mais considerável da América, em frente, à África, à direita, o resto da América e a Ásia, com o imenso arquipélago da Austrália, e nas costas o mar Pacífico ou o Máximo Oceano, com o Estreito de Magalhães e o Cabo de Horne quase à porta.
Quem ignora, igualmente, que é quase impossível dar nova força e energia a povos envelhecidos e defasados. Quem ignora, hoje, que os belos dias de Portugal estão passados e que só do Brasil pode esta pequena porção da monarquia esperar seguro arrimo e novas forças para adquirir outra vez a sua virilidade antiga! Mas de certo não poderá o Brasil prestar-lhe estes socorros, se alcançarem esses insensatos decepar-lhe as forças, desuni-lo e arruiná-lo.
Em tamanha e tão sistemática série de desatinos e atrocidades, qual deveria ser o comportamento do Brasil? Deveria supor acaso as Cortes de Lisboa ignorantes de nossos direitos e conveniências? Não, por certo; porque ali há homens, ainda mesmo dentre os facciosos, bem que malvados, não de todo ignorantes. Deveria o Brasil sofrer e contentar-se somente com pedir humildemente o remédio de seus males a corações desapiedados e egoístas? Não vê ele que, mudados os déspotas, continua o despotismo? Tal comportamento, além de inepto e desonroso, precipitaria o Brasil em um pélago insondável de desgraças; e perdido o Brasil, está perdida a monarquia.
Colocado pela Providência no meio deste vastíssimo e abençoado país, como herdeiro e legítimo delegado de El Rei, meu Augusto Pai, é a primeira das minhas obrigações não só zelar pelo bem dos povos brasileiros, mas igualmente pelos de toda a nação que um dia devo governar. Para cumprir estes Deveres Sagrados, anuí aos votos das províncias, que me pediram não as abandonasse; desejando acertar em todas as minhas resoluções, consultei a opinião pública dos meus súditos e fiz nomear e convocar procuradores gerais de todas as províncias, para me aconselharem nos negócios de estado e da sua comum utilidade. Depois, para lhes dar uma nova prova da minha sinceridade e amor, aceitei o título e encargos de Defensor Perpétuo deste Reino, que os povos me conferiram; e, finalmente, vendo a urgência dos acontecimentos e ouvindo os votos gerais do Brasil, que queria ser salvo, mandei convocar uma Assembleia Constituinte e Legislativa que trabalhasse a bem da sua sólida felicidade. Assim requeriam os povos, que consideram a meu Augusto Pai e Rei privado da sua liberdade e sujeito aos caprichos desse bando de facciosos que domina nas Cortes de Lisboa, das quais seria absurdo esperar medidas justas e úteis aos destinos do Brasil e ao verdadeiro bem de toda a nação portuguesa.
Eu seria ingrato aos brasileiros – seria perjúrio as minhas promessas – e indigno do nome de Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves se obrasse de outro modo. Mas protesto ao mesmo tempo perante Deus e à face de todas as nações amigas e aliadas, que não desejo cortar os laços de união e fraternidade que devem fazer de toda a nação portuguesa um só todo político bem organizado, protesto, igualmente, que salva a devida e justa reunião de todas as partes da monarquia debaixo de um só Rei, como chefe supremo do poder executivo de toda a nação, hei de defender os legítimos direitos e a constituição futura do Brasil, que espero seja boa e prudente, com todas as minhas forças, e à custa do meu próprio sangue, se assim for necessário.
Tenho exposto com sinceridade e concisão aos governos e nações, a quem me dirijo neste manifesto, as causas da final resolução dos povos deste Reino. Se El Rei, o Senhor D. João VI, meu Augusto Pai, estivesse ainda no seio do Brasil, gozando de sua liberdade e legítima autoridade, de certo se comprazeria com os votos deste povo leal e generoso; e o imortal fundador deste Reino, que já em fevereiro de 1821 chamara ao Rio de Janeiro Cortes Brasileiras, não poderia deixar neste momento de convocá-las, do mesmo modo que eu agora fiz, mas achando-se o nosso Rei prisioneiro e cativo, a mim me compete salvá-lo do afrontoso estado a que o reduziram os facciosos de Lisboa. A mim pertence, como seu delegado e herdeiro, salvar não só ao Brasil, mas com ele toda a nação portuguesa.
A minha firme resolução, e a dos povos que governo, estão legitimamente promulgadas. Espero, pois, que os homens sábios e imparciais de todo o mundo e que os governos e nações amigas do Brasil hajam de fazer justiça a tão justos e nobres sentimentos. Eu os convido a continuarem com o Reino do Brasil as mesmas relações de mútuo interesse e amizade. Estarei pronto a receber os seus ministros e agentes diplomáticos, e a enviar-lhes os meus, enquanto durar o cativeiro de El Rei, meu Augusto Pai. Os portos do Brasil continuarão a estar abertos a todas as nações pacíficas e amigas, para o comércio lícito que as leis não proíbem; os colonos europeus que para aqui emigrarem poderão contar com a mais justa proteção neste país rico e hospitaleiro. Os sábios, os artistas, os capitalistas e os empreendedores encontrarão também amizade e acolhimento. E como o Brasil sabe respeitar os direitos dos outros povos e governos legítimos, espera igualmente, por justa retribuição, que seus inalienáveis direitos sejam também por eles respeitados e reconhecidos, para se não ver, em caso contrário, na dura necessidade de obrar contra os desejos de seu generoso coração. Palácio do Rio de Janeiro, seis de agosto de mil oitocentos e vinte dois.