Alexandre de Moraes e os outros ministros do STF possuem, juntos, milhões de seguidores nas redes sociais.| Foto: EFE
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No livro 'O Supremo: Entre o Direito e a Política', o pesquisador e professor de Direito Constitucional Diego Werneck Arguelhes se debruça sobre a estrutura e a história do STF para esclarecer quais os limites, os deveres e as possibilidades da corte e de seus ministros. Também reflete sobre suas controvérsias e aponta caminhos para uma convivência equilibrada entre a política e a jurisprudência. Leia a seguir um trecho da obra lançada em 2023 pelo selo História Real.

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Ministros do Supremo são celebridades no Brasil de hoje. O que eles falam e fazem é notícia, independentemente do tema, apenas pelo fato de ser uma opinião de um integrante da mais alta corte do país.

Essa onipresença não é resultado apenas da atenção do público, mas também construída pelos próprios ministros ao longo das últimas duas décadas. Muitos ministros da composição atual se colocam deliberadamente em posição de emitir opiniões públicas em variadas plataformas e variados contextos.

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Em maio de 2023, no X/Twitter, os ministros Alexandre de Moraes (1 milhão de seguidores), André Mendonça (477 mil), Gilmar Mendes (513 mil) e Luís Roberto Barroso (418 mil) somavam milhões de seguidores. Segundo reportagem do site Poder360, ao longo de 2021, foram feitas 600 mil consultas no Google que envolviam nomes de ministros do STF; Moraes, Mendes e Barroso respondiam por 42% desse total (Mendonça ingressou na corte em dezembro de 2021).

Essa presença pública deve ser interrogada, não normalizada. Ministros do Supremo não são lideranças políticas ou econômicas nem celebridades dos esportes, da música ou do entretenimento. Não são comentaristas políticos ou influenciadores digitais (embora alguns possam desejar ser uma ou ambas as coisas).

Como juízes do mais alto tribunal do país, a exposição não é totalmente descabida. As expectativas, porém, são distintas das de outras autoridades públicas. Quantos brasileiros e brasileiras, sabendo nomear o prefeito da cidade e o governador do estado em que residem, saberiam também nomear o presidente do respectivo Tribunal de Justiça?

Os ministros do Supremo parecem exceção dentro do próprio Brasil. É normal que juízes de tribunais superiores tenham esse tipo de exposição? É um traço saudável da nossa democracia?

Essas perguntas precisam ser colocadas no contexto global. É esperado e desejável que haja alguma atenção pública sobre quem exerça os poderes do Supremo. Se você abrir as páginas dos principais jornais em um dia aleatório no Brasil, é praticamente certo que encontrará alguma matéria sobre o tribunal ou seus ministros.

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Podemos ver o motivo: um tribunal poderoso, independente e relevante para a política nacional será manchete, e merece ser manchete, quer queiram quer não seus integrantes. Esse padrão vai se repetir em qualquer país democrático em que haja instituições judiciais poderosas.

Em uma democracia, o exercício do poder costuma e deve ser público. Seria ruim existirem instituições não eleitas que rotineiramente decidem questões importantes, mas não recebem atenção da imprensa nem atraem críticas e discussão pública. Quem tem poder relevante deve estar exposto e suas decisões devem ser objeto de escrutínio diário, na medida do impacto que exercem na vida das pessoas.

É assim na Argentina, é assim na Alemanha, nos EUA, na África do Sul e na Colômbia, entre outros. E, em todos esses países, com exceção dos EUA, o cenário era diferente havia algumas décadas — juízes constitucionais eram funcionários públicos anônimos, mas em boa medida porque tinham pouca relevância no cenário político nacional.

Contudo, o quadro mudou. Hoje, seria injustificado se não pudéssemos saber quem são as pessoas que tomam decisões nos tribunais de cúpula nesses países, ou se a imprensa tratasse tais atos de poder como se não fossem produtos de ação, deliberação e escolhas humanas. Tribunais constitucionais não são oráculos, mas instituições estatais com pessoas de carne e osso que exercem grande poder sobre nós.

Nas democracias em que o Judiciário tem pouca relevância na atividade política, como na Holanda ou na Nova Zelândia, a imprensa e o debate público raramente tratam das atividades das cortes superiores. Alguns críticos afirmam que a centralidade de juízes na pauta política e no debate público é um sinal ruim para a democracia.

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Essa observação, porém, se refere a um possível poder excessivo dos tribunais em um regime democrático — não à atenção que a opinião pública dá a essas instituições. Tomando o poder dos tribunais como um fato, mesmo se o considerarmos excessivo, parece difícil negar que o exercício desse grande poder deve merecer nossa atenção e avaliação constante.

Tribunais precisam se comunicar com a sociedade, para além de suas decisões. Fazem isso com o conteúdo dos documentos produzidos por seus integrantes quando exercem a função judicial — “votos” e “decisões”, no caso do STF.

Em uma democracia de massa, porém, isso é pouco. Nem todo mundo tem o treinamento necessário para entender, a partir dos textos de suas decisões, o que se passa dentro do tribunal; elas são escritas em linguagem técnica e isso é, em alguma medida, esperado de uma instituição que precisa discutir e aplicar o Direito.

Contudo, as audiências de um tribunal como o Supremo transcendem a comunidade jurídica, e o tribunal às vezes precisa falar sobre questões que vão além de suas decisões. Precisa prestar contas do seu funcionamento para todos os afetados por suas decisões, inclusive para os políticos.

Conflitos institucionais também ocorrem no palco da opinião pública, e tribunais que só se comunicam com o público por meio de decisões oficiais deixam um vácuo potencialmente perigoso. Um tribunal que não procura anunciar e explicar suas decisões nos seus próprios termos, e em tempo hábil, está perdendo uma oportunidade de participar do debate público sobre o significado de sua atuação.

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No governo Bolsonaro, por exemplo, o STF passou a publicar “checagens dos fatos” das afirmações do presidente sobre as decisões do tribunal. O setor de comunicação do tribunal contestou os fatos alegados em diversas assertivas presidenciais sobre as decisões do STF relativas à pandemia (Bolsonaro afirmava que o tribunal havia decidido que apenas governadores e prefeitos tinham responsabilidade de combater a pandemia, o que é falso).

Talvez o uso desse mecanismo de checagem se torne menos necessário durante governos que não tenham a desinformação como componente central de sua estratégia e identidade. No entanto, é difícil imaginar o tribunal abandonando esse tipo de ferramenta de comunicação em uma democracia de massa às voltas com as transformações potencializadas por redes sociais.

Da mesma forma, é impossível imaginar que as pessoas vão parar de consumir, produzir e circular memes, vídeos, notícias e até desinformação que envolvam o Supremo e seus juízes.

Portanto, é compreensível que o STF procure produzir informação sobre o seu funcionamento para além das falas institucionais de seus ministros. A TV Justiça, um canal oficial criado em 2002, cumpre papel importante nesse sentido.

Embora mais conhecida pelas imagens das deliberações ao vivo no plenário, o canal tem uma programação variada voltada para informar a sociedade sobre temas ligados ao sistema de justiça. É parte de um ecossistema maior de comunicação do tribunal com a sociedade.

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Em 2005, o STF criou um canal no YouTube em que as sessões também passaram a ser disponibilizadas para acesso livre — a primeira iniciativa do gênero por um tribunal latino-americano. Até novembro de 2015, o canal do STF no YouTube teve cerca de 8 mil visitas por dia; em 2009, já era acessado diariamente por 15 mil pessoas, em média; até março de 2021, já tinha obtido 41 milhões de acessos e 363 mil seguidores.

Vale notar que a disponibilização dessas imagens abriu espaço para que diversos atores sociais as utilizassem para a construção de outros materiais — jornalísticos, técnicos, didáticos e até humorísticos — sem qualquer controle ou edição por parte dos próprios ministros. Muitos dos memes que hoje circulam criticando ou celebrando ministros são construídos com imagens disponibilizadas pelo tribunal. São também resultado desse incomum grau de abertura pública do nosso Supremo.

O problema do Supremo não é estar estar exposto, e sim as formas de exposição

O problema não é que o tribunal se comunique com a sociedade e ocupe espaço na pauta nacional, mas, sim, como essas coisas ocorrem. Vamos considerar o caso da Suprema Corte dos EUA. É difícil imaginar um tribunal mais politicamente relevante e mais minuciosamente discutido pelo público e pela imprensa.

Se hoje estamos nos habituando às “dores de crescimento” de uma democracia em que o controle judicial de constitucionalidade é cada vez mais importante, os EUA vivem ininterruptamente essa experiência desde o século XIX. Casos importantes recebem extensa cobertura jornalística, não apenas dos veículos de alcance nacional, mas também em jornais locais.

Não é surpresa, nesse cenário, que os rostos e os nomes de alguns juízes da Suprema Corte sejam conhecidos do público. Muitos aparecem como palestrantes em eventos acadêmicos ou formaturas de faculdades de Direito e junto a organizações da sociedade civil.

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Mais ainda, alguns de seus integrantes chegam a se tornar de fato celebridades pop. A progressista Ruth Bader Ginsburg (“RBG”, para milhões de fãs) e o conservador Antonin Scalia inspiraram uma ópera-cômica que tematizava a relação pessoal e profissional de ambos.

Os dois juízes — opostos na orientação política e jurisprudencial, mas de longa convivência e enorme presença no imaginário popular — até escreveram textos para o libreto da peça.

Scalia, falecido em 2016, era a principal voz do movimento jurídico conservador nos EUA. Palestrava com frequência e, ocasionalmente, dava entrevistas a redes de televisão sobre suas ideias.Por ocasião do lançamento de seu livro, em 2012, deu entrevistas para grandes canais como CBS e C-SPAN — vídeos que hoje estão disponíveis no YouTube com milhares de visualizações.

Ginsburg, falecida em 2020, era um ícone da luta por igualdade de gênero e pelos direitos civis. Ganhou fama de durona e o apelido de “Notorious RBG” em paródia a um rapper famoso dos anos 1990, sendo o motivo de inúmeros memes e referências em programas de humor.

Um filme sobre a vida e a carreira dessa juíza (‘Suprema’, 2018) alcançou um público relevante em todo o mundo, faturando quase US$ 40 milhões. Há um vídeo no YouTube em que Ginsburg, aos 85 anos, aparece de camiseta no programa do humorista Steven Colbert, fazendo exercícios com o apresentador ao som de música clássica (vale assistir: procure por “Steven Colbert Works Out with Ruth Bader Ginsburg”).

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Embora os casos de Ginsburg e Scalia possam parecer familiares para leitores e leitoras brasileiras, em comparação ao nosso Supremo, há nuances a serem consideradas.

Em primeiro lugar, os dois casos acima são excepcionais no grau e tipo de exposição pública. Pontos fora de uma curva que é marcadamente mais discreta, tanto no nível da instituição quanto no de seus componentes individuais.

A curva parece estar mudando nos últimos anos no sentido de mais exposição; por exemplo, a juíza Sonia Sotomayor também saiu em turnê para divulgar sua autobiografia, e chegou a aparecer em um episódio de Vila Sésamo tomando chá e arbitrando uma disputa entre os bonecos Bebê Urso e Cachinhos de Ouro.

Contudo, a discrição ainda é a regra geral, no nível individual e no institucional. A Suprema Corte dos EUA não tem uma conta no Twitter (considerem que até mesmo a CIA — A Agência Central de Inteligência dos EUA — está presente na rede social, com uma conta oficial e verificada).

Nosso Supremo tem conta oficial até mesmo na recém-chegada rede TikTok, com quase 80 mil seguidores. Nos EUA, nenhum dos ministros atuais tem uma conta pública no Instagram ou no Twitter (Ginsburg ou Scalia tampouco tinham contas públicas no Twitter).

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Em 2016, durante a corrida eleitoral para a Presidência, Ginsburg afirmou em entrevistas ser “incapaz de imaginar o que seria do país com Trump como nosso presidente”, e que seu falecido marido teria proposto que se mudassem para a Nova Zelândia.

Entre outras críticas, manifestou indignação com a possibilidade de Trump não ser responsabilizado por se recusar a tornar pública sua declaração de imposto de renda. Foi a primeira vez na história que uma voz da Suprema Corte criticou na imprensa um candidato à Presidência.

Dois dos maiores jornais do país, o Washington Post e o New York Times, criticaram as manifestações de Ginsburg. Em resposta, a corte publicou nota oficial, em nome da própria Ginsburg, com um pedido de desculpas.

Na nota, afirmando ter se arrependido pelos comentários inadequados, a juíza conclui: “Juízes deveriam evitar comentar sobre candidatos a cargos públicos. No futuro, serei mais circunspecta.”

O episódio e a reação pública e da própria juíza só confirmam que há uma linha clara que os juízes da Suprema Corte não devem cruzar quando falam sobre a conjuntura — Ginsburg confirmou a existência dessa linha ao reconhecer tê-la cruzado.

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“Circunspecção” pode parecer incompatível com a conduta de uma juíza que, aos 85 anos, apareceu fazendo flexões em um programa humorístico. No caso, porém, o problema não estava na exposição em si da juíza, mas no conteúdo (uma crítica política a um candidato) e no contexto de sua fala (a disputa eleitoral pela Presidência).

De fato, há maneiras e maneiras de um tribunal se comunicar. O problema do nosso Supremo não é estar exposto. O problema é que o tribunal e seus integrantes parecem adotar algumas das piores formas possíveis de exposição.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]