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Durante um debate na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), no dia 9 de agosto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência da República pelo PT, acusou o ex-chefe da força-tarefa Lava Jato Deltan Dallagnol de destruir a petroquímica Braskem, do grupo Odebrecht. “Eu sonhava que o Brasil tivesse a terceira maior indústria petroquímica do mundo e queria que a Braskem fosse essa grande empresa. Apareceu a Lava Jato para destruir a Braskem. Em nome de quem? De um fedelho chamado Dallagnol, que encheu a cabeça de vocês de mentira, que conseguiu criar um mundo de mentiras”, declarou Lula.
Investigada pela operação Lava Jato, em maio de 2019, a Braskem assinou um acordo de leniência com a Advocacia-Geral da União (AGU) e com a Controladoria-Geral da União (CGU), comprometendo-se a devolver R$ 2,87 bilhões ao governo federal. “Os valores a serem ressarcidos pela empresa envolvem os pagamentos de dano, enriquecimento ilícito e multa no âmbito de contratos fraudulentos envolvendo recursos públicos federais e de edição de atos normativos produzidos a partir de pagamentos de vantagens indevidas”, de acordo com a AGU.
Na ocasião, a Braskem já havia depositado R$ 1,33 bilhão, referente a um acordo fechado em 2016 com o Ministério Público Federal, que incluía autoridades suíças e americanas, no valor total de R$ 3,1 bilhões – sendo R$ 2,2 bilhões destinados ao Brasil. O novo compromisso firmado em 2019 pelos dois órgãos de controle englobou o primeiro na parte relacionada aos pagamentos devidos aos cofres brasileiros. Ou seja, a empresa ainda precisaria pagar R$ 1,54 bilhão (corrigido pela taxa Selic) ao país, em seis parcelas anuais, entre 2020 e 2025. Do total a ser devolvido pela Brasken, R$ 2 bilhões serão destinados à União e cerca de R$ 800 milhões, à Petrobras.
Considerada a “joia da coroa” do grupo Odebrecht (atual Novonor) e responsável por metade de seu faturamento na época das investigações, a indústria petroquímica Braskem foi diretamente beneficiada por ações dos governos de Lula, segundo delações premiadas de dois ex-presidentes da empresa, Emílio Odebrecht e Pedro Novis, e do ex-executivo Alexandrino de Alencar, no âmbito da Lava Jato.
“Dizer que a Lava Jato destruiu uma empresa é colocar a culpa no policial que encontra o corpo da vítima e não no bandido que a matou. A culpa da destruição das empresas cai sobre as costas dos políticos e dos partidos que lideraram o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. O que a Lava Jato fez foi descobrir, comprovar e punir os criminosos que usam roupas de políticos e se associaram a criminosos que se vestem de empresários, que se ocuparam de um empreendimento que não era do interesse da sociedade e, sim, do seu próprio bolso e da perpetuação de seu poder”, defende Deltan Dallagnol.
Segundo o ex-chefe da força-tarefa Lava Jato, além de o acordo com Odebrecht e Braskem “envolver uma das maiores devoluções de recursos da história, não do Brasil, mas do mundo”, as delações de “apenas uma dessas empresas implicaram 415 políticos de 26 diferentes partidos”. “O acordo revelou provas de corrupção de autoridades em 12 diferentes países e a lavagem de dinheiro em outros dez países, colocando o Brasil na liderança da corrupção mundial, algo que deve ser motivo de vergonha, não de orgulho”, afirma Dallagnol. “O que estão fazendo é como aquele marido que assedia a esposa moralmente e ainda coloca a culpa nela. Estão duplamente querendo vitimizar a sociedade brasileira. Eles a violam quando roubam e querem dizer que a culpa da situação é da sociedade, um absurdo”, completa.
A Gazeta do Povo procurou a Braskem, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. Na época do acordo de leniência com o MPF, a empresa declarou que “reconhece a sua responsabilidade pelos atos de seus ex-integrantes e agentes e lamenta quaisquer condutas passadas” e garantiu estar “implementando diversas iniciativas para evitar que as ações passadas voltem a ocorrer no futuro”. A Braskem também concordou em se submeter a um monitoramento de conformidade externo e independente, por um período de até três anos (o que foi cumprido), com o compromisso de aprimorar seu programa de conformidade e combate à corrupção e de “aprofundar as amplas medidas de remediação já adotadas”.
"Superamos essa fase e agora vamos concentrar nosso foco no futuro. Estamos implementando práticas, políticas e processos mais robustos em toda a nossa companhia, a fim de aperfeiçoar o nosso sistema de governança e conformidade. A Braskem possui sólidas condições financeiras e seguirá com sua estratégia de crescimento e internacionalização, por meio de práticas empresariais pautadas pela ética", disse Fernando Musa, presidente da Braskem em dezembro de 2016.
Como está a Braskem hoje
Com 20 anos de existência, a Braskem se define em seu site como “a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos”. Em balanço publicado na semana passada, a empresa afirma que fechou o trimestre com prejuízo líquido de R$ 1,4 bilhão (em decorrência do impacto da variação cambial e do aumento nas provisões para arcar com indenizações de moradores da capital alagoana, cujos bairros sofreram afundamento em decorrência da atividade mineradora, segundo o Serviço Geológico do Brasil). No acumulado do ano, a Companhia registrou lucro líquido de R$ 2,5 bilhões.
Segundo a nota, a posição de caixa da Braskem “garante a cobertura dos vencimentos de dívida nos próximos 66 meses, mesmo não considerando a linha de crédito rotativa internacional disponível no valor de US$ 1 bilhão, com vencimento até 2026. A receita líquida do trimestre foi de R$ 25,4 bilhões”.
Embora Lula tenha acusado a Lava Jato de destruir a Braskem, a Procuradoria da República ressaltou na época da leniência que “os acordos permitem a preservação das empresas e a continuidade de suas atividades, inclusive para gerar valores necessários à reparação dos ilícitos. Além disso, os acordos estabelecem mecanismos destinados a assegurar a adequação e a efetividade das práticas de integridade das empresas, prevenindo a ocorrência de novos ilícitos e privilegiando em grau máximo a ética e a transparência na condução de seus negócios”.
Recorde o caso
Em novembro de 2016, Emílio Odebrecht afirmou em sua delação que “pagamentos para campanhas eleitorais (...) contribuíram (...) nas decisões que tanto o presidente Lula quanto outros integrantes do quadro do PT tomaram durante a gestão, que foram coincidentes com os nossos interesses e fundamentais para o crescimento e consolidação da Braskem”.
Nascida em 2002, da fusão de Copene, OPP, Trikem, Proppet, Nitrocarbono e Polialden, a empresa começou a se delinear dez anos antes, quando os grupos Odebrecht e Mariani arremataram pelo valor mínimo do leilão as ações que o Econômico Empreendimentos, braço do banco baiano, detinha na Copene (Companhia Petroquímica do Nordeste).
As “enormes resistências da Petrobras” à privatização do setor petroquímico, como ressaltou Alexandrino Alencar, no documento da delação premiada, levou executivos da Odebrecht a procurar Lula, favorito à sucessão de Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 2002. A tratativa, segundo revelaram as investigações da Lava Jato, era apoiar a campanha do presidenciável, “entendendo que [Lula] teria posicionamento mais aberto para a [privatização da] petroquímica”, segundo o delator Pedro Novis. “[Uma vez no governo, o então ministro da Fazenda, Antônio] Palocci reconhecia a empresa como uma das grandes doadoras e apoiadoras do PT e dos mandatos do presidente Lula, o que nos assegurou durante todos esses anos um tratamento diferenciado e preferencial”, revelou.
As delações premiadas de executivos da Odebrecht narram algumas situações em que Lula teria colocado os interesses da Braskem à frente dos da Petrobras. “Evidentemente levando em consideração nossa posição de financiador da campanha, foi decidido pelo presidente Lula que doravante os assuntos relativos ao setor petroquímico seriam assuntos de governo, e não interna corporis (da Petrobras). Teriam que ser previamente aprovados por Dilma, e qualquer decisão estratégica seria precedida de diálogo prévio com a Braskem”, narrou Novis.
“Os significativos pagamentos realizados a pretexto de contribuição de campanha às duas candidaturas de Lula (em 2002 e 2006) foram fundamentais para que as tentativas da Petrobras de frear o crescimento da Braskem não prosperassem, e para que a Braskem conseguisse consolidar o setor petroquímico brasileiro, permitindo que a empresa viesse a se tornar uma petroquímica com capacidade para competir em qualquer mercado do mundo”, completou o delator.
De acordo com a delação de Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo, em 2009, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, teria lhe pedido R$ 50 milhões como contribuição à campanha presidencial de Dilma Rousseff, em contrapartida à criação do chamado Refis da Crise. A MP 470 permitia o parcelamento da dívida tributária da Braskem, que chegaria a R$ 4 bilhões na época. Em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha da petista em 2014, Mantega classificou como “mentirosas” e “uma peça de ficção” as declarações de Odebrecht.
Em outubro do ano passado, o ex-presidente da Braskem José Carlos Grubisich foi condenado pelo Tribunal Federal do Brooklyn a 20 meses de prisão nos Estados Unidos pela participação em um esquema de suborno envolvendo funcionários da Petrobras, investigado pela da Lava Jato. Além da prisão, o executivo terá que pagar uma multa no valor de US$ 1 milhão e teve US$ 2,2 milhões em bens confiscados pela justiça americana. Meses antes, Grubisich se declarou culpado à justiça americana, admitindo o desvio de U$ 250 milhões da empresa, para o pagamento de propinas a funcionários públicos e partidos políticos do Brasil de modo a “garantir” os interesses da companhia.