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Kremlin na Mídia

De Brasil 247 a UOL: até onde vai a influência russa na imprensa brasileira

Vladimir Putin
Vladimir Putin, mandatário da Rússia, em aparição para o Dia das Mulheres. Think tank americano acusa o Kremlin de fazer propaganda no Brasil. (Foto: EFE/EPA/MKHAIL METZEL/SPUTNIK/KREMLIN)

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O site petista Brasil 247 é a principal fonte de propaganda russa no Brasil e o portal UOL é o veículo de comunicação mais interessado em ouvir o embaixador russo. As conclusões, apresentadas em um relatório publicado na semana passada (29), são do Laboratório de Pesquisa Forense Digital (DFRLab, na sigla em inglês), afiliado ao Atlantic Council, um think tank de relações internacionais fundado em 1961 com sede em Washington, capital dos EUA.

O documento trata de toda a América Latina e é parte de um relatório maior intitulado “Enfraquecendo a Ucrânia: como a Rússia ampliou sua guerra informacional global em 2023”. As fontes diretas de propaganda na região, contudo, são a RT (Russia Today) e o site Sputnik, que pertencem ao governo russo. O uso de veículos de comunicação regionais são para dar uma legitimidade local. Além disso, diz o relatório, “o Kremlin se beneficia de jornalistas e influenciadores que, embora não sejam afiliados oficialmente à imprensa russa, servem como disseminadores de propaganda pró-Rússia”.

A guerra na Ucrânia, desde a invasão de Vladimir Putin em 2022, foi o tema dominante no Brasil em declarações e artigos de opinião dos russos. Por 176 vezes, a narrativa do mandatário de que estava fazendo uma “desnazificação” no país menor foi repetida na imprensa brasileira por representantes do governo russo durante o ano de 2023. Comparativamente, outros assuntos foram cobertos apenas em 70 declarações. Entre os nove países sul-americanos de língua espanhola considerados, o assunto dominou também no Chile e na Argentina — na última, a desculpa da desnazificação e a caracterização da Ucrânia como “Estado nazista” foi repetida em 17 de 66 declarações. A Guerra das Malvinas também foi usada como propaganda antiocidental, bem como o fornecimento de vacina Sputnik V contra a Covid-19 para os argentinos.

Na ditadura bolivariana da Venezuela, os russos preferiram falar de “mundo multipolar” e do bloco BRICS. Como em Cuba, na ditadura sandinista da Nicarágua seu tema favorito foi a ajuda dada pela Rússia ao ditador, além de “imperialismo americano” e sanções. Na Bolívia, o assunto principal foi o lítio. No México, o Kremlin insistiu principalmente em acusar os Estados Unidos de ameaçar a paz mundial e a OTAN de incentivar a agressão ucraniana. Na Colômbia, o foco foi a neutralidade do governo e reclamações sobre viés político na imprensa.

Detalhando a estratégia de propaganda russa na América Latina

Nos dez primeiros meses de 2023, o embaixador russo no Brasil, Alexey Labetskiy, recebeu menções em 176 peças jornalísticas e artigos. O DFRLab menciona uma entrevista no jornal O Globo, em setembro daquele ano, quando o embaixador acusou a Ucrânia de neonazismo e defendeu que o Brasil ocupasse uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Estratégia similar foi usada por Sergei Koshkin, embaixador russo no Chile, que teve muito espaço no site de esquerda Crónica Digital para dizer que a imprensa internacional publica “fake news” sobre a guerra e acusar a Ucrânia de ser autora de crimes de guerra em Mariupol e Bucha. Em abril de 2022, centenas de civis foram vítimas de execução sumária em Bucha, que fica a 37 km de Kiev. Na época, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, relatou que os corpos foram encontrados após a retirada das tropas russas e “tinham as mãos amarradas às costas”.

O prefeito de Bucha, Anatoly Fedoruk, disse que as ruas estavam repletas de cadáveres, incluindo “crianças, mulheres, avós, homens”. A Rússia negou a autoria do massacre, alegou que as fotos e vídeos publicadas por Kiev eram uma “provocação”, e jornalistas que denunciaram a atrocidade, como a escritora russo-americana Maria Alexandrovna Gessen, receberam mandados de prisão no país. Líderes ocidentais culparam Moscou.

O diário mexicano de esquerda La Jornada também serve de espaço para a versão russa da guerra na Ucrânia, que o Kremlin prefere chamar de “operação militar especial” para supostamente proteger de extermínio a população falante do idioma russo em regiões como o Donbass e extirpar o nazismo do país invadido. O embaixador russo Nikolay Sofinskiy insiste que seu país estava “reagindo à imposição de uma colônia controlada por Washington”.

Um dos poucos embaixadores russos satisfeitos foi Nikolay Tavdumadze, na Colômbia, que foi só elogios à posição “equilibrada” do presidente Gustavo Petro, que se recusou a doar equipamento militar para a Ucrânia. No entanto, Tavdumadze ainda reclama de viés político contra seu país na imprensa, enquanto teve espaço para publicar opinião no maior jornal do país, El Tiempo.

No Equador, o embaixador Vladimir Sprinchan foi um pouco mais discreto, mas fez questão de declarar que a posição do ex-presidente Guillermo Lasso, de condenar a Rússia pela invasão, prejudicou o agronegócio no país.

Sputnik Brasil tem site registrado em nome de terceiro

O principal instrumento de propaganda russa no Brasil, segundo o DFRLab, foi o site Sputnik Brasil. Após ter fechado seu escritório no país em março de 2023, com demissão de 20 jornalistas — provável resultado de sanções no uso do sistema SWIFT para pagamentos — e ter sido alvo de supostos ataques cibernéticos, o veículo mudou de endereço, passando para um domínio de propriedade da empresa “Boreal Comunicação Ltda.”, com sede no Rio de Janeiro.

A empresa registrou junto à Receita Federal como principal atividade econômica a “consultoria em publicidade”, em vez de comunicação ou jornalismo. O responsável é Yuri Alexandre Ribeiro, que já foi sócio de um restaurante e curiosamente também tem uma empresa de pesca marítima chamada “Boreal Pescados Ltda.” A Gazeta do Povo conversou com Ribeiro e ele explicou que não produz o conteúdo do Sputnik Brasil, apenas dá suporte administrativo. Ele relatou que fala russo porque seus pais, brasileiros, foram perseguidos políticos da Ditadura Militar e o levaram para a Rússia, onde ele aprendeu o idioma na infância. Quando foi contatado para abrir o site, “nem sabia de quem se tratava”. Ele também presta serviço para ucranianos e cazaquistaneses. Os russos também utilizam sua empresa de pesca, “estão pleiteando uma licença para pescar usando uma tecnologia diferente” nos mares brasileiros. “Não sou pescador nem capitão de navio”, explica Yuri.

A reportagem falou com Andrey Ulinkin, diretor da filial do Sputnik Brasil. Ele disse que não cabe a ele responder por que motivo o novo domínio do site foi registrado em nome da Boreal Comunicação.

Segundo o Atlantic Council, a filial brasileira do veículo de comunicação estatal russo dá foco principal a exaltar as capacidades militares do país oriental e retratar as forças ucranianas como incompetentes para combate. Setenta e oito artigos foram dedicados à possibilidade de a Ucrânia perder financiamento americano e da União Europeia para o conflito.

O texto que mais repercutiu em 2023 destacava a indecisão do Ocidente em apoiar o país invadido, além do problema interno de corrupção sob o governo de Volodymyr Zelensky. O título era “‘Jovens estão servindo de carne de canhão’: especialista vê corrosão do apoio ocidental à Ucrânia”. O termo “bucha de canhão” também foi usado por um ex-membro do Grupo Wagner, milícia usada por Putin na guerra, a respeito de como se sentiu tratado com seus colegas pelo governo russo. O grupo, cujo nome vem diretamente da ideologia neonazista de ao menos um de seus fundadores (Wagner era o compositor favorito de Hitler), recrutou presidiários russos para lutar no front, com muitas baixas. O líder da milícia, Yevgeny Prigozhin, terminou morto em uma queda de avião em agosto de 2023, meses após denunciar membros do Kremlin e avançar com tanques em direção a Moscou.

Veículos brasileiros replicam conteúdo de imprensa estatal russa

O Sputnik Brasil não age sozinho na propaganda russa, denuncia o think tank americano. Seu principal parceiro é o site petista Brasil 247, que reposta seus artigos e é o ator local mais ávido por colher declarações do Kremlin. O DFRLab estima a audiência do site em 9,7 milhões de visitantes mensais. Sozinho, o Brasil 247 fez no ano passado mais de 43% da reprodução de conteúdo do Sputnik. Em escala menor, também cita como reprodutores de conteúdo oficial russo MSN Brasil, O Cafézinho, ISTOÉ, Brasil de Fato, Correio Braziliense, BOL Notícias (do UOL), CNN Brasil, G1 e Folha de S. Paulo.

Além de jornalistas alinhados com o Partido dos Trabalhadores no Brasil, o Kremlin também conta com a simpatia, na Espanha, do Canal Red e do site Diario Red, ambos de um conglomerado fundado por Pablo Iglesias, ex-vice-presidente do país e ex-líder do partido de esquerda Podemos. O conglomerado também tem conexão com o magnata da televisão Jaume Roures, que apoia a esquerda na Espanha e a ditadura comunista de Cuba. O conteúdo em língua espanhola é exportado para a América Latina.

O outro lado

A Gazeta do Povo procurou todos os veículos de comunicação em operação no Brasil citados pelo relatório. O site O Cafézinho indicou um editorial próprio de resposta ao think tank no qual o acusa de “abordagem desonesta” que “tenta criminalizar o livre exercício de opinião do jornalismo”. O site também disse que “apesar da nossa linha editorial ser claramente progressista, não podemos deixar que nossos leitores fiquem presos em bolhas de narrativas”.

O site Investing.com disse que divulga “sem juízo de valor os dois lados de qualquer fato” e esclareceu que as menções a “Sputnik” e “Ucrânia” vêm na maior parte de “legendas de imagens ou menções no texto de conteúdo republicado de uma agência internacional parceira”.

Os outros veículos não responderam a tempo do fechamento da reportagem, mas terão suas declarações adicionadas posteriormente, caso respondam.

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