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De ícone do espiritismo às denúncias de abuso sexual: a trajetória do João de Deus

Procurado por pessoas com diagnóstico de câncer terminal, médium superou um tumor no estômago com um tratamento médico tradicional | PEDRO LADEIRA/AFP
Procurado por pessoas com diagnóstico de câncer terminal, médium superou um tumor no estômago com um tratamento médico tradicional (Foto: PEDRO LADEIRA/AFP)

A pequena Abadiânia, em Goiás, já recebeu ex-presidentes da República brasileiros e estrangeiros - Luiz Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez e Bill Clinton - e virou cenário para programa em horário nobre da TV americana. O foco é a Casa Dom Inácio de Loyola, autodenominada “hospital espiritual”. Ou melhor, a casa de João Teixeira de Faria, ou “John of God”, desde 1976. 

Como relata a professora de História da Universidade de São Paulo (USP) Maria Helena Machado, na biografia mais conhecida de João de Deus, ele integra uma linha de médiuns que a partir dos anos 1950 aliaram as tradicionais recomendações de ervas a cirurgias espirituais. O mais notável seria José Arigó, mineiro que ficou conhecido por incorporar o Dr. Fritz e curar doentes nos anos 1950 e 1960. 

Mas ele teve a fama superada por Faria, que levou as cirurgias com instrumentos domésticos, como facas e tesouras, e cortes e incisões sem anestesia para TVs do mundo todo. Segundo João de Deus, os procedimentos são realizados por entidades, sendo a mais conhecida Dom Inácio de Loyola, santo católico do século 16. 

João de Deus - que agora enfrenta dezenas de denúncias de abuso sexual - ganhou fama mundial em 29 de março de 2012, quando a rede de televisão Own, inaugurada um ano antes por Oprah Winfrey, levou ao ar o programa “Next Chapter”. Ali, em um segmento chamado “Do You Believe in Miracles?” (Você acredita em milagres?), Oprah acompanha uma das cirurgias. Mas se sente mal e é obrigada a parar a gravação.

Depois, disse ter tido uma revelação. “Surgiram lágrimas de gratidão. Gratidão pela jornada de toda minha vida e não apenas pelo que havia dado certo, mas também pelo que não tinha.”

Trajetória

O médium nasceu em Cachoeira de Goiás, a cerca de 170 quilômetros de Goiânia, sendo o mais novo de seis filhos. Ele abandonou os estudos no segundo ano do ensino fundamental, passando a trabalhar como alfaiate e, depois, pedreiro e garimpeiro. Por isso, não sabe nem ler nem escrever. “Passei fome e trabalhei muito para ter o que tenho”, disse o médium.

Inicialmente de formação católica, começou seus trabalhos mediúnicos no fim da adolescência. Na sequência passou a peregrinar pelo País, fazendo atendimentos, até aportar em Abadiânia - onde hoje nenhum serviço comercial abre na via principal sem receber “aval” da entidade que ele recebe.

Apesar de destacar que são os espíritos que operam os milagres que realiza, sua biografia na Casa Dom Inácio foca o João Teixeira de Faria. “João de Deus é um homem nascido em família simples, que tem problemas como qualquer homem comum. Tem defeitos, limitações e é capaz de errar e sofrer como qualquer outro ser humano. Segundo o médium, se fosse perfeito, não estaria nessa missão na Terra”, diz a biografia.

A polêmica também já é uma marca de sua biografia. Não é de agora que seus atendimentos, sobretudo individuais, são criticados por entidades espíritas. Em 1993, graves acusações de exercício ilegal da Medicina tomaram forma.

Biógrafos e amigos contam que foi quando ele recebeu apoio de um dos mais famosos ícones do espiritismo brasileiro, Chico Xavier. “Prezado João, caro amigo, Abadiânia é o abençoado recinto de sua iluminada missão e de sua paz”, dizia, enviando ainda uma foto em que aparecem os dois juntos, mais jovens.

Chico, aliás, está entre as imagens distribuídas pelas paredes da casa de Dom Inácio. Que destacam Jesus Cristo, santos e, é claro, João de Deus. Ali se reúne a corrente, o grupo de orantes que move os atendimentos semanais.

Indagado sobre o motivo de algumas pessoas ali obterem curas e outras não, João de Deus limita-se a dizer que “isso depende da fé daquele indivíduo em Deus”, que seria o real responsável.

Procurado todas as semanas por pessoas com diagnóstico de câncer terminal - muitas que relatam melhoras em Abadiânia, após serem desenganadas pelos médicos -, ele superou um tumor no estômago com um tratamento médico tradicional em São Paulo.

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