O caso de plágio do ex-futuro Ministro da Educação pode dar ao público uma impressão falsa da academia brasileira. Como este governo computa muitas trapalhadas, e como gente mais ladina enumera um rol obscurantista apontado pela direita xucra para ocupar ministérios, fica parecendo que Decotelli é caso isolado, um mau pinçado entre os bons por um governo inepto. Na verdade, a academia brasileira é tão tolerante com o plágio quanto possível.
Seria cansativo arrolar os currículos inflados e os falsos egressos de Harvard na vida pública brasileira – daria um livro do tamanho do Aurélio. Façamos um exercício mais simples e mais significativo, que é olhar para quem se apresenta e é reconhecido como grande figura pública da academia brasileira. Marilena Chaui cumpre esses requisitos, pois é professora aposentada da universidade mais prestigiada do Brasil (a USP), do departamento de um curso que unifica as áreas do conhecimento e das artes (a filosofia); e, em particular, ainda há o fato de o seu departamento ter estruturado departamentos de filosofia de todo o Brasil.
Diferentemente de outros colegas, Marilena Chaui não é desconhecida dos leitores de jornal, pois há décadas se coloca como uma filósofa na esfera pública. E foi décadas atrás – em julho de 1981 – que José Guilherme Merquior a acusou de plágio em pleno Jornal do Brasil, então um dos mais lidos no país. Em dezembro do mesmo ano, ele repetiu a acusação à Veja, dizendo que ela “psicografou trechos inteiros” do filósofo Claude Lefort, mas que ainda assim saíram colegas em defesa dela.
O caso Chaui
Duas décadas e meia depois, um desses colegas, Roberto Romano da Unicamp, viria a se arrepender publicamente do que fizera, e rememora o caso assim: “Certo dia, ao ler o jornal, vejo um texto de José Guilherme Merquior acusando um plágio da professora. Movido pela piedade e diante dos lamentos dramáticos por ela encenados, tentei defendê-la. Como não pertencia ao PT, sugeri que os ‘companheiros’ deveriam vir a público. Todos, menos um, declaravam-se ‘indignados’ com Merquior. Logo, afirmavam, escreveriam algo contra ele. Nada aparecia. Vários dentre eles mantinham colunas em revistas do País. O ‘menos um’ indicado, importantíssimo no Panteão da esquerda, disse clara e distintamente: ‘Ela colou’. Com o silêncio dos intelectuais petistas, em companhia de uma docente da USP escrevi na Folha em defesa de Chaui. Levei merecidas pauladas de Merquior. Numa polêmica é preciso sair ou solicitar desculpas pelo começo. Marilena Chaui exigia que não respondêssemos ao crítico enquanto o objeto do plágio, Claude Lefort, não o desmentisse. Depois de muita espera escrevemos comunicando que não diríamos mais nada sobre o caso. A acusada se lixou para o que ocorreu conosco, uma vez ‘absolvida’ por Lefort.”
É curioso o expediente adotado pelos professores; afinal, se é plágio, não adianta o plagiado se manifestar depois. Plágio é algo muito fácil de ser verificado, comparando o original e a suposta cópia. O que o relato do Prof. Romano revela é apenas a movimentação política de uma corporação -- movimentação completamente desvinculada da busca pela verdade. O que quer dizer, por fim, que todos estavam dispostos a continuar mantendo a respeitabilidade de Marilena Chaui, fosse plagiária ou não. Em 1981, Decotelli teria acabado de cursar as disciplinas da sua graduação na UERJ.
Mas recuemos mais no tempo, e subamos mais alto na intelectualidade. Marilena Chaui é uma disparadora de frases bombásticas e uma animadora de multidões. (Pessoalmente, nunca vou me esquecer da ocasião em que uma horda bárbara destruiu o portão do principal teatro baiano e feriu seguranças para ver uma palestra dela na comemoração dos 70 anos da UFBa. Quantas coisas não têm que estar erradas para que estudantes se portem assim?)
Chaui não tem nenhum livro de política brasileira que seja considerado um clássico do pensamento nacional. Seu livro mais famoso, A nervura do real, é um comentário de Espinosa; não uma obra com pensamento autônomo e original. Se quisermos um acadêmico brasileiro que tenha alcançado o status de pensador perante os seus pares em virtude de sua obra, Caio Prado Jr. cumpre os requisitos.
Caio Prado Jr.
Ele foi uma espécie de papa da intelectualidade marxista brasileira nos anos 70, quando o nome “marxismo” ainda tinha, no senso comum, alguma coisa a ver com o estudo da história econômica do país onde o socialismo seria implementado. Meses atrás, Jorge Caldeira, doutor em Ciência Política pela USP, escreveu as seguintes palavras na Folha de S. Paulo: “O argumento [de C. Prado] sobre o sentido da colonização é um plágio monumental (dez parágrafos que ocupam 12 páginas postos lado a lado em meu livro [História do Brasil com Empreendedores]) de Oliveira Vianna, que foi professor de Caio Prado. E como provo, citação por citação, plágio feito por alguém que conhecia ‘marxismo’ apenas por dois manuais, dos piores, de divulgação. Tudo isso foi publicado há exatos dez anos, em 2009 [no referido livro]. E não num livro de denúncia. […] Raríssimos marxistas leram. Os que leram fingiram que não aconteceu nada. Continuam acreditando em Caio Prado Jr. — algo que, para mim hoje, combina com a crença na Terra plana.”
No trecho que omiti, ele explica que o livro tem uma tese original para descrever a história econômica do Brasil, que foi feita após ele próprio reler Marx e usar de seus conceitos. Cabe esclarecer, também, que Oliveira Vianna era o pensador oficial do Estado Novo e um expoente do arianismo – duas coisas que o racialismo hoje tenta acusar Freyre de ser, quando na realidade ele era, em vida, um corajoso crítico de Oliveira Vianna.
Os relatos de Caldeira e Romano têm em comum a queixa do silêncio deliberado seguindo à descoberta do plágio. Como avestruzes, os acadêmicos põem a cabeça num buraco e querem fazer crer que seus críticos são irrelevantes, porque não são notados.
Mas, enquanto o silêncio de Chaui aponta algo que poderia ser um corporativismo acadêmico de feitio político partidário, o outro silêncio, relativo ao nome de Caio Prado, aponta algo mais fundo. Afinal, Caio Prado não é pop, nem partidário; o grande público não o conhece, e ele é discutido tão-somente dentro da academia. Assim, o silêncio dos marxistas acadêmicos revela a indiferença pela própria pesquisa.
Analfabetismo científico
Há gerações, no Brasil, acadêmicos afeitos a política partidária repetem autoridades, e repetem, repetem, repetem, até quando mudam (da boca pra fora) de Oliveira Vianna para o marxismo. Para quê? Para conseguir diplomas, empregos e prestígio -- prestígio este que pode ser hipotecado ao político do momento, que pagará com mais empregos e mais prestígio.
Quando a atividade acadêmica consiste em repetir de maneira correta as coisas estabelecidas por autores escolhidos, o que separa o bom do mau acadêmico é que um faz paráfrase e outro faz plágio. Ora, com uma dose de preguiça, pula-se de uma categoria para a outra. Isso é analfabetismo científico. Se a verdadeira busca pelo conhecimento estivesse em questão, restaria muito claro que até uma paráfrase pode ser um plágio, se o autor da ideia parafraseada não for mencionado como tal.
Decotelli foi vigiado por ser ministro de um governo ao qual se opõe a corporação acadêmica; por isso, suas máculas foram descobertas com muita rapidez. Não houvesse aceitado o cargo, seria no mínimo um respeitável mestre pela GV. Há muitos acadêmicos brasileiros por aí que nunca terão vida pública destacada e que, se tiverem, contarão com toda complacência por causa de suas opiniões políticas -- como Chaui. Nunca saberemos quantos por cento dos acadêmicos brasileiros são plagiários.
Decotelli já passou. A tolerância ao plágio, não: é sintoma de uma corporação acadêmica analfabeta em ciência e pouco afeita à busca do conhecimento.
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