Desde terça-feira, serviços como Uber, Cabify e 99 Pop estão sob ameaça no Brasil. A aprovação do projeto de lei 5587/16 na Câmara dos Deputados cria tanta burocracia para o funcionamento dos aplicativos que na prática os transforma em táxis disfarçados. É uma versão rediviva da reserva de mercado que o governo militar fez para os computadores nacionais na década de 1980: impossibilitadas de competir com os aparelhos da Apple e da IBM, as fabricantes tupiniquins enfiaram modelos defasados goela abaixo dos consumidores brasileiros, com o beneplácito dos militares.
Assim como aconteceu com os computadores, a longo prazo essa será uma batalha perdida para os taxistas. E não só para eles. Os donos de empresas de ônibus que ganham dinheiro atendendo mal e porcamente a população nas grandes cidades devem colocar as barbas de molho. Em uma ou duas décadas (talvez menos, revoluções digitais acontecem em ritmo aceleradíssimo), o filosofia iniciada com o Uber também vai se espalhar para o transporte público.
O primeiro grande agente dessa mudança deve ser a introdução dos carros que se dirigem sozinhos. Eles estão cada vez melhores e seguros, e, num planeta onde um milhão de vidas são perdidas anualmente por causa dos acidentes de trânsito, sendo 90% causados por erros humanos, são evidentemente cada vez mais necessários.
No Brasil, houve 47 mil mortes no trânsito em 2012. Nos Estados Unidos, berço dos carros autônomos, o número subiu de 30 mil para 40 mil em 2016. Isso demonstra porque todas as grandes montadoras investem em projetos de automóveis com inteligência artificial e porque a Tesla, que tem um dos melhores sistemas, passou a tradicionalíssima Ford em valor de mercado na última semana.
Em várias cidades americanas o Uber já possui carros autônomos sendo testados. As ações da empresa caíram quando um deles se envolveu em um acidente em Tempe, uma cidade pouco maior que Apucarana. Pode-se atribuir à má fase da companhia, envolta em problemas trabalhistas e até acusações de misoginia. A verdade é que a batida só demonstrou que o sistema é seguro. O laudo da polícia mostrou que o culpado foi o motorista humano do outro carro.
Viajando alguns anos no futuro, quando os carros autônomos forem maioria nas ruas dos Estados Unidos e do Brasil, eles poderão se tornar uma fonte de renda permanente para seus proprietários. Obviamente empresas como a própria Uber e Cabify não vão adquirir frotas inteiras em todos os países em que se estabelecerem. E, de acordo com várias pesquisas sobre planejamento urbano, os carros ficam estacionados 95% do tempo. Por que não deixá-los circulando e fazendo dinheiro durante esse período?
O impacto disso no transporte público seria imenso. Haveria um aumento gigantesco da oferta de automóveis para suprir a demanda de pessoas precisando ir para o trabalho, reduzindo o custo dos deslocamentos.
Enquanto nas cidades brasileiras a população ainda convive com greves, ônibus lotados e sujos, atrasos, e, em casos mais extremos, violência e assédio, serviços de carona por aplicativos poderiam reduzir drasticamente esses problemas. Em Curitiba, alguns trajetos em aplicativos de carona já são mais baratos se divididos por duas ou mais pessoas que a passagem de ônibus. Com o Uber Pool e serviços semelhantes, isso se tornará ainda mais comum.
Assim como seria exigir demais dos obtusos militares brasileiros da década de 1980 que vislumbrassem um mundo com internet, música e vídeo online, smartphones e uma porção de tecnologias a apenas uma ou duas gerações de distância, talvez seja demais hoje pedir que os congressistas brasileiros enxerguem um mundo com carros sem motoristas, sem mortes no trânsito e sem cartéis de transporte público. Este dia, porém, vai chegar. E os autores da proposta aprovada na terça-feira serão peças de museu, como um velho computador XT com tela de fósforo verde.
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