“Uma inspiração”, “um herói” –era assim que esquerdistas europeus elogiavam o falecido Hugo Chávez, louvando a “revolução bolivariana” que ele promoveu na Venezuela.
Para o líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn e partidos de esquerda como o Syriza e o Podemos, no sul da Europa, a ascendência de Chávez foi durante muito tempo a mais clara contestação da desigualdade na América Latina, do neoliberalismo de Washington e da austeridade em casa.
Hoje o quadro que eles divisam é muito menos nítido.
Uma crise humanitária assola a Venezuela. Sob a presidência de Nicolás Maduro, o país está cada vez mais ditatorial. E isso colocou em um campo político minado as vozes que elogiavam o chavismo, como Corbyn. Alguns representantes da esquerda agora pedem uma avaliação mais isenta na Europa do que está acontecendo no país sul-americano mergulhado em crise.
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“Acho que a esquerda internacional está muito confusa em relação à questão da Venezuela”, diz o historiador britânico Mike Gonzalez, ex-professor de Estudos da América Latina na Universidade de Glasgow. “Para muitas pessoas que dedicaram sua vida, suas esperanças e seu engajamento àquele processo de transformação, é doloroso dar de cara com a realidade.”
Asa Cusack, editor gerente do blog do Centro da América Latina e do Caribe na London School of Economics, escreveu em artigo recente no “Guardian”: “Para muitos acadêmicos da esquerda que apoiam as metas do chavismo, essa derrocada da democracia vem dando lugar a muito exame de consciência e muito sofrimento”.
Desde março, depois de a Suprema Corte venezuelana ter tentado dissolver o Congresso, controlado pela oposição, mais de 120 venezuelanos morreram em choques entre manifestantes e as forças de segurança. Maduro promoveu um referendo em julho para formar uma Assembleia Constituinte que vai reescrever a Constituição, uma iniciativa vista amplamente como manobra para aumentar seu poder. Na sexta-feira a Assembleia Constituinte assumiu o controle do Congresso na prática, efetivamente entregando todo o poder ao Executivo. Enquanto isso, a escassez de alimentos e remédios se agrava e milhares de venezuelanos fogem do país e pedem asilo no exterior.
Tudo isso deixou a esquerda internacional em posição incômoda.
Esquerdista da velha escola que chocou o Reino Unido em 2015 quando conquistou o controle do Partido Trabalhista, em 2013 Jeremy Corbyn descreveu Hugo Chávez como “uma inspiração a todos nós que resistimos à austeridade e à economia neoliberal na Europa”.
Agora o líder oposicionista britânico está sendo pressionado a esclarecer sua posição. Falando em um evento este mês, quando foi pressionado a explicar as ações de Maduro na Venezuela, Corbyn respondeu: “O que eu condeno é a violência que vem sendo cometida por qualquer lado, por todos os lados, em tudo isto”.
Quando, mais tarde, ele criticou o presidente Donald Trump por este ter culpado “os dois lados” na marcha supremacista branca em Charlottesville, seus oponentes de direita o criticaram fortemente. O deputado conservador Andrew Rosindell disse ao “Daily Mail”: “Jeremy Corbyn está sendo um hipócrita total. Ele se recusa a condenar seus companheiros radicais de extrema esquerda na Venezuela e então ataca Donald Trump por empregar as mesmíssimas palavras para evitar atacar a extrema direita nos Estados Unidos”.
Cusack diz que apoia o fato de que as declarações de Corbyn sobre a Venezuela ressaltam que os dois lados recorreram à violência – algo que, segundo ele, a mídia não vem noticiando – e que Corbyn pediu por uma solução pacífica, ao mesmo tempo em que muitos simplesmente presumem que a Venezuela esteja condenada a cair em uma guerra civil.
Mas tecer críticas explícitas a Maduro – ou mesmo traçar uma distinção entre os êxitos (e fracassos) de Chávez e o retrocesso antidemocrático de Maduro – coloca Corbyn em uma saia justa política. “Parte da razão por que ele não pode seguir esse caminho é que isso será usado como bastão para castigá-lo.”
Esse tipo de associação já atrapalhou outros líderes europeus, desde o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, que foi ao funeral de Hugo Chávez em 2013, até o partido de esquerda espanhol Podemos, cujos líderes deram assessoria a Chávez.
O fundador do Podemos, Pablo Iglesias, pediu no Facebook este mês um diálogo entre os dois lados. “Nem o chavismo nem o antichavismo vão deixar de existir”, ele escreveu. “Esperemos que os líderes das duas partes entendam que o pior acordo é preferível a um conflito.”
Críticos desancaram seus comentários, dizendo tratar-se de falsas equivalências, mesmo porque os venezuelanos hoje formam o maior grupo a buscar asilo na Espanha, ultrapassando os sírios e ucranianos.
De fato, a crise venezuelana é tão polarizadora fora quanto dentro do país, e as diferenças ideológicas são profundas. Segundo Asa Cusack, alguns elementos da direita estão aproveitando os acontecimentos na Venezuela para desancar o socialismo de modo geral, algo que ele considera um exagero. Ao mesmo tempo, algumas vozes da esquerda procuram defender a qualquer custo o caminho seguido pela Venezuela.
Mike Gonzalez dirigiu-se a essas pessoas em artigo intitulado “Sendo honestos em relação à Venezuela” que publicou este mês na revista “The Jacobin”. “Outros da esquerda optaram por não dizer nada ou por ignorar a realidade complexa” da Venezuela, escreveu. “Sejam quais forem suas motivações, seu silêncio equivale à cumplicidade com uma nova classe governante que se oculta por trás da linguagem do socialismo.”
Suas críticas lhe valeram elogios – e também uma reação contrária de esquerdistas empedernidos que o acusam de ser agente da CIA. Mas Gonzalez diz que a esquerda internacional tem uma tarefa a cumprir. “A esquerda fora da Venezuela pode ajudar a reerguer o movimento”, ele resumiu na “Jacobin”, “participando de uma prestação de contas honesta do que deu errado.”
Até agora, porém, a esquerda internacional não vem seguindo o exemplo de sua liderança. O intelectual francês Bernard-Henri Lévy recentemente condenou Jean-Luc Mélenchon, o esquerdista que quase provocou uma virada na eleição presidencial francesa, por ter se recusado a condenar Nicolás Maduro ou reconhecer os erros de Hugo Chávez.
Em artigo de opinião publicado este mês ele escreveu: “Como o Podemos na Espanha, o Syriza na Grécia e Jeremy Corbyn no Reino Unido, Mélenchon e seus seguidores ‘rebeldes’ parecem acreditar que é possível desculpar o derramamento de sangue na luta contra o ‘imperialismo’”.
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