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Há algo de podre na casa mais vigiada do Brasil. E não é preciso gastar uma hora depois da novela para acompanhar de perto o rebuliço: está tudo nas redes sociais, onde não se fala em outra coisa.
De um lado, Filipe Galvão, o Fiuk, filho caçula do cantor Fábio Júnior, pede desculpas e chora por ser “homem, branco, hétero e privilegiado” depois de tomar uma bronca de uma colega por, ao lado de outros participantes do reality, se maquiar como uma mulher e imitar trejeitos femininos no espelho.
Do outro, o ator e produtor Lucas Penteado, após se envolver em uma série de brigas e discussões na festa Herança Africana, sugere que os participantes negros se unam para eliminar os brancos. Do lado de fora da casa, houve quem dissesse que a negativa da participante Kerline às investidas violentas do rapaz é que deveria ser classificada como “racismo”. O próprio ator a comparou com Stalin afirmando que “quando ele promoveu aquela matança, também não era por mal”.
Sobrou até para as canções do rapper americano Eminem que, sendo branco, “desrespeitou” o tema da festa, segundo a cantora Karol Conká, a canceladora agora cancelada por tirar sarro do sotaque de uma colega e afirmar que Lucas, o protagonista da última encrenca, não deveria comer enquanto ela estivesse à mesa.
Ainda em suas primeiras semanas, o Big Brother Brasil é um exemplo do que acontece quando as teorias críticas de gênero e raça, segundo as quais todas as relações humanas se resumem a batalhas por poder socialmente construídas são postas em prática: rituais cíclicos de expiação, uma vez que a condição de privilégio de homem, branco ou hétero não podem ser alteradas, que descambam mais para a sinalização de virtude do que para a adoção de comportamentos efetivos (basta uma zapeada no Twitter para constatar que ninguém levou a sério a confissão de Fiuk) e divisões reais. O surgimento de uma nova religião que, para uns, prega a complacência constante e, para outros, a condenação eterna.
A origem desta tendência já foi amplamente mapeada e remonta ao domínio das teorias identitárias pós-modernas nas universidades americanas, importadas pelo Brasil. Ocorre que, em sua terra de origem, os rituais de expiação seletivos começam a fazer parte não apenas de ementas universitárias, mas do currículo de cursos pró-diversidade e de escolas infantis. Desde o ano passado, o documentarista Christopher F. Rufo se dedica a revelar e denunciar estes casos.
Segundo a investigação de Rufo, em janeiro, o Escritório de Direitos Civis da cidade de Seattle enviou um e-mail convidando funcionários brancos para participar de uma sessão de treinamento sobre como "interromper a brancura e a supremacia racial internalizadas". Como resultado, recebeu os documentos relacionados ao programa. Em resumo, os trabalhadores aprendiam como os brancos internalizaram um sentimento de superioridade racial que os impossibilitou de acessar sua “humanidade”, causando “danos e violência” às minorias.
“Os treinadores afirmam que ‘individualismo’, ‘perfeccionismo’, ‘intelectualização’ e ‘objetividade’ são todos vestígios desse racismo internalizado e devem ser abandonados em favor dos princípios de justiça social. (...) Como parte desse processo, os funcionários brancos devem abandonar seu ‘comportamento normativo branco’ e aprender a abandonar seu ‘conforto’, ‘segurança física’, ‘status social’ e ‘relacionamento com outras pessoas brancas’”, relata o texto.
O treinamento descrito não foi uma exceção. Segundo Rufo, quase todos os departamentos do governo da cidade de Seattle foram recrutados para programas contra a "supremacia branca". “Como documentei (...), a agência de moradores de rua da cidade organizou uma conferência sobre como “descolonizar [seu] trabalho coletivo”; o sistema escolar divulgou um currículo explicando que ‘a matemática é uma ferramenta de opressão’; e a empresa de energia municipal contratou uma equipe de burocratas para erradicar o racismo estrutural em sua organização”.
Ocorre que a cruzada pela desconstrução não se limita às questões de raça - e nem aos adultos. No último mês de janeiro, o City Journal revelou dois casos envolvendo escolas primárias. Em Springfield, no estado americano do Missouri, dois “treinadores de diversidade” forneceram aos professores uma apostila na qual deviam se situar em uma “matriz de opressão”, denifindo homens heterossexuais brancos como o "grupo social privilegiado" e mulheres, minorias, transgêneros e pessoas LGBT como "grupos sociais oprimidos". Os pertencentes ao topo da matriz, é claro, deveriam se reconhecer como automaticamente responsáveis por todo o “racismo, sexismo, opressão transgênero, heterossexismo e classismo” contra os outros grupos.
Outra reportagem chocante: uma professora da terceira série de uma escola primária em Cupertino, na Califórnia, deu uma longa lição sobre “identidades culturais” durante uma aula de matemática.
“A professora pediu a todos os alunos que criassem um ‘mapa de identidade’, listando sua raça, classe, gênero, religião, estrutura familiar e outras características. Explicou que os alunos vivem em uma ‘cultura dominante’ de ‘brancos, classe média, cisgênero, educados, saudáveis, cristãos, falantes de inglês’, que ‘criaram e mantiveram’ esta cultura para ‘se estabelecer e permanecer no poder’”, relata. Depois, pediu que os alunos, de cerca de 8 anos, desconstruíssem suas próprias identidades interseccionais e circulassem as identidades que detém poder e privilégio”;
Os frutos desta criação identitária estão expostos para o Brasil, na forma de um artista filho de cantor famoso que, aos 30 anos, mora com o pai e reage com desespero a uma reclamação. No ponto extremo, abusadores são ovacionados em público ao expor seu “incômodo” com os “ambientes machistas” que lhe permitiram chegar onde chegaram, ainda que sem qualquer compromisso prático com a mudança. Na internet, proliferam relatos de jovens adultos que se ressentem profundamente de terem nascido brancos.
A evidência de que não funciona
O risco de que cursos pró-diversidade e currículos calcados em ressentimento resultem em mais sinalizadores de virtudes que fazem o oposto do que pregam ou, no mínimo, em uma geração de eternos culpados é real. Um longo estudo feito pelos sociólogos Frank Dobbin e Alexandra Kalev, da Escola de Medicina de Harvard, com a participação de mais de 800 instituições, demonstrou que treinamentos antirracismo e antiopressão não apenas não resultaram na maior presença de negros, mulheres e LGBT no ambiente de trabalho, como fomentam divisões e ainda mais preconceito.
“Alguns estudos descobriram que o treinamento antipreconceito pode realmente ativar o preconceito. Dizer às pessoas para pararem de pensar em estereótipos é como dizer-lhes para pararem de pensar em elefantes. Pior, o treinamento pode provocar reações adversas. Nossa pesquisa mostra que o programa típico de treinamento em diversidade não leva a aumentos na diversidade da força de trabalho - nem em um mês, nem em uma década”, escreve a dupla.
“Comece qualquer treinamento dizendo a um grupo de pessoas que eles são o problema e eles ficarão na defensiva. Assim que isso acontecer, é menos provável que queiram fazer parte da solução; em vez disso, eles vão resistir”, diz um artigo de Dobbin e Kalev sobre o combate ao assédio, no qual propõe a abordagem alternativa de fazer com que todos os membros do grupo sejam chamados a resolver o problema.
A alternativa
Contra a cultura dos rótulos, da divisão e da culpa, ativistas e estudiosos começam a propor treinamentos de inteligência emocional, paciência e reconciliação para lidar com casos reais de racismo, assédio, homofobia ou outras formas de preconceito. O projeto “The Theory of Enchantment”, da americana Chloé Valdary, contratado por empresas de grande porte, como a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos e até a gigante chinesa TikTok, é baseado em três mandamentos inegociáveis: “trate as pessoas como seres humanos, não abstrações políticas; critique para elevar e capacitar, nunca para derrubar ou destruir; faça tudo com amor e compaixão”.
“Sabemos que o racismo, ou outras ideologias supremacistas, são geralmente o resultado da ‘supercompensação’ de um senso de deficiência percebido pelas pessoas em suas próprias vidas; uma profunda insegurança. O primeiro passo é ensinar nossos clientes a desenvolver um senso saudável de autovalorização para poder tratar os outros com compaixão”, diz Valdary, crítica ferrenha das teorias da fragilidade branca e do lugar de fala e fã do psicólogo Jordan Peterson.
No Big Brother Brasil, sobrou para o rapper Projota oferecer tratamento psicológico ao produtor Lucas e lembrá-lo que “preto luta por igualdade”, enquanto a confissão emocionada de Fiuk sequer lhe rendeu pontos na internet. Quer os canceladores admitam ou não, a verdade que se esconde sobre a desconfiança é a mesma de uma das mais polêmicas frases do psicólogo canadense: “Homens fracos não podem ser virtuosos”.