Por que se desperdiça dinheiro público? É má-fé, incompetência, falha na gestão? O próprio Ministério da Fazenda pediu um diagnóstico sobre esse assunto ao Banco Mundial, que respondeu com um relatório divulgado em novembro, chamado “Um ajuste justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”.
A instituição encontrou programas públicos que colaboram para o desperdício e, por consequência, para a ineficiência e a desigualdade. Segundo o Banco Mundial, a Previdência Social, por exemplo, da forma como está desenhada hoje, é injusta e fonte de desequilíbrio fiscal. Os salários dos servidores públicos, excessivamente altos para o padrão nacional (67% acima da média dos trabalhadores da iniciativa privada), aumentam a desigualdade.
E as políticas públicas de suporte ao setor privado não dão o retorno que deveriam — e são caras, custam o equivalente a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o Banco Mundial encontrou desperdícios nos setores da educação e da saúde e calculou que uma simples melhoria no sistema de licitações e compras poderia representar uma economia de R$ 35 bilhões em três anos.
Um outro levantamento, este do Tribunal de Contas da União, identificou, apenas em 2015, 535 problemas em empreendimentos financiados com recursos do governo federal.
“Entre as irregularidades detectadas, foram encontrados erros na execução de obras, processos licitatórios suspeitos, projeto básico ou executivo que não atende as exigências da obra, falta de formalização e descumprimento de convênios – no que se refere à contratação de mão de obra, além de sobrepreço e superfaturamento, assim como falta de fiscalização pelos organismos técnicos”, explica o promotor de justiça Gustavo Senna, professor da Escola de Estudos Superiores do Ministério Público e também da Faculdade de Direito de Vitória.
“As fraudes ocorrem em praticamente todas as fases das obras de construção, que podem assim ser resumidas: 1ª) orçamento e programa de obras; 2ª) licitação ou dispensa de licitação; 3ª) contrato e execução da obra ou serviço; e 4ª) recebimento da obra e pagamento.”
Como minimizar esse problema? O promotor responde: “Em primeiro lugar é necessário fomentar práticas de boa gestão pública, diminuindo os espaços que favorecem atos de corrupção e ineficiência”. Para tanto, afirma Gustavo Senna, é preciso planejar uma obra, e até mesmo justificar sua necessidade. Fiscalização rígida durante a fase de execução do contrato e continuidade administrativa, para garantir que as obras continuem depois das eleições e da mudança de gestores, também ajudam.
Enquanto o diagnóstico é apresentado, o país continua colecionando obras públicas que simbolizam, de forma muito concreta, o tamanho do desperdício de dinheiro. Conheça dez casos.
1. A refinaria de 6 bilhões de reais que já custa 14. E ainda não está pronta
Dez anos atrás, começaram as obras do Comperj, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, que seria capaz de processar o petróleo e o gás extraídos no pré-sal. O custo da construção, realizada no município de Itaboraí, foi orçado, inicialmente, em R$ 6,1 bilhões.
Quando a obra foi paralisada, em 2015, apenas 30% da estrutura estava concluída e haviam sido gastos R$ 14 bilhões. Cerca de 30 mil pessoas, envolvidas direta ou indiretamente com o projeto, ficaram sem emprego. No início deste ano, a Petrobras anunciou que vai retomar as obras, no segundo semestre, ao custo inicial de mais R$ 1,95 bilhão.
2. O parque eólico que caiu com o vento
Supõe-se que parques eólicos sejam resistentes ao vento. Não foi o que aconteceu em dezembro de 2014, na cidade gaúcha de Santana do Livramento, quando uma tempestade derrubou oito aerogeradores do Complexo Eólico Cerro Chato, da Eletrosul.
Cada um dos equipamentos derrubados tinha 136 metros de altura e pesava mais de 600 toneladas. A Eletrosul prometeu substitui-los, mas o que aconteceu foi o contrário: depois do incidente, quatro parques eólicos instalados na região foram abandonados; mesmo as 21 torres que não foram afetadas permaneceram inativas. Os R$ 300 milhões investidos se perderam, assim como a produção prometida de 54 megawatts de eletricidade, o suficiente para sustentar aproximadamente 100 mil residências.
3. Vazamento de água milionário
Para a Copa do Mundo de 2014, o país construiu 12 estádios de futebol. Destes, logo no ano seguinte, vários se tornaram grandes elefantes brancos. Três casos são mais graves, porque as estruturas muito raramente são utilizadas: Estádio Nacional (Brasília), Arena Pantanal (Cuiabá) e Arena Amazônia (Manaus). A conta de água do estádio de Brasília, em maio de 2017, ficou em R$ 1,1 milhão, culpa de um vazamento de água causado por um erro em uma ligação da tubulação.
Além disso, quatro anos depois da Copa, das 12 cidades-sede, em 11 ainda há obras inacabadas, a maioria nos setores de mobilidade urbana e aeroportos. O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Cuiabá, por exemplo, deveria ter 22 quilômetros. Não passou de seis, que custam R$ 16 milhões por mês em serviços de manutenção. Em Curitiba, não terminaram as intervenções no corredor Aeroporto-Rodoferroviária nem a ampliação do Terminal Santa Cândida.
4. O campinho trocado por escombros
Se custa caro para manter o que não terminou, como no caso do VLT de Cuiabá, abandonar o que ficou pela metade também tem seu preço. No caso do Centro Esportivo Tupy, o pouco que foi construído está completamente deteriorado. Onde havia um campo de futebol utilizado pelos moradores do bairro, agora não há nem o campo, nem o complexo esportivo.
Autorizada, apesar de a região ser de preservação ambiental permanente, a obra foi orçada em quase R$ 1,6 milhão. Os trabalhos começaram em 2015 e foram paralisadas ao fim de 2016. O atual secretário do planejamento da prefeitura investiga o que aconteceu, porque todo o dinheiro foi pago.
5. Velódromo desmontado
Desde 2013, a cidade de Pinhais abriga uma pilha de estruturas metálicas, telhas, equipamentos hidráulicos, elétricos, sonorização, pista de madeira especial, bancos. É o que sobrou do Velódromo do Pan, construído no Rio de Janeiro em 2007.
Utilizado durante os Jogos Panamericanos do Rio, seria reaproveitado nos Jogos Olímpicos de 2016, mas bem antes disso o Comitê Olímpico Internacional (COI) avaliou que o equipamento não tinha qualidade para ser utilizado na competição. Por isso, foi desmontado e enviado para Pinhais — primeiro foi oferecido para Goiânia, que recusou.
A prefeitura local aceitou o material, na época, porque recebeu uma proposta do governo federal: a obra seria montada pela União, ao custo de R$ 22,8 milhões, e o Ministério do Esporte ainda construiria um centro poliesportivo em torno do velódromo.
O projeto de montagem das quase 230 toneladas de material chegou a ser barrado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que encontrou irregularidades no projeto. A montanha de material continua parada.
6. A água que se perde no caminho
No Brasil, 36,7% de toda a água distribuída não chega aos usuários finais – ela se perde antes, durante a distribuição, por culpa de vazamentos e fraudes. Em Curitiba, o índice é ainda maior: 39,11%. Foi o que apontou um levantamento realizado em 2016 pelo Instituto Trata Brasil, em conjunto com a GO Associados.
Esse valor é resultado de uma conta simples: a soma de tudo o que é fornecido pela Sanepar, comparada com o consumo total da cidade. Alguns fatores provocam esse desperdício. Um deles é a idade da rede – quanto mais antiga, maiores os vazamentos. Outro problema são os “gatos” realizados na rede.
7. R$ 27 milhões para um dia de uso
Nos últimos anos, a Arquidiocese de Maceió vem utilizando o Papódromo para realizar missas campais de grande porte. Mas a verdade é que esta é uma obra construída apenas para um evento: receber o papa João Paulo II, em 1991. Custou o equivalente a R$ 27 milhões, recebeu uma missa celebrada pelo líder da igreja católica.
E depois foi abandonada. Virou um depósito informal de lixo e sua cúpula foi depredada. Em 2009, o governo estadual repassou o monumento para a prefeitura, que também não utilizou o espaço.
8. Esta ferrovia custou R$ 4,6 bilhões. Transportou três cargas
Três cargas. É tudo o que foi transportado pela Ferrovia Norte-Sul, que segue por 855 quilômetros entre as cidades de Anápolis (GO) e Palmas (TO). Isso para uma obra que custou R$ 4,6 bilhões. O total transportado, 45 mil toneladas, representa menos de 1% da estimativa de carga para os primeiros cinco anos da ferrovia.
Inaugurada em maio de 2014, só foi usada pela primeira vez em abril de 2015. Passaram-se mais oito meses antes que uma segunda viagem acontecesse. O problema é que a concessão operacional do trecho ainda não aconteceu e o Porto Seco de Anápolis, fundamental para que a ferrovia tivesse utilidade, não está em pleno funcionamento.
9. O teatro com fundações invertidas
Em 2007, começou a construção do novo Teatro Municipal da cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo. Logo em maio de 2008, o contrato com a construtora foi rescindido. Em 2009, veio a público que as fundações haviam sido construídas de forma invertida: o prédio, que deveria ter a entrada voltada para o Parque da Cidade, ficou de frente para o outro lado, uma avenida movimentada, a Olivo Gomes.
A prefeitura, na época, pagou R$ 685,4 mil pelas fundações, desistiu da construtora e entrou na Justiça para pedir o dinheiro de volta. E o projeto, que previa 14.400 m2 de área construída e capacidade para até mil pessoas, ficou paralisado.
10. O ônibus passa do lado errado da rua
Em Brasília, uma faixa exclusiva para ônibus foi construída à esquerda, quando as portas dos veículos abriam do lado direito. Foi preciso substituir a frota, porque os coletivos que precisavam recolher passageiros naquele trecho não podiam usar a pista construída precisamente para eles.
O erro de planejamento aconteceu num trecho específico, mas um estudo de 2016 indicou que, na verdade, o problema da construção de corredores de ônibus na capital federal era muito maior: na avenida W3 Sul, seria muito mais eficiente construir todo o corredor do lado esquerdo, para garantir um fluxo mais eficiente. Com a faixa exclusiva à direita, por conta do desenho da pista e a disposição dos sinais e cruzamentos, a viagem ficou mais lenta do que o necessário.