Existe no Brasil a figura do trapezista estatal, que dá aulas para alunos de circo que ganham bolsas mensais de R$2.500 para se sustentar no Rio de Janeiro ao longo de dois anos. Trata-se da Escola Nacional de Circo, uma instituição pública sustentada pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), que repassa anualmente R$4 milhões de dinheiro do contribuinte (mais precisamente R$4.090.456,00 em 2019) para garantir a formação de malabaristas, trapezistas, palhaços e profissionais técnicos habilitados para trabalhar em circos e teatros.
Única instituição de ensino mantida pela Secretaria Especial de Cultura em todo o território nacional, a Escola Nacional de Circo surgiu em 1982, por obra do artista circense Luiz Olimecha e do produtor cultural Orlando Miranda. Resultado de um projeto iniciado em 1977 e desenhado pelos arquitetos Marcos Flaksman e Carlos Pini, foi construída em um terreno de 7 mil metros quadrados, na Praça da Bandeira, na zona norte do Rio de Janeiro.
As obras custaram, na época, Cr$25 milhões, o equivalente a R$1,4 milhão atuais. No local foi construída uma lona de circo, com quatro mastros, 50 metros de diâmetro e capacidade para 1.200 espectadores. O espaço inclui salas de aula e de dança, auditório, refeitório, oficina para confecção de reparo de aparelhos circenses, biblioteca multimídia e espaço para musculação e fisioterapia.
Atualmente, a escola mantém 45 funcionários públicos, incluindo 18 professores, e também fisioterapeutas e preparadores físicos. Os salários variam de R$4.700 a R$7.500 mensais. A instituição realiza apresentações com seus alunos e traz para o Brasil artistas de circo de outros países, que se instalam no Rio de Janeiro para produzir e dirigir espetáculos. Mas, principalmente, a instituição realiza o único curso técnico em arte circense reconhecido pelo Ministério da Educação no Brasil.
Bolsa mais generosa do que a do CNPq
Com carga horária de 2.798 horas, o curso dura quatro semestres de 100 dias letivos cada e a atende a 60 alunos por turma. Todos são aprovados por concurso público, do qual costumam participar mais de 350 candidatos. Eles participam de um processo seletivo que inclui o envio de vídeos que comprovem suas habilidades, seguido por testes presenciais realizados no Rio de Janeiro, em Campinas, em Florianópolis e em Recife.
Além das aulas teóricas de introdução à anatomia, história do circo, cultura e sociedade e elaboração de projetos culturais, o curso consiste no treinamento de habilidades como dança, interpretação e malabarismo. Entre as disciplinas ensinadas ao longo do curso estão acrobacias de solo, trampolim acrobático, trapézio, perna-de-pau, monociclo, corda bamba e malabares com claves, aros e bolas.
“Oferecemos toda a estrutura, e o Instituto Federal do Rio de Janeiro entra com um convênio de cooperação técnica para fornecer o registro acadêmico, o coordenador pedagógico e o diploma”, explica Carlos Vianna, coordenador da Escola Nacional de Circo. “O circo é um ponto de encontro, é uma atividade que abrange música, dança, artes plásticas e artes cênicas. Por isso o curso é bastante abrangente”. Os alunos formados realizam apresentações diversas, incluindo uma bienal de artes circenses realizada pela instituição.
Os alunos vêm de 17 estados e seis diferentes países, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Itália e Venezuela. Por que pagar R$2.500 mensais para cada um deles, ao longo de dois anos? Para efeito de comparação, o valor tabelado de uma bolsa de mestrado fornecida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é de R$1.500 mensais.
“O valor garante que eles consigam se manter na cidade, e possam se dedicar ao curso, que acontece em período integral”, afirma Carlos Vianna. “As bolsas viabilizam a participação de alunos de todas as regiões do país”. Ao todo, os benefícios somam R$57.500 por pessoa, distribuídos ao longo de 22 meses consecutivos, totalizando R$3,45 milhões em bolsas para cada turma de 60 alunos.
Para 2020, a dotação orçamentária da escola, ainda não aprovada, prevê o uso de R$4.242.303,00, sendo R$2.442.303,00 para manter a escola funcionando e R$1.800.000,00 em bolsas.
Investimento público num setor decadente
Ao longo de 37 anos de história, a Escola Nacional do Circo formou 2.000 pessoas da área, somando os alunos do curso técnico (iniciado em 2014) e os participantes das oficinas, dos laboratórios e dos cursos de atualização e reciclagem para artistas de circo mais velhos. Em 2018, recebeu emissários do Cirque de Soleil, que selecionaram e contrataram dois alunos e sete técnicos formados pela instituição. “Somos um centro de referência na formação em toda a América Latina e um centro de encontro para a comunidade circense”, afirma Carlos Vianna. “Recebemos artistas de circo do mundo inteiro, da Nova Zelândia à Inglaterra”.
A Escola Nacional do Circo custa R$4 milhões anuais e atende a um mercado pouco conhecido. Não se sabe, por exemplo, qual é exatamente o tamanho dessa indústria no Brasil – a única estimativa conhecida, produzida pela Associação Brasileira do Circo (Abracirco), sugere que existam dois mil circos em funcionamento no país. Não se sabe quantas pessoas empregam nem quanto dinheiro geram para a economia.
A instituição federal é um caso raro de centro de formação de artistas circenses no país – existem outras poucas iniciativas particulares, como a Escola Picolino de Artes do Circo, de Salvador, e o Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (CEFAC), de São Paulo. Destas poucas instituições saem profissionais que vão alimentar um mercado de expressão financeira desconhecida.
Na Europa, é comum formar artistas de circo em cursos técnicos e também em instituições de ensino superior - muitos alunos brasileiros da Escola Nacional de Circo concluem o curso técnico no país e migram para faculdades europeias, localizadas principalmente na Espanha, na França, na Inglaterra e na Bélgica. Já na América do Norte, é mais comum que a iniciativa privada assuma os cursos de formação. De toda forma, ali também existem cursos técnicos e cursos de nível superior.