No livro ‘A Filosofia do Bitcoin’, recém-lançado no Brasil pela editora Avis Rara, o escritor espanhol Álvaro María apresenta uma análise profunda sobre nosso sistema político e econômico antes de entrar no tema das criptomoedas propriamente dito.
O trecho a seguir integra justamente essa parte inicial da obra, em que o especialista em Direito e Biotecnologia pela Universidade de Madri explica o que achama de “a filosofia do dinheiro”.
Não há dúvida de que o dinheiro é fundamental em nosso mundo. Não digo que seja o elemento mais importante, mas simplesmente que atravessa nossa vida e grande parte de nossas ações cotidianas.
Ele controla e move vontades como poucas coisas, mas o que ele é? Dinheiro e moeda são a mesma coisa? Que diferenças há entre um e outro?
Ao tratar desses temas, em geral, há certa confusão nos termos. Nós nos movemos com base em uma crença ou preconcepção do que sejam o dinheiro e a moeda.
Utilizamo-nos deles todos os dias, mas como não podemos saber o que são? Ambos são dados como fatos, mas raramente nos é explicado ou se desenvolve uma teoria a respeito.
Além disso, no uso comum, os termos “dinheiro” e “moeda” são empregados sem distinção, de modo intercambiável.
E, de fato, de alguma forma, moeda e dinheiro são como corpo e alma, matéria e forma um do outro.
Quando unidos, podem ser caracterizados como circulantes, assim como o corpo unido à alma é um corpo vivente ou animado; e quando o dinheiro abandona seu corpo, seu substrato material, que é a moeda, esta passa a ser objeto de estudo não mais da economia, mas da numismática.
Entende-se muito melhor o que o dinheiro é se o víssemos como um adjetivo de determinadas mercadorias, em vez de como um substantivo.
É certo que essas mercadorias consideradas dinheiro possuem determinadas qualidades distintas das outras: em geral, não são consumíveis, são divisíveis, escassas, transportáveis, facilmente vendáveis — possuem muita liquidez —, são armazenáveis, fungíveis, devem facilitar a quantificação e a contagem, devem ser difíceis de manipular, fáceis de verificar e que não se deteriorem com o passar do tempo.
Todas essas qualidades são as que permitem que tais mercadorias sejam utilizadas como um meio de troca, que sejam consideradas bom dinheiro.
Sem dúvida, o dinheiro é uma mercadoria cujo principal valor é facilitar as trocas, os intercâmbios comerciais, que é uma função essencial sua, visto que reduz os custos do comércio, e por isso é tão fundamental nas sociedades.
No imaginário social, o dinheiro tem certa peculiaridade que o torna único: ele é um produto social vilipendiado, desprezado na vida pública, e, no entanto, não há outro produto social que se busque e deseje tanto quanto o dinheiro.
Não tem sido pouca a tinta que se tem gastado para assinalá-lo como o culpado de muitos dos males humanos, e, apesar de tudo, ele parece continuar tendo o mesmo grau de importância que sempre teve, seguindo seu curso e sabendo-se vital na sociedade.
Embora seja objeto de todo tipo de críticas, sua existência nunca foi seriamente questionada.
Tem-se falado da morte de Deus, da morte da democracia, do fim da arte, da morte da filosofia, da decadência da civilização; mas o dinheiro segue impávido, sendo sistematicamente insultado por seu poder, influência e capacidade de sedução; mas ainda assim, imprescindível para a vida em sociedade.
Atribui-se a ele o fomento do individualismo ao desatar os laços sociais, quando ele é precisamente o produto mais social de todos.
Se fazemos esta pergunta a alguém: “O que você levaria para uma ilha deserta se apenas pudesse levar três coisas?”, ninguém dirá que levaria dinheiro.
O dinheiro atua na prática como um registro das relações de intercâmbio social, das relações com outros, refletindo o valor da troca realizada em um determinado momento.
Sem dúvida, o dinheiro tem motivos — não digo que justificados, mas, sim, emocionais — para ser insultado, especialmente à medida que abarca cada vez mais relações sociais.
O dinheiro explicita e traz à tona os interesses das relações sociais. Contra o que costuma se dizer, o dinheiro não corrompe, tal como o faz o poder, mas delata.
Vincula muitas relações sociais ao cálculo econômico, e isso é um problema para a vida comunitária, em especial para os laços sociais, visto que estão tecidos pelo sagrado, pelos usos e costumes, por relações de consentimento tácito; e tudo isso se considera com frequência de valor incalculável.
Por isso se considera que o dinheiro dessacraliza, motivo pelo qual é objeto de todo tipo de críticas.
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