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Ao longo de quarenta anos, entre 1969 e 2009, no Brasil, todo jornalista precisava cursar uma graduação de quatro anos para ter o direito de exercer a atividade. Até que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o diploma não é obrigatório. Foram oito votos contra um. O relator, o ministro Gilmar Mendes, lembrou na época que o decreto-lei 972/69, que regulamenta a atividade, surgiu no contexto da ditadura militar.
O texto, aliás, é assinado pelos “ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar” e, na avaliação de Mendes, tinha a clara finalidade de afastar da atividade jornalística intelectuais que se mostrassem contrários ao regime. O relator argumentou ainda que, ainda que o diploma não seja requisito básico para o exercício da profissão, nada impede as empresas de utilizá-lo como critério para contratação – como acontece em outras áreas, como culinária ou moda. Ou seja: o curso pode representar um diferencial, ainda que não precise ser obrigatório.
Mesmo assim, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) volta pressionar pela obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. “A defesa do jornalismo e da profissão passa, fundamental e necessariamente, por uma formação profissional sólida, com a aquisição de conhecimentos teóricos, competências e habilidades técnicas e comprometimento ético”, diz Samira de Castro, presidente da entidade, de viés notoriamente esquerdista, tendo inclusive apoiado oficialmente Lula para a presidência.
Para ela, o jornalismo perde relevância sem a exigência. “Se qualquer pessoa pode ser jornalista, inclusive sem a necessidade de comprovar ser alfabetizada para receber o registro profissional emitido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), como a sociedade pode cobrar ética, rigor na apuração, pluralidade de fontes, checagem e atenção à veracidade dos fatos de pessoas que não foram minimamente preparadas para essa atuação?”
Não se trata de questão apenas corporativa, alega, “embora a defesa da corporação também seja necessária, justa, legítima e legal. Defendemos a regulamentação, incluindo um de seus principais pilares (a obrigatoriedade do diploma), porque compreendemos o quanto a formação, a organização e o fortalecimento da profissão são determinantes para cumprirmos o papel social reservado à atuação dos jornalistas”.
Em geral, os países desenvolvidos e democráticos não concordam com a FENAJ. Consideram que a liberdade de expressão é incompatível com exigências como esta - e partem do princípio de que as próprias empresas podem utilizar os melhores critérios para montar suas equipes. Leia abaixo a posição de dez países.
Alemanha
As próprias empresas e organizações profissionais zelam pela qualidade do trabalho dos jornalistas, que passam por períodos de estágio de pelo menos 18 meses. Nenhum diploma é exigido.
Austrália
É possível concluir um curso de graduação em três anos e concorrer a vagas em empresas de comunicação. Mas, assim como nos demais países desta lista, o diploma não é obrigatório para exercer a profissão.
Bélgica
Os profissionais com graduação na área tendem a ser mais valorizados para promoções, e, segundo um levantamento de 2016, 50,4% de fato cursaram faculdade na área. Mas o diploma não é obrigatório.
Dinamarca
O sindicado nacional da categoria emite uma licença, com base na experiência comprovada do profissional. Mesmo que ele tenha um diploma, se não comprovar sua atuação na área, não receberá o registro.
Espanha
O país tem escolas de jornalismo tradicionais e muito disputadas. Cursá-las facilita a inscrição no cadastro de profissionais autorizados a atuar. Mas basta trabalhar na área por mais de dois anos, mesmo sem diploma, para solicitar o registro.
Estados Unidos
Muitas das faculdades mais respeitadas de Comunicação do mundo são americanas, mas elas oferecem, além da graduação tradicional, especializações para profissionais de outras áreas aprenderem técnicas específicas do jornalismo. Ou seja, a falta da obrigatoriedade não impediu que o país desenvolvesse excelência na área.
Holanda
Um conselho de imprensa concede licenças, com base na experiência profissional acumulada – que não depende da realização de cursos específicos. Nem mesmo formação superior em outras áreas é obrigatória.
Itália
Após um estágio de 18 meses e a realização de um exame de proficiência, o jornalista recebe um registro que o autoriza a atuar no setor. Durante o período em que está acumulando experiência, ele trabalha de forma supervisionada.
Japão
Num país que tem mais de 120 jornais em circulação, que alcançam mais de 70 milhões de pessoas diariamente, um levantamento de 2018 aponta que apenas 14,7% dos profissionais cursaram graduação em jornalismo.
Reino Unido
Um conselho nacional da área fornece um curso preparatório para acessar a profissão. Mas também é possível conseguir a licença para atuar simplesmente conseguindo estágios em empresas da área.