Ouça este conteúdo
Direita, sim, pero no mucho.
É mais ou menos dessa forma que alguns cientistas políticos ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo avaliam o avanço recente do campo conservador no Brasil – comprovado por uma pesquisa realizada no início de março pelo Ipec.
Para eles, os brasileiros, mesmo alinhados com o direitismo, ainda defendem ideias típicas da esquerda. Acima de tudo no tocante à participação do Estado na economia e na vida pública.
De acordo com o levantamento, 24% dos eleitores do país dizem ser de direita, enquanto menos da metade, 11%, posicionam-se à esquerda.
Os dados ainda mostram que 20% são de centro, 25% de centro-direita e 11% de centro-esquerda (o restante dos entrevistados não sabe ou não respondeu).
Ou seja: somando direita com centro-direita, é possível afirmar que 45% dos brasileiros simpatizam, para dizer o mínimo, com as teses direitistas.
No entanto, segundo o professor Cláudio Preza, da PUC do Rio Grande Sul, verifica-se no Brasil um paradoxo que ele chama de “conservadorismo clientelista”.
“Muitas pessoas não concordam com as pautas de costumes progressistas, especialmente aquelas defendidas pelos mais jovens. Mas, ao mesmo tempo, mantêm o desejo de que o Estado permaneça as servindo por meio do assistencialismo. É a servidão cívica”, diz.
Para Preza, o fenômeno se retroalimenta negativamente. E o resultado desse círculo vicioso é que o Estado jamais consegue se organizar para prestar serviços públicos realmente de qualidade – fazendo uso apenas de soluções paliativas.
E completa: “No Brasil, as coisas estatais que funcionam minimamente, como, por exemplo, o metrô de São Paulo ou o próprio SUS, só existem porque, do contrário, haveria uma guerra civil”.
Lucas Grassi, doutor em Política pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, chama a atenção para o fato de que a direita brasileira despreza alguns princípios básicos do conservadorismo clássico.
Entre eles o estímulo à educação como forma de transmitir valores civilizacionais para as próximas gerações – em vez de priorizar somente cursos que tenham alguma “utilidade profissional”.
“Para a maioria da direita brasileira, as faculdades ‘boas’ são as de Engenharia e Medicina. Pouca gente está refletindo sobre o real valor da universidade”, afirma.
Grassi, que atualmente reside na cidade americana de Baltimore, ainda cita o princípio da prudência política.
“Em vez de agir com cautela, evitando mudar a todo momento para não piorar, as pessoas precisam sempre de um novo um homem forte no topo, para governar de cima para baixo”.
De acordo com ele, é preciso “abrir o capô desse carro para ver o que tem no motor”. Em suma: até que ponto os eleitores entrevistados pelo Ipec realmente são de direita ou conservadores?
“Acho que o Ipec deveria fazer outra pesquisa para saber se essas pessoas realmente sabem o que é ser conservador”, afirma.
Para especialistas, a direita, além de numerosa, está mais unida
Mais otimista, Mário Sérgio Lepre, docente da PUC do Paraná, acredita que o perfil do direitista brasileiro está mudando.
“Tem muito mais informação circulando, principalmente de celular para celular. Isso tende a diminuir a inclinação ao fisiologismo político.”
Outra transformação da sociedade, segundo ele, pode ser exemplificada pela recente rejeição dos motoristas de aplicativo à possibilidade de se tornarem empregados.
“O caso do Uber mostra que tem muita gente querendo se fazer por si própria, sem a dependência estatal.”
Mas Graci, mesmo cético, aponta um trunfo da direita brasileira atual – ela não é apenas mais numerosa, também está mais unida.
“Há um senso de urgência, até mesmo pelas ameaças do STF, que faz os direitistas se juntarem para sobreviverem.”
A esquerda, por outro lado, encontra-se dividida entre os progressistas/woke e os socialistas tradicionais, que ainda pensam o mundo a partir da luta de classes.
Além disso, diz o cientista político, a direita finalmente iniciou uma cruzada cultural a longo prazo, por meio de editoras, institutos, think tanks, canais do YouTube, eventos, etc.
“Durante muitos anos, os conservadores foram ingênuos. Acharam que o brasileiro era um ‘bom cidadão’ e tudo daria certo. Enquanto a esquerda, especialmente durante o regime militar, construiu um diálogo com as escolas, os artistas, a televisão.”
Cientistas políticos indicam os caminhos da direita e da esquerda na eleição deste ano
Na avaliação de Lucas Grassi, a pesquisa do Ipec tem um foco bem definido: o marketing político.
Sendo assim, como deve ser a estratégia da esquerda e da direita nas eleições municipais deste ano – e com vistas na disputa de 2026?
“Os dois campos terão de basear sua comunicação, de forma genuína ou fingida, na fatia intermediária da população. O eleitor mediano ainda é o rei”, afirma.
Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também aponta para o centro – onde, principalmente a esquerda, deve investir com mais ênfase.
“Os anos de governo Bolsonaro fortaleceram o campo da direita e isso pode ser empiricamente verificado nos números do Ipec. O ‘recado’ mais claro desse levantamento é que o governo deve buscar apoio e melhor avaliação naqueles que se colocam no centro, com 20% dos entrevistados”, diz.
Outra tática da esquerda, segundo Cláudio Preza, será apostar na sua pauta econômica clássica, calcada no desenvolvimentismo. E jamais endossar “de peito aberto” as reivindicações identitárias.
“A gente só vai ver isso acontecer, a partir de agora, se houver um evento trágico para a sociedade. Um caso de pessoa agredida ou morta. Só se for uma situação que vá contra os direitos fundamentais do indivíduo”, afirma.
Já a direita, de acordo com Mário Sérgio Lepre, deve partir para o corpo a corpo – o chamado “trabalho de base”.
“Os parlamentares precisam conversar mais com os prefeitos, passear pelos estados. É importante visitar os municípios menores e conversar diretamente com os eleitores sobre a situação dos hospitais, das escolas.”
De acordo com Rodrigo Prando, o caminho, pelo menos neste momento, parece estar mais fácil para os direitistas.
Acima de tudo por causa de sua comunicação com a população, marcada por uma efetividade maior.
Por essas e outras, ele acredita que uma pergunta talvez deva ser feita desde já: “Quem será o herdeiro do espólio eleitoral de Bolsonaro na próxima eleição presidencial?”.