A Rua dos Aflitos, no bairro da Liberdade em São Paulo, é um beco sem saída com uma capela ao fundo que dá nome ao local: a Capela de Nossa Senhora das Almas dos Aflitos. Ela foi construída em 1779 e abriga um cemitério histórico de escravos. Por esta razão, o movimento negro tem interesse no local.
Na semana do Dia da Consciência Negra (20), a reivindicação prioritária de representantes do movimento, atendida pela prefeitura, foi a remoção de luminárias japonesas no local, também conhecidas como “lanternas Suzuranto”. O bairro da Liberdade, uma morada histórica de imigrantes japoneses e de outros países do Leste Asiático, continua com as luminárias em outras ruas.
Ativistas defendem a medida, público discorda
“As luminárias apagavam a memória preta e indígena da Liberdade”, afirmou o grupo Quilombo Periférico, uma “mandata coletiva” ligada à vereadora Elaine Mineiro, do PSOL. O grupo não conseguiu se reeleger em 2024, mas o partido conseguiu seis de 55 cadeiras da Câmara Municipal. “Seguiremos na luta pela construção do memorial e pela restauração da Capela dos Aflitos”, disse o grupo no Instagram.
“Não vejo polêmica alguma, mas a reparação de um apagamento histórico”, disse Douglas Nascimento, colunista da Folha de S. Paulo, em artigo reproduzido pela ONG Geledés, influente no movimento negro e beneficiária de verbas da Open Society de George Soros. Para o colunista, a instalação das luminárias nos anos 1970 foi resultado de “copiar modismos estrangeiros que o brasileiro adora”. “O apagamento da identidade negra, se intencional ou não, obteve grande êxito”, afirmou Nascimento, que também critica que o governo alterou o nome da estação de metrô mais próxima de “Liberdade” para “Japão-Liberdade”.
Os comentários mais populares na coluna discordam do autor. “Não acho que destruindo alguma coisa se promova outra”, disse o leitor José Cardoso. “Por que não enfeitar o beco com outros motivos indígenas e negros? Essa militância não tem criatividade, combate a suposta exclusão com mais exclusão”, disse o leitor Mário Tagara.
Valéria Fernandes da Silva, doutora em história que mantém o blog sobre cultura japonesa “Shoujo Café” há quase 20 anos, tem memórias afetivas da Liberdade, onde passou sua lua-de-mel em 2001. “De minha parte, considero realmente triste a retirada dos postes”, disse a estudiosa. Ela concorda que há um “apagamento da presença negra”, mas questiona se a remoção das luminárias “ajuda em alguma coisa”. Para Silva, o novo nome da estação foi um erro, mas o nome dado em 2023 à Praça da Liberdade foi um acerto: “Liberdade África-Japão”.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo defendeu a remoção das lanternas Suzuranto da Rua dos Aflitos, afirmando que “buscou equilibrar o respeito às diferentes camadas culturais presentes no bairro da Liberdade, garantindo que a memória de cada grupo seja adequadamente representada”.
No início de 2022, a Mitra Arquidiocesana de São Paulo aprovou um projeto de restauração da Capela dos Aflitos, que é tombada como patrimônio pelo estado e o município. Em junho de 2023, a Prefeitura anunciou um projeto arquitetônico para um Memorial dos Aflitos, com um mirante para destacar a capela.
Aparência da Rua dos Aflitos ainda é de descaso
A reportagem da Gazeta do Povo esteve no local no sábado (23). A capela tem aspecto dilapidado, com pintura desgastada. Os toldos com o nome da capela e informações históricas estão sujos, e não há muitos sinais externos das obras previstas. O visitante é recebido com uma grade à frente da igreja. Moradores locais disseram que ela está fechada.
A União dos Amigos da Capela dos Aflitos (Unamca), cujo número já foi dado na entrada da capela para contatos a respeito de visitações, informou à Gazeta do Povo que a igreja esteve aberta pela última vez em 2 de novembro, sem perspectiva para reabertura devido à restauração. A entidade reproduziu nas redes sociais apoio à remoção das luminárias.
Toda a estética da rua é comprometida por pichações que tomam quase todos os prédios. Os postes com as luminárias já foram substituídos por postes de LED com design minimalista.
O serviço Google Maps mostra a Rua dos Aflitos como era antes da remoção, ainda este ano: os quatro pares de postes vermelhos, com três luminárias japonesas em cada, junto com a capela eram os poucos alentos estéticos na paisagem local. No modo street view, que permite visualizar a rua em três dimensões, a imagem ao fundo da rua não foi atualizada e data de 2019. Ela registra que as pichações pioraram muito em cinco anos.
Funcionários de um restaurante local expressaram desânimo com a remoção das luminárias. Já alguns visitantes mais jovens expressaram concordância com a decisão, reproduzindo jargão da militância.
Colaborou para esta reportagem José Flávio Júnior.
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