Ouça este conteúdo
Foi necessário apenas um fim de semana de estreia para ‘Minions: A Origem de Gru’, da Universal Studios, superar a parca bilheteria mundial de mais de duas semanas de exibição de ‘Lightyear’, da Disney. A animação derivada da franquia ‘Meu Malvado Favorito’ arrecadou mais de US$ 202 milhões nas bilheterias mundiais, de 1º a 3 de julho, enquanto a produção ligada a ‘Toy Story’ faturou US$ 187 milhões nos primeiros 15 dias em cartaz. Entre as muitas hipóteses que tentam explicar a rejeição ao astronauta da Disney, a maior delas parece estar ligada ao que as famílias esperam de um filme de animação: entretenimento livre de ideologias para todas as idades.
Desde que decidiu se afastar da visão do fundador, que manteve a política longe de seus filmes e parques, a Disney tem sentido no bolso os impactos de apostar em uma agenda progressista em suas produções. Em abril, uma pesquisa feita com eleitores norte-americanos pelo Trafalgar Group mostrou que 68% deles estavam menos propensos a fazer negócios com a companhia após a notícia de que seus planos incluíam a inserção de ideologia sexual nos conteúdos para crianças. Além disso, 70% dos entrevistados se mostraram dispostos a apoiar “alternativas familiares” à Disney.
Às vésperas do lançamento, ‘Lightyear’ foi alvo de críticas na internet por promover em uma cena de beijo lésbico - o que levou à proibição do filme em mais de uma dúzia de países do Oriente Médio e da Ásia. “A decisão da Disney de passar alguns minutos na tela nos lembrando que é uma empresa gay-friendly pode ter custado milhões em vendas de ingressos para o que deveria ser seu megassucesso anual da Pixar. A Disney tem que considerar a ideia de que pode haver muitos fãs da Pixar que não têm nenhum problema com o casamento gay e que, no entanto, prefeririam que o assunto fosse deixado de fora dos filmes infantis”, avalia o crítico de cinema Kyle Smith.
O que o público quer
Para além de uma cena isolada de beijo, na opinião de Kyle Smith, o fracasso de bilheteria da animação tem ligação com um afastamento mais profundo de Hollywood, e por consequência da Disney, de sua vocação inicial: “dar ao público o que ele queria”.
“Hoje a mensagem de Hollywood é: ‘Deixe-nos entretê-lo! Mas primeiro, uma breve palestra sobre o que há de errado com você, o público…’. Esses são assuntos importantes, mas as pessoas vão ao cinema principalmente para fugir. Uma razão pela qual ‘Top Gun: Maverick’ é um sucesso tão grande – o maior filme da carreira de Tom Cruise e provavelmente o maior filme deste ano – é que ele simplesmente ignora todas as questões controversas do mundo real. Maverick procura apenas entreter, não persuadir você de que as pessoas que o fizeram são virtuosas”, analisa o crítico.
Até esta semana, ‘Top Gun’ já havia arrecadado mais de US$ 1,24 bilhão em todo o mundo (sendo US$ 617 milhões nos EUA), batendo Titanic, que até então somava a maior bilheteria da história da Paramount nos Estados Unidos.
É precisamente nesse ponto que ‘Lightyear’ falha, e ‘Minions: A Origem de Gru’, assim como ‘Top Gun’, sabe atrair a audiência — oferecendo diversão livre de mensagem política. “Eu queria levar minha família para este filme [Lightyear]. Escolhi não fazê-lo porque estou cansada de uma agenda woke”, disse a ex-secretária de imprensa de Trump na Casa Branca, Kayleigh McEnany, em um programa da Fox. “Não me importo com o que seja, qualquer agenda, direita, esquerda, sendo empurrada na minha cara. Eu só queria assistir a um filme sobre brinquedos.”
“Talvez a Disney e a Pixar pudessem se concentrar em contar uma história em vez de distribuir propaganda para crianças”, opinou, por meio do Twitter, o psicólogo canadense Jordan Peterson, classificando o fracasso de ‘Lightyear’ como uma “vingança do mercado”, que já mostrou que a aposta em militância política afasta as famílias.
Outra polêmica da animação Disney foi a escalação de Chris Evans para a voz de Buzz Lightyear, no lugar do criador do papel, Tim Allen, conhecido por suas visões políticas mais conservadoras. Evans, aliás, classificou como “idiotas” os críticos do beijo gay no filme. "A verdade é que essas pessoas são idiotas. Quero dizer, acho que ao longo da história, você pode ver toda vez que houve avanço social quando acordamos, a história americana, a história humana, é de constante despertar e crescimento social. É isso que nos faz bem”, disse.
Cinema não deu lugar ao streaming
No início do ano, ao explicar a decisão de não distribuir ‘Red - Crescer é uma Fera’ nos cinemas (que foi direto para o streaming Disney +), o presidente de distribuição da Disney, Kareem Daniel, mencionou que os filmes familiares ainda estavam lutando para atingir níveis pré-pandêmicos de bilheteria. Essa foi uma justificativa evocada para tentar explicar o fracasso de bilheteria de Lightyear (primeiro lançado nos cinemas desde 2020, cujos custos de produção foram de US$ 200 milhões).
A hipótese de que as famílias de acostumaram a ficar em casa e esperar os filmes chegarem nos serviços de streaming cai por terra diante do sucesso de público de ‘Minions’, filme familiar de maior bilheteria desde o fechamento dos cinemas em decorrência da pandemia.
Para alguns críticos, o roteiro também explica o desempenho de ambas animações. Há quem considere ‘Lightyear’ adulto demais e pouco conectado ao enredo de ‘Toy Story’. Além disso, o marketing não conseguiu comunicar o propósito do spin-off (a trama traz uma espécie de filme dentro do filme, para contar a história do herói que teria inspirado o brinquedo Buzz Lightyear). Consequentemente, o público pode ter tido dificuldade de entender sobre o que é a animação, para além das já conhecidas polêmicas.
Já ‘Minions 2’ triunfa pela sua conexão mais direta com a franquia ‘Meu Malvado Favorito’ (o filme mostra a infância de Gru e as primeiras interações com os Minions) e pelo humor pastelão, que conquista todos os públicos. Sucesso nas redes sociais, o filme deu origem a memes e até a uma trend no TikTok, os GentleMinions, que tem levado jovens do mundo todo a ir vestidos de terno às sessões de cinema. Sem necessidade de ginástica mental para entender a animação, o público embarcou e a tendência é de novos recordes de bilheteria.