Há cinquenta anos, Ronald Reagan cometeu o que mais tarde ele admitiu ter sido um dos maiores erros de sua vida política. Como governador da Califórnia, ele sancionou uma lei que permitia o divórcio sem justificativa no estado.
A Califórnia foi o primeiro estado a tomar a medida, mas não o último. A assinatura de Reagan deu origem àquilo que se transformou numa revolução nacional do divórcio.
Em cinco anos, 44 estados fizeram a mesma coisa e aprovaram alguma forma de divórcio sem justificativa.
Muitos legisladores que fizeram pressão para a aprovação da medida tinham boas intenções. Na época, o divórcio era uma vergonha para o sistema legal. Como nenhum juiz encontrava “justificativa” para conceder o divórcio, os envolvidos geralmente faziam acusações falsas uns contra os outros, às vezes agindo em conluio para enganar o juiz e convencê-lo a dar o divórcio.
Claro que isso era um problema. Alguns advogados chamavam o sistema de “perjúrio institucionalizado”. Eles achavam que seria muito melhor diminuir as barreiras para o divórcio e, assim, eliminar o incentivo às alegações falsas.
Ainda assim, 50 anos mais tarde, o incentivo perverso ao perjúrio parece minúsculo se comparado com o desastre causado pela revolução do divórcio.
As consequências do divórcio sem justificativa não são um exagero. Foi como jogar uma bomba nuclear no ecossistema social do país – explosão que atingiu milhões de famílias e cuja consequência é pior do que poderíamos ter imaginado.
O efeito explosivo
Como era de se esperar, o país viu um aumento drástico nas taxas de divórcio depois da sanção das leis de divórcio sem justificativa. Entre 1960 e 1980, a taxa de divórcio mais do que dobro e permaneceu relativamente estável nos anos 1990.
A Geração X foi a primeira a sofrer os efeitos colaterais disso. Aproximadamente metade das crianças nascidas nos anos 1970 testemunharam o divórcio dos pais, um aumento estrondoso, já que essas crianças eram apenas 11% entre as nascidas nos anos 1950.
Duas dessas crianças da Geração X foram Tom DeLonge e Mark Hoppus. Mais tarde eles se tornaram cantores e o guitarrista e baixista, respectivamente, da popular banda punk Blink-182.
DeLonge e Hoppus nasceram na Califórnia de Reagan, nos anos 1970. No começo dos anos 1990, os dois sentiram o trauma do divórcio dos pais.
A canção “Stay Together for the Kids” [Fiquem juntos pelas crianças] captava o grito de uma geração desorientada com o divórcio. O clipe original da música mostrava uma bola de demolição destruindo uma casa — uma metáfora visual para o caos que o divórcio tinha gerado em seus lares.
DeLonge mais tarde explicou: “Você vê pelas estatísticas que 50% dos pais se divorciaram e você percebe que todo um grupo de crianças estavam com raiva e não concordavam com o que seus pais fizeram”.
Ele acrescentou: Essa é uma geração estragada? Sim, eu diria que sim”.
E o estrago continua. Todos os anos, um milhão de crianças norte-americanas veem seus pais se divorciarem. Metade de todas as crianças verão, em algum momento, seus pais se separarem. E o motivo mais comum para o divórcio? Falta de comprometimento, com 75%.
Pelo lado bom, a Geração X e os millennials parecem ter aprendido com seus pais e estão se divorciando menos. Entre 2008 e 2016, a taxa de divórcio na verdade caiu 18%.
Mas isso acontece porque, antes de mais nada, menos pessoas estão optando pelo casamento. Muitos millennials preferem morar juntos a se casarem – caminho que exclui o divórcio das opções.
Ironicamente, porém, a coabitação oferece menos segurança do que o casamento. Ela pode permitir que a pessoa tenha opções e elimina a batalha jurídica do divórcio, mas ao mesmo tempo dificulta o estabelecimento de uma relação de compromisso.
Evitando o casamento
Uma das marcas registradas de um país saudável e estável é a aplicabilidade dos contratos. Se duas pessoas assinam um contrato, uma delas não pode simplesmente descumpri-lo sem pagar pelas consequências.
Um contrato tem de ser firmado entre todos os envolvidos. De outro modo, ele não vale nada e as pessoas deixarão de assinar contratos.
O divórcio sem justificativa em essência anulou o contrato do casamento. Ele disse aos envolvidos que eles podiam quebrar suas promessas e se divorciar com base em “diferenças irreconciliáveis”.
Essas promessas derivam do entendimento que a sociedade tinha do casamento: uma realidade permanente que, uma vez imposta, assume um caráter transcendente que vai além dos caprichos humanos. Essa visão transcendente do casamento era a base de seu reconhecimento jurídico e os filhos resultantes da união tornavam sua estabilidade ainda mais importante.
Mas o divórcio sem justificativa rompe com essa ideia. Os votos maritais foram reduzidos a mera poesia para uma cerimônia romântica e perderam qualquer substância jurídica.
Para fins legais, “até que a morte os separe” se transformou em “até que nenhum dos dois mude de ideia”. Os cônjuges não dependem mais dos tribunais para fazer valer os votos matrimoniais porque, juridicamente, o casamento agora é algo distinto desses votos.
As pessoas geralmente acham que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é o grande Rubicão que mudou a visão dos Estados Unidos quanto ao casamento para sempre. Não é verdade.
O divórcio sem justificativa é que marca a ruptura na nossa ideia de casamento. O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi apenas a mais recente mutação numa instituição já destituída de seu sentido original.
Os millennials percebem isso ao rejeitarem o casamento. Eles o veem como a contradição em que se tornou. É melhor se juntar e não fazer promessas, pensam eles, do que fazer promessas que não se pode cumprir.
Pense na cultura do descarte
O divórcio fácil faz parte do que o Papa Francisco chama de “cultura do descarte”. Jogamos fora lixo, bebês e cônjuges indesejados. Assim é a vida numa cultura que rejeita o transcendente, a ideia de que temos deveres para com os outros por sermos seres humanos – e por pertencermos ao nosso mundo.
Essa cultura do descarte é consequência do que há de mais nocivo na religião contemporânea, isto é, a autorrealização. O credo do nosso tempo é o de que a felicidade privada da pessoa e sua autorrealização são seus maiores bens. Crianças, fetos e cônjuges que deixamos de amar devem se curvar à nossa busca pessoal pela felicidade.
Mas essa ideia contemporânea é uma demonstração de fraqueza.
Apesar de todo o nosso desencanto secular, ainda ansiamos por transcendência e pela transcendência propiciada pelo casamento. Queremos ter laços impossíveis de serem rompidos.
Como seres espirituais, queremos a solidariedade e a buscamos até mesmo em políticos de 77 anos que prometem “unir as pessoas”.
O divórcio sem justificativa nos faz buscarmos permanência e transcendência nos lugares errados. A ironia é que, apesar de muitos entre nós denunciarmos a destruição do casamento, ainda não está claro se estamos dispostos a realinhar nossos valores a fim de reconstruir o que foi destruído.
Para quem está disposto, a solução está disponível. Devemos começar a valorizar a fidelidade nos relacionamentos, e não nossos inatingíveis desejos de autorrealização.
Mudanças jurídicas para impedir o divórcio sem justificativa também devem surgir, mas, acima de tudo, precisamos de uma cultura que valorize a fidelidade – que rejeite a infidelidade. Cônjuges que buscar o divórcio com justificativas fracas precisam de um obstáculo em seu caminho, um obstáculo que não seja apenas jurídico, mas também cultural. Quebrar nossas promessas deveria ter um custo social.
A fidelidade é a única coisa forte o bastante para reconstruir as bases da nossa sociedade. É o que a Bíblia chama de “pacto de fé” e que, no longo prazo, é a coisa mais bela da vida à nossa disposição.
É ainda a coisa mais recompensadora, porque a felicidade autocentrada é uma tolice. Não encontramos felicidade ao criarmos nossa própria realidade, e sim encontrando nosso lugar de direito dentro da realidade.
É muito mais fácil destruir do que criar do nada e manter uma relação. Vivemos as consequências de 50 anos de destruição desses laços e agora cabe a nós reconstruí-los.
Talvez o ato mais heroico da juventude norte-americana no século XXI seja exercer um papel pequeno, mas importante, no esforço de reconstrução do casamento – casar-se e se apegar a um cônjuge até que a morte os separe.
Daniel Davis é editor de opinião do Daily Signal e coapresentador do podcast Daily Signal.
© 2019 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês
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