Combinação de hostilidade com imprensa e falta de confiança da inteligência americana favorecem vazamentos| Foto: MANDEL NGANAFP

Um dos primeiros atos do presidente Donald Trump, um dia após a posse, foi visitar a Agência Central de Inteligência (CIA), onde afirmou que estava “em guerra” contra os meios de comunicação. Mas nem esta sinalização de prestígio impediu que, rapidamente, a relação entre o republicano e os organismos de informação se deteriorasse a ponto de virar uma nova frente de batalha para o magnata. Vazamentos em série de atos da Casa Branca complicam o presidente a cada dia, que reage afirmando ser vítima de uma “caça às bruxas”, turbinando os que acreditam nas teorias de conspiração de que há um complô contra Trump. 

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Ao mesmo tempo que foi alvo de boatos — jornais souberam por fontes sigilosas que Trump passou informações secretas a autoridades russas, que o ex-diretor do FBI foi demitido depois que pediu e teve negado mais recursos para investigações, e que Trump teria solicitado o arquivamento de uma investigação sobre seu conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn — o presidente também ajudou a criar este ambiente. Pelo Twitter, ameaçou o ex-diretor do FBI, dizendo que “é melhor” que ele não tenha uma gravação para vazar, além de ter afirmado que houve fraude de milhões de votos nas eleições e que o ex-presidente Barack Obama o espionava. 

O republicano, em quatro meses de governo, criou um ambiente que incentiva este clima de vazamentos, espionagens e teorias da conspiração. O fato de seu maior escândalo envolver russos, invasão de sistema e divulgação de dados favorece ainda mais este clima. O Partido Republicano tem pedido doações a seus seguidores, esta semana, em um e-mail intitulado “sabotagem”. E Trump chegou a comparar os diversos órgãos de inteligência do país — são 17 — à estrutura nazista de comunicação. 

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“A relação de Trump com a imprensa é hostil desde antes da posse, o que faz jornalistas buscarem mais fontes e serem mais críticos. Junto a isso, fica cada vez mais óbvio que as agências de Inteligência não confiam no presidente, favorecendo o vazamento de informações”, afirmou Juan Carlos Hidalgo, analista de políticas públicas do Centro para a Liberdade e Prosperidade Global do Cato Institute. “E, do lado de Trump, defender que há teoria da conspiração ajuda a manter seus eleitores. Temos que lembrar que menos de 40% dos americanos o aprovam, mas isso ainda é quatro vezes mais que a aprovação dos congressistas. Assim ele, que com pouco mais de cem dias já começou a ver o risco do impeachment, tenta se segurar.”

Voice of America publicou que parte da mídia favorece a divisão do país e este clima de tensão: enquanto a maioria dos veículos cobre prioritariamente a possível influência russa nas eleições e a interferência do presidente nas investigações, outros meios estão mais alinhados à visão da Casa Branca. O apresentador de rádio Alex Jones adverte que há um complô dos “globalistas” contra as propostas do nacionalista Trump, enquanto a conservadora Fox News alertou nesta semana haver uma “aliança para destruir o presidente”, linha adotada em muitas redes sociais de apoiadores do magnata. 

Para Michael Traugott, professor da Universidade de Michigan, estes problemas mostram o que pode acontecer com um governo de pessoas tão inexperientes. Segundo ele, Trump pode ser hábil na comunicação direta com a população, mas falhou em sua gestão política: 

“A tendência é que a situação política do governo piore ainda mais”, disse. 

O fato de mudar de opinião rapidamente e desmentir assessores — que muitas vezes falam pontos contraditórios simultaneamente — agrava a tendência dos vazamentos. A pouca confiança entre os membros da equipe e a tendência de Trump explorar o contraditório deixam pessoas irritadas, incentivando o envio de informações à imprensa. 

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Falta de exemplo estimula atitude 

Muitos presidentes viveram problemas com a Inteligência ou com vazamentos: George W. Bush teve seu governo manchado pelo relatório falso da CIA que alegava que o Iraque tinha armas de destruição em massa, desculpa para uma sangrenta guerra, e Barack Obama sofreu, em 2013, com as informações divulgadas pelo ex-agente Edward Snowden sobre uma complexa rede de espionagem de líderes estrangeiros, inclusive a ex-presidente Dilma Rousseff. Mas nenhum deles viveu uma crise tão profunda e rápida como Trump. 

Erick Langer, historiador da Universidade de Georgetown, contudo, afirma que o presidente reclama dos vazamentos, mas ele mesmo incentiva este tipo de atitude: 

“Se Trump passa segredos a autoridades estrangeiras, como poderá cobrar de funcionários que delatam informações à imprensa?”, indagou o professor, lembrando que o exemplo é primordial para pedir correção de seus subordinados. 

O perigo é que, com este clima de Guerra Fria e a Rússia voltando ao noticiário, o governo de Trump continue paralisado e com risco real de impeachment. Aí, sim, de certa forma, será cumprida a profecia destas teorias da conspiração.

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