Desde que retornou à vida pública, após um longo ano internado em clínicas de reabilitação, o psicólogo canadense Jordan Peterson coleciona novos projetos: além de lançar a esperada continuação de seu best-seller “12 regras para a vida” - “Para Além da Ordem: Mais 12 Regras” (Editora Alta Books), já resenhado pela Gazeta do Povo -; o ex-professor da Universidade de Toronto que conquistou o público ao enfrentar o politicamente correto tomou as rédeas de seu antigo podcast e vem conduzindo uma série de entrevistas com artistas, jornalistas e pesquisadores de prestígio.
Quem acompanha e admira o trabalho de Peterson será tentado a maratonar todas as conversas, que contam com nomes do calibre de Matthew McConaughey, vencedor do Oscar e pré-candidato a governador do Texas; Stephen Fry, do elenco de “Game of Thrones”; o bispo californiano Robert Barron, a jornalista Abigail Shrier, autora do livro “Irreversible Damage”, o ambientalista Bjørn Lomborg e até o blogueiro Mark Manson, autor do best-seller “A sutil arte de ligar o f*da-se”. Mas uma das últimas entrevistas publicadas pelo psicólogo caiu nas graças do público ao reunir dois dos intelectuais conservadores mais proeminentes da atualidade: Jordan Peterson e Theodore Dalrymple.
Pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels, que passou a vida trabalhando em presídios e hospitais psiquiátricos de países subdesenvolvidos, Dalrymple é um antigo conhecido dos leitores da Gazeta do Povo. Ouvi-lo conversar com Peterson, que diz ter apreciado obras como “A Vida na Sarjeta” e “Podres de Mimados: as Consequências do Sentimentalismo Tóxico“ (É Realizações), é um passatempo agradável e instrutivo para quem estima a assertividade elegante de dois autores tão distintos e com tanto a contribuir. Veja, abaixo, alguns dos pontos altos da conversa.
A importância do casamento e da família
Logo no início da entrevista, Peterson pede que Dalrymple conte um pouco sobre sua experiência em presídios e hospitais de baixa renda; cenários que o psiquiatra descreve como tomados "tomados por um colapso social completo". "Quase não havia famílias. Frequentemente, quando eu perguntava a um jovem infrator 'quem é o seu pai?" ele me respondia 'meu pai de hoje?', ou simplesmente não conheciam", narra o Dalrymple, apontando que a violência doméstica também era um problema endêmico.
A dupla, então, começa falar sobre o tema que levou aos reiterados "cancelamentos" de Jordan Peterson pela mídia: a defesa incondicional do casamento. "Serei visto como um reacionário", avisa Dalrymple, antes de explicar que, porque o sexo foi afastado de seu aspecto contratual, os homens querem submissão de sexual de suas perceiras, mas completa liberdade para si mesmos - e o lado mais frágil desta conta que não fecha é a mulher. Peterson, então, lembra que já foi atacado por dizer que uma das soluções para o problema universal da agressão masculina, especialmente na juventude, é o "desenvolvimento de normas monogâmicas e a aplicação social dessas normas".
"Eu fui criticado por isso como se estivesse dizendo que os governos devem entregar mulheres inseguras a homens indesejáveis apenas para reforçar a monogamia; quando tudo o que eu disse foi que, além do fato de uma família com dois pais ser claramente muito melhor para as crianças, as sociedades que permitem a poligamia desregulada apresentam níveis extraordinariamente altos de violência", diz o psicólogo.
Deixando claro que "um casamento ruim do qual você não consegue escapar é o inferno, Dalrymple advoga que o compromisso nunca foi fácil, e acredita que as pessoas simplesmente pensaram que poderiam se livrar de todas as inibições e frustrações, "toda a beleza da personalidade humana emergiria", até que o amor acabasse. "Só que essa é uma visão muito superficial das coisas", diz o psiquiatra. Ambos concordam que os intelectuais que defendem o fim dessas estruturas, em geral, estão muito bem protegidos por elas: a maioria destes “privilegiados” não sofrerá as consequências da instabilidade familiar.
Os limites do Estado de bem-estar social
A cultura de vitimização fomentada pela emergência do Estado de bem-estar social britânico sempre foi um dos principais alvos das obras de Theodore Dalrymple, que reafirma a Jordan Peterson suas conhecidas críticas ao assistencialismo. O próprio Peterson avalia que não está convencido de que simplesmente dar mais dinheiro às pessoas é suficiente para tirá-las da pobreza, uma vez que a “a pobreza é uma condição muito mais complexa do que a falta de dinheiro, ainda que este seja um elemento fundamental”.
Dalrymple expõe, então, sua crença no fato de que o Estado de bem-estar social britânico “criou uma classe de pessoas que não tinham nada pelo que esperar e percebeu que ir trabalhar não faria muita diferença, economicamente”. “Pessoas que se comportam mal acabam passando mais necessidades. Se você retirar o mérito de todas as considerações isso significa, na verdade, uma fonte de significado da vida é completamente removida”, explica.
O psiquiatra conta um caso no qual pediu que uma assistente social o auxiliasse com uma família, tendo sido vítima de uma série de catástrofes, realmente merecia ajuda; ao que ouviu da servidora: “todas as pessoas merecem ajuda”. No limite, como explica o psiquiatra, “não havia como distinguir uma pessoa passando por real necessidade de uma pessoa que perdeu tudo porque se drogou e ateou fogo na própria casa”. “O sistema foi feito para que eles sejam vítimas de suas próprias vidas e de seu próprio comportamento”, defende Dalrymple; abrindo a porta para que Jordan Peterson discorra sobre um de seus temas favoritos: a responsabilidade. Em dado momento, o psicólogo diz que as pessoas realmente não têm ideia do quanto a vida pode melhorar se elas mudarem de comportamento.
O sentimentalismo tóxico
Mais uma vez, Peterson e Dalrymple concordam que a classe intelectual é responsável por boa parte desta erosão de valores. “Algo que está claro sobre os intelectuais é que um de seus maiores medos é o de serem considerados muito críticos. E, claro, ser um crítico não é uma qualidade muito atraente; e a melhor forma de evitar ser visto assim é deixar de fazer qualquer julgamento. Mas isso é completamente impossível”, avalia o psiquiatra, complementado pelo canadense: “todo ato é hierárquico e implica uma estrutura de valores”.
Dalrymple explica, então, que quem se abstém de fazer julgamentos está, simplesmente, facilitando julgamentos piores, e admite temer ser mal interpretado sempre que é duro. “Essas pessoas vêm de classes baixas, recebem uma educação terrível, e aqui estou eu dizendo que o que está causando sua infelicidade é seu comportamento”, reflete o escritor. Citando a obra do britânico, Peterson localiza o problema na emergência do “sentimentalismo tóxico”, ou o “excesso de empatia”. A dupla reflete, então, sobre o que seria o equilíbrio entre a gentileza, o auto-sacrifício e a atenção ao próximo e a elevação das emoções a um estado de inquestionabilidade. “Se alguém expressa angústia, não perguntamos como ela surgiu - só tentamos aliviar. Oscar Wilde diz que o sentimentalismo é querer viver a emoção sem seus custos. É o que a cafonice é para a arte”, diz Dalrymple.
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