Duas semanas após o cancelamento da exposição “Queermuseu”, em Porto Alegre, ainda pairam dúvidas sobre o total de escolas – e quais – teriam efetivamente visitado a mostra. A crítica parte de grupos políticos que se opuseram à iniciativa do Santander Cultural, apontando que a presença de estudantes em uma exibição com este teor seria contrária à definição da Assembleia Legislativa gaúcha, que retirou a identidade de gênero dos temas a serem debatidos pelo currículo estadual.
Dentro do previsto pela Lei Rouanet, que garantiu o financiamento da exposição por meio de renúncia fiscal, a mostra não deveria ter limitações de acesso, o que incluía sua abertura ao público em idade escolar.
O Santander produziu uma cartilha a ser distribuída entre os professores como forma de orientar as atividades no museu, além de um material com jogos lúdicos que traziam perguntas como “rosa é de menino?”, “o que é Queer?”, “o que é gênero?” e “o que significa LGTBQ?”.
Também foi oferecida capacitação prévia para os professores que guiariam as visitas na exposição – estima-se que em torno de quarenta docentes tenham participado do treinamento especificamente montado em torno das obras reunidas no “Queermuseu”. Além do material de orientação distribuído entre as escolas, o museu contou com monitores especializados para orientar as visitas, particularmente aquelas envolvendo crianças em idade escolar.
Na última semana, o deputado estadual Marcel Van Hattem (PP) apresentou ao plenário da Assembleia gaúcha, em tom de denúncia, a cartilha produzida pelo museu: “essa cartilha foi distribuída nas escolas e nós aprovamos por meio de diversas emendas neste plenário que ideologia de gênero não é matéria de debate dentro de escola. A história de que se criança é homem ou mulher por ser uma construção social não é matéria de debate dentro de escola”, disse o deputado em seu pronunciamento.
Contradições no Ministério Público
Após o início das investigações pelo Ministério Público, Van Hattem também difundiu as declarações de dois Procuradores de Justiça Criminal, Alexandre Lipp e Sílvio Munhoz, que visitaram a exposição após seu fechamento. “Independentemente de ser arte ou não, de gostar ou não, o que não se pode conceber é um conteúdo que serve visivelmente para erotizar crianças e adolescentes, e que as escolas estejam fazendo isso sem conhecimento e consentimento dos pais”, diz Munhoz.
Os fortes apontamentos por parte de dois de seus membros fizeram com que o Ministério Público do Rio Grande do Sul se apressasse a lançar uma nota oficial em resposta. Assinada pelo Procurador-Geral Fabiano Dallazen, o documento esclarece que as declarações em questão não passaram da opinião pessoal de Lipp e Munhoz, e a posição oficial da instituição continua a ser aquela adotada pelo Promotor de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Júlio Almeida.
Almeida, que havia visitado a exposição logo após seu cancelamento para apurar as denúncias sobre seu conteúdo, havia declarado à imprensa que a exposição não configurava crime de pedofilia, pois as imagens com crianças não representavam genitália ou simulação de ato sexual. O MP recomendou ao Santander Cultural que, em futuras exposições, sejam definidas áreas restritas em que crianças e adolescentes não possam entrar desacompanhadas de pais ou responsáveis legais.
Procurado pela reportagem, Dallazen afirmou que não seria oportuno se manifestar sobre o caso neste momento, e que a postura do MP não mudou, seguindo o que for determinado pela investigação liderada por Almeida.
Escolas
Uma das maiores críticas daqueles que se opuseram à exposição é o silêncio do Santander em relação a detalhes sobre a visitação de escolas. Ainda não se sabe quais e quantas participaram da mostra, apesar de solicitações por informações enviadas por pais, por políticos e pela imprensa. À reportagem, o banco disse não ter novos comentários sobre o caso, e que a posição oficial ainda é a da nota divulgada há duas semanas, quando a exibição foi cancelada.
Através de sua assessoria, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre informou “não ter notícia de nenhuma escola da rede municipal de ensino que tenha visitado a exposição”. Já a Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul afirma não dispor de registros sobre as atividades fora de sala de aula realizadas pelas escolas da rede, seja em relação ao caso do “Queermuseu” ou a outros tipos de visitas.
O tema das visitas permanece delicado especialmente pela determinação da Assembleia Legislativa de que temáticas como a abordada na exposição não poderiam ser discutidas nas escolas gaúchas, o que poderia gerar complicações judiciais para os professores envolvidos. O deputado Marcel Van Hattem afirma ter solicitado ao Santander informações sobre as escolas que visitaram a mostra, a fim de informar pais e tomar providências junto às direções escolares, ao conselho tutelar e ao MP.
Segundo Van Hattem, o requerimento foi ignorado. “Nós estamos pedindo as listas de visitas, mas até agora não recebemos retorno”, disse o deputado à reportagem. “Mas as fotos que circularam são da exposição de Porto Alegre, essas visitas aconteceram”. Procurado pela Gazeta do Povo, o banco não se manifestou sobre o assunto e sequer confirmou ter recebido a solicitação.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura