O segundo-tenente britânico P. D. Elliman havia escapado da investida alemã em meio à chuva intensa. Ele e seus homens da Artilharia Real haviam fugido de um caminhão que eles foram forçados a abandonar. Agora, na noite de 29 de maio de 1940, eles se encontravam presos com milhares de outros soldados na praia na cidade costeira de Dunkirk, no norte da França.
A vinda fumaça dos tanques de óleo incendiados acumulava-se sobre a cidade. E bombardeiros “Stuka” alemães, equipados com sirenes horrendas, atacavam de cima “como um bando de enormes e infernais gaivotas”, Elliman escreveria mais tarde.
De repente, um deles atingiu o local em que ele e seus homens se escondiam.
“Eu o ouvi caindo em um mergulho vertical em cima de mim”, ele escreveu, de acordo com o historiador Hugh Sebag-Montefiore. “Eu estava agora entorpecido por conta de horas . . . de explosões . . . então a iminência da morte não me causou um grande sentimento de medo . . . o momento seguinte: Um choque! Escuridão! E então a visão de areia caindo . . . eu percebi que não haviam me atingido. . . eu podia ouvir o avião sobrevoando Dunkirk”.
O drama da Segunda Guerra mostrado em Dunkirk – raramente lembrado pela maior parte dos americanos – é o assunto do novo filme de mesmo nome que está sendo lançado nesta sexta-feira (28). O projeto do diretor britânico Christopher Nolan busca resumir os oito dias de tragédia, desespero e heroísmo em 107 frenéticos minutos.
Os Estados Unidos, que levariam mais um ano e meio até finalmente entrarem na Guerra, assistiram à calamidade de Dunkirk à distância. Para os americanos, Pearl Harbor, Iwo Jima e o Dia-D se tornariam os eventos mais memoráveis da guerra.
Mas na Grã-Bretanha, o evento ainda ressoa poderosamente.
“Ele mostrou a nação em sua melhor forma”, Sebag-Montefiore escreveu.
“Muitas pessoas de diferentes estratos sociais se juntaram para mostrar o famoso espírito capaz de realizar qualquer coisa. Praticamente toda família britânica ou tem ou tinha um familiar ou conhecido que esteve lá”.
Dunkirk foi o local de evacuação de 338 mil tropas britânicas e francesas que haviam escapado do exército alemão quando este atacou a Bélgica e a França nos primeiros meses da Segunda Guerra. Os desgastados soldados aliados foram empurrados a um canto estreito à beira-mar onde eles haviam sido bombardeados e encurralados, esperando aniquilação.
A Grã-Bretanha esperava que apenas 30 mil fossem salvos.
Ao invés disso, de 26 de maio até 3 de junho, uma quantidade muito maior foi resgatada por 800 navios de guerra, cruzeiros, botes salva-vidas, rebocadores, barcos pesqueiros, a vapor, de bombeiros e ainda um navio draga do rio Tâmisa, que os levaram em segurança através do Canal da Mancha.
Em um caso, brevemente representado no filme, um pai e filho navegaram em seu iate desde Southampton até Dunkirk para ajudar na tarefa, conforme o historiador marítimo britânico E. Keble Chatterton.
Mas os navios também desafiaram ataques aéreos, assim como fogo de artilharia vindos das margens, além de torpedos, minas, marés traiçoeiras e o clima.
Muitos deles, incluindo um navio-hospital cujo desaparecimento é mostrado no filme, nunca retornaram. Vinte e cinco navios destroieres da Marinha Real, juntamente com cerca de 150 outras embarcações, foram perdidos ou danificados, segundo o livro de Sebag-Montefiore, “Dunkirk: Fight to the Last Man” (“Dunkirk: Luta até o último homem”, em tradução livre, sem edição em português).
“Foi em condições como essas que nossos homens resistiram”, disse o primeiro-Ministro britânico Winston Churchill à Câmara dos Comuns em 4 de junho de 1940, quatro semanas após assumir o posto.
“Com pouco ou nenhum descanso, por dias e noites sem fim . . . em meio a águas perigosas, sempre trazendo consigo aqueles que haviam resgatado”.
O lamento foi que “tantas das pequenas embarcações, que desapareceram na bruma de Dunkirk, não deixaram para trás vestígios e jamais receberão os agradecimentos por seus feitos”, escreveu Chatterton em 1940 em seu livro “The Epic of Dunkirk” (“O épico de Dunkirk”, em tradução livre, sem edição em português).
Assim que a Grã-Bretanha percebeu a magnitude das vitórias do exército alemão em maio de 1940, convocou e requisitou barcos de todos os tipos para auxiliarem na evacuação. Como muitos soldados estavam reunidos na praia, barcos para águas rasas eram necessários, juntamente com barcos a vapor maiores que poderiam carregar mais homens.
Frequentemente, as embarcações maiores aguardavam em um local de águas mais profundas enquanto barcas e barcos a remo buscavam os soldados na praia.
Embarcações como o Constant Nymph, um iate a motor que pertencia a um médico londrino, cumpriram tal jornada, assim como o Royal Daffodil, um barco de lazer novo, e um elegante barco a vapor, o Crested Eagle, cujos restos ainda estão espalhados pela praia de Dunkirk.
O rebocador St. Abbs foi e nunca voltou. O navio-hospital Paris, de triste destino, fez seis viagens e foi bombardeado e metralhado em sua última. O barco a vapor St. Seiriol fez sete viagens, sobreviveu a inúmeros ataques aéreos e resgatou 900 homens. Em meio a tudo isso, o esforço era imenso e em um certo ponto um médico militar simplesmente enviou o capitão e sua tripulação para descansarem em casa. A partir daí, outra tripulação assumiu o posto.
O major Rupert Colvin, da 2ª Guarda dos Granadeiros, e seus homens, foram levados por uma lancha que estava a rebocar alguns botes salva-vidas. Eles partiram em direção a um destroier britânico, provavelmente o HMS Keith. Ao se aproximarem da embarcação, porém, esta foi atacada por aviões inimigos e escapou assim que seus homens abandonaram o navio, segundo Sebag-Montefiore.
Colvin, juntamente com os sobreviventes do HMS Keith e de um navio varredor de minas naufragado, foram levados a bordo do St. Abbs. “A maior parte deles estava praticamente morto por conta do frio” e cobertos de óleo, Colvin recordou. Um homem usava um colete salva-vidas mas havia perdido parte de seus dois braços, abaixo do cotovelo.
Então o St. Abbs foi atacado por aviões alemães. O rebocador foi partido ao meio e naufragou em 45 segundos de batalha. Colvin estava jogado novamente ao mar.
“Homens estavam agora morrendo a todo momento de cãibras e seus pedidos de ajuda eram patéticos”, ele escreveu. “Foi a segunda vez naquele dia que muitos daqueles marinheiros haviam enfrentado o afogamento. Nós todos estávamos muito próximos do fim de nossa corrente”.
Ele foi, a certa altura, resgatado por outro navio e atacado novamente, mas conseguiu sobreviver.
O Crested Eagle foi “um dos cascos mais bonitos já utilizados no Tâmisa”, escreveu Chatterton. No entanto, o barco a vapor explodiu em chamas quando foi atingido.
“Muitos homens foram vistos pulando ao mar e quando ele atingiu a praia era apenas uma massa de calor escaldante que nada nem ninguém tinha o poder de apagar”, ele escreveu. “Os londrinos não perdoarão facilmente os nazistas por terem destruído o Crested Eagle”.
Dunkirk, a evacuação, foi encerrada, assim como “Dunkirk”, o filme, com as palavras de Churchill.
“Nós iremos até o fim”, ele disse. “Nós defenderemos nossa ilha a todo custo. Nós lutaremos nas praias . . . nós lutaremos nos campos e nas ruas. Nós lutaremos nas colinas. Nós jamais nos renderemos”.