O chefe do escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes, o italiano Antonio Maria Costa, disse, no fim do ano passado, que grande parte dos bilhões de dólares do tráfico de drogas no mundo foi absorvido pelo sistema bancário internacional. O dinheiro, de acordo com ele, teria colaborado muito para controlar o colapso econômico durante a crise.
A informação dá a dimensão do problema representado pela venda ilegal de drogas. O crime gera a violência que mata milhões pelo mundo, além de causar a morte de outros tantos milhões. Em tempos de guerra ao tráfico no Brasil, incursões em morros e ataques feitos pelo crime organizado, é quase impossível não se perguntar se é possível acabar com o tráfico de drogas e controlar o consumo.
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A Gazeta do Povo entrevistou dez pessoas, entre especialistas e representantes da sociedade, para tentar responder essas questões. Em resumo, a maioria dos consultados apontou para um tripé simples na teoria, mas, na prática, de difícil aplicação. Na opinião deles, investimento em ensino, saúde e segurança pública são essenciais. Apesar de algumas opiniões em comum, há pensamentos quando o assunto é a legalização das drogas.
A educadora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Araci Asinelli da Luz, conhecida por sua atuação na área da infância e adolescência, começa sua fala expondo uma realidade que a maioria não gostaria de ouvir. “Primeira coisa. Não vamos ter um mundo livre das drogas. Dizer o contrário é papo furado”. De acordo com ela, todos os dias as pessoas trocam os efeitos de uma determinada droga por outro mais forte. “Precisamos de políticas que permitam que as pessoas convivam com a droga diminuindo os danos pessoais e sociais”, opina Araci.
Para que isso ocorra, é preciso de uma conscientização maciça de que a droga faz parte da sociedade. “Porque historicamente estamos sempre em busca de poder, felicidade e de status”. De acordo com a educadora, uma sociedade que quer paz, deve ter paz ensinada nas escolas. “O assunto tem que fazer parte do currículo escolar”.
A explicação do ex-delegado da Polícia Civil e hoje terapeuta especialista em dependência química, Nasser Salmen, passa por uma máxima conhecida, mas que ainda faz sentido: “O comércio de drogas só existe porque tem consumidor”. Ex-dependente químico, o policial acredita que a prevenção é o principal fator para diminuir o tráfico e o consumo. Para o primeiro mal, sugere policiamento rígido nas fronteiras. No segundo quesito, propõe o investimento pesado em clínicas especializadas e reforço nas campanhas de conscientização.
A tomada de consciência relatada pelos dois especialistas exige um caminho longo. Um dos obstáculos pode ser explicado pelo tamanho da oferta. De acordo com o programa Narcodenúncia, o 181, nos últimos três anos foram apreendidos no Paraná 156 toneladas de maconha. No Rio de Janeiro, durante a ação da polícia no Complexo do Alemão, foram encontradas mais de 30 toneladas da droga, número acima do que foi apreendido em todo Paraná neste ano (28 toneladas).
O fato pode ser considerado um indício de que as apreensões são um número muito pequeno perto do que circula. Por isso, antes de reprimir os pontos de venda e derrubar o sistema financeiro do tráfico de drogas, é preciso olhar por onde o problema começa: nas fronteiras, como mostrou a reportagem de Mauri König, publicada ontem na Gazeta do Povo. Para o ex-secretário Nacional da Segurança Pública, coronel José Vicente da Silva Filho, as Forças Armadas do Brasil devem estar nas divisas com mais efetividade. “Mas é preciso ter recurso para isso”, lembra.
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Plano Nacional
O tráfico de drogas tem se organizado cada vez mais, vide os ataques coordenados no Rio de Janeiro, uma união entre facções para rebater as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Diante desse panorama, uma reação integrada de todos os estados deveria fazer frente a essas ações do crime. É o que propõe o delegado federal Wagner Mesquita. “Não há hoje uma política nacional. Todos os segmentos do estado não se reúnem para traçar uma meta”, afirma.
A integração entre os estados parece ser fundamental, devido ao problema que atinge todas as unidades da federação. O mesmo traficante do Rio de Janeiro atinge a sociedade paranaense, paulista, entre outros locais, em razão das suas conexões intermináveis. Um exemplo é o braço-direito de Fernandinho Beira-Mar, o traficante Marcelinho Niterói, foragido há anos. De acordo com o Ministério Público Federal, ele tem um mandado de prisão em aberto no Paraná por tráfico de drogas. Niterói é um dos líderes do Comando Vermelho e coordenava o comércio de drogas no Complexo do Alemão.Mas, na semana passada, conseguiu fugir das ações, infiltrando-se nas favelas. "É preciso integração de todas as áreas estado, município, terceiro setor. A saída automática não existe. São custosas e complexas", opina o procurador de Justiça Leonir Batisti.
Armas
Para o sociólogo Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o uso e o tráfico de drogas não é o problema, mas sim, o comércio ilegal de armas. “O problema é a violência associada ao tráfico de droga. Tem tráfico na classe média e alta que não envolve violência”, conta. Na opinião dele, se for possível controlar o tráfico de armas, o controle de parte da violência poderá ocorrer. Misse acredita que a população pobre que usa o tráfico de drogas como meio acaba se armando para se defender. Esse fato, de acordo com ele, seria um dos pontos problemáticos da venda de drogas. “Em Brasília há delivery de droga e não tem violência”, diz.
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Sem tecnologia controle fica difícil
Se a quantidade de drogas que circula é muito maior do que é apreendida, é preciso secar a fonte. Além da Tríplice Fronteira, outra preocupação da polícia são os portos. Em Paranaguá, por exemplo, foram apreendidos 4 toneladas de cocaína dentro de contêineres, em fevereiro do ano passado. Segundo Mesquita, os policiais localizaram o produto porque tinham a informação de onde estavam. Se dependesse dos scanners para ver o que está dentro dos contêineres sem abri-los, talvez, essa cocaína já teria sido até consumida mundo afora.
“O resultado do scanner [quando passaram pelo contêiner] era negativo. Se não tiver tecnologia e inteligência...”, lembra.
Para o presidente da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), José Lúcio Glomb, é necessário lembrar que os portos precisam de segurança mais consistente. “A educação e saúde, a atividade de inteligência [policial] tem que ser integrada com vigilância da fronteira e nos portos”, ressalta. Na opinião de Glomb, outro ponto importante é a fiscalização na indústria química. “Também devem ter uma atenção especial”. Para que a cocaína seja produzida, junto da folha da coca, são necessários insumos químicos, produto de uma indústria forte no país.
Legalização é debate necessário
A Lei Federal 11.343 proíbe todo tipo de comércio de drogas no Brasil. Não é de hoje que a legalização tem sido cogitada, mas nunca foi debatida amplamente. Já a descriminalização do usuário, sim. Hoje, quem é comprovadamente apenas usuário de drogas pode cumprir penas alternativas, ser encaminhado para tratamento, mas não vai preso.
O ex-secretário Nacional da Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, acredita que a discussão deve ser reaberta. Mas ainda não vê como o Estado poderia controlar a legalização. “É preciso saber como fazer. Não conseguimos nem deter a pirataria”, diz.
De acordo com o psiquiatra Dagoberto Requião, legalizar não é o caminho. “Num país que adultera até a merenda escolar, como seria a legalização?”, questiona. Para ele, a saída é a família, escola e segurança. “A prevenção primária é fundamental para capacitar as pessoas a dizerem não”.
Para o delegado federal Wagner Mesquita, o comércio legal de drogas não acabaria com a venda ilegal. “A liberação das drogas só é bom para o usuário e para o traficante”. De acordo com o policial, se medidas como a legalização acabassem com as vendas ilícitas, não haveria mais contrabando de bebida, cigarro, remédios.
Entrevista
Rodrigo Rocha Loures, presidente da Federação das Indústrias do Paraná.
Quais alternativas para erradicar o consumo de drogas?
Eu entendo que a droga é consequência dos desajustes familiares, de carências de infância e das deficiências da educação. A experiência que temos no colégio Sesi é que o tipo de educação mais humanizada leva a uma redução significativa nos casos de consumo. Os próprios estudantes relatam isso. A melhor maneira de prevenir o consumo é fortalecer o caráter, a estrutura pessoal de cada criança.
A violência gerada pelo tráfico pode ser contida por esse caminho também?
Neste caso, só através de repressão. Apenas uma ação montada e estruturada para romper com isso.
Como os empresários podem colaborar?
Promovendo a qualidade da educação nas regiões de suas empresas através do trabalho voluntário ou estimulando o trabalho voluntário dos seus funcionários. Geralmente, pessoas que participam desses programas ficam menos expostas às drogas e contribuem para melhorar o clima social. O empresário pode colaborar.
Entrevista
Padre Carison Kapelinsnki, coordenador da Paróquia São Cristóvão, na Vila Guaíra, em Curitiba, e diretor do Instituto Salesiano.
Na sua opinião, o que é preciso para acabar com o tráfico e consumo de drogas?
A saída está na educação. Na parte preventiva. Quando a pessoa já entrou no mundo das drogas é muito difícil sair. A solução seria prevenir e as pessoas não experimentarem qualquer tipo de droga, especialmente as proibidas. Isso passa também pela valorização da família. A droga aparece, às vezes, quando falta um sentido para viver.
Como a religião pode ajudar nisso?
As pessoas não podem viver aqui de qualquer jeito. Tem que viver fazendo o bem, o melhor para as pessoas que estão em sua volta. Alguém que crê em algo maior, não vai sair para matar para usar drogas, não vai roubar, como muitos traficantes. Ela não vê apenas o desejo imediato para ser feliz, mas ela vê que tem que ter algo a mais. Sem Deus não temos como fazer um trabalho educativo, não tem como conduzir o jovem para ser um cidadão de bem no mundo, com valores morais e éticos.
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