Lesões no cérebro podem afetar o julgamento moral| Foto:
Ouça este conteúdo

O ajudante geral Diego de Novais, de 27 anos, se tornou conhecido esta semana após ejacular no pescoço de uma passageira de um ônibus na avenida Paulista. Foi preso e sua posterior soltura causou reações indignadas. Descobriu-se também que não foi a primeira vez que ele cometeu um crime do tipo: um levantamento na Polícia Civil mostra que ele já foi acusado de pelo menos 16 crimes sexuais, entre assédio e estupro.

CARREGANDO :)

O que causa mais espanto é que Novais, preso na terça (29), voltou a ser preso no sábado, novamente após atacar outra mulher em um coletivo.

Em entrevista à repórter Thais Nunes, do SBT, o pai de Diego já havia dito que era “perigoso uma pessoa dessa estar solta.” Ainda disse que o filho é “muito forte e muito agressivo.”

Publicidade

Em depoimento ao jornal Folha de S. Paulo, a mãe de Novais disse que o comportamento errático do filho começou após um acidente de carro. Tudo teve início em 2006, de acordo com Iracema Novais, mãe de Diego. Ela disse à Folha que ele ficou 15 dias em coma e passou por duas cirurgias no cérebro.

"Quando ele voltou para casa, era outra pessoa. Era um menino alegre e estudioso. Virou um garoto silencioso e agressivo", afirmou. Ainda de acordo com Iracema, ele ainda teria perdido o olfato e o paladar, passado a ter sangramentos nasais e mancar da perna direita.

"Meu filho não é ruim. Quero que ele passe por tratamento", disse ao jornal. 

O próprio Diego, em depoimento à polícia, neste sábado (02), disse que passou a ter problemas depois do acidente. E que estava indo para casa quando foi “tomado por uma vontade sexual”.

O delegado Rogério Nader, do 78º DP de São Paulo disse que vai pedir uma avaliação de sanidade mental para uma possível internação em um manicômio judicial.

Publicidade

Phineas Gage

Há 169 anos, em 1848, um caso com muitas similaridades com o de Diego — caso o relato de sua mãe seja verdadeiro — aconteceu no estado da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. Phineas Gage, de 25 anos, quase a idade de Diego, trabalhava preparando a detonação de rochas para a abertura de uma ferrovia.

Num raro momento de distração, Gage errou a sequência da preparação da rocha e bateu com o ferro diretamente na pólvora. A explosão atirou a barra de ferro — de seis quilos e um metro de comprimento, com aproximadamente três centímetros de diâmetro — em direção ao seu crânio, saindo pelo topo da cabeça.

Em se tratando do século 19, é bom lembrar que não havia antibióticos para ajudar no tratamento. A sobrevivência de Gage num ambiente tão adverso pode ser por si só considerado um milagre. O fato de ele ter saído de tudo isso falando e andando normalmente deixa tudo mais espantoso ainda. O caso foi estudado por cirurgiões e médicos renomados da época, inclusive da Universidade de Harvard.

A farta literatura médica sobre o estranho acidente mostra como o cérebro, apesar de extremamente plástico, capaz de se adaptar até mesmo a perdas massivas, também é muito sensível.

Mudança no julgamento moral

Gage nunca mais foi o mesmo após o acidente, como mostra um relato feito pelo médico John Harlow, escrito vinte anos após tudo acontecer. Antes da barra perfurar sua cabeça, Gage tinha “uma mente bastante equilibrada e era considerado, por aqueles que o conheciam, um homem de negócios astuto e inteligente, muito enérgico e persistente na execução de todos os seus planos de ação”.

Publicidade

Gage se tornou praticamente outra pessoa. Conta Harlow: “O equilíbrio, por assim dizer, entre suas faculdades intelectuais e suas propensões animais fora destruído. As mudanças tornaram-se evidentes assim que amainou a fase crítica da lesão cerebral. Mostrava-se agora caprichoso, irreverente, usando por vezes a mais obscena das linguagens, o que não era anteriormente seu costume”. 

Sua linguagem obscena era de tal forma degradante que as senhoras eram aconselhadas a não permanecer durante muito tempo na sua presença, para que ele não ferisse suas sensibilidades. As mais severas repreensões vindas do próprio Harlow falharam na tentativa de fazer com que o nosso sobrevivente voltasse a ter um bom comportamento”, conta o neurologista português Antonio Damásio em seu livro “O Erro de Descartes” (Cia. das Letras).

Antes considerado por seus patrões e colegas de trabalho, Gage acabou seus dias de maneira errática, e morreu aos 38 anos, vítima de convulsões.

Damásio não escolheu Phineas Gage para abrir seu livro por acaso. Como ele mesmo explica, “a história de Gage sugeriu este fato espantoso: em certo sentido, existiam sistemas no cérebro humano mais dedicados ao raciocínio do que quaisquer outros e, em particular, às dimensões pessoais e sociais do raciocínio. A observância de convenções sociais e regras éticas previamente adquiridas poderia ser perdida como resultado de uma lesão cerebral, mesmo quando nem o intelecto de base nem a linguagem mostravam estar comprometidos.”

Parece ser o caso de Diego Novais, tendo como base os relatos de seus familiares e o dele próprio. Cabe à Justiça e ao Ministério Público de forma menos leviana desta vez, encarando que o cumprimento das leis é a norma de qualquer sociedade, mas que nunca se deve esquecer a dimensão humana que estas mesmas leis pretendem resguardar.

Publicidade