Em novembro de 2016, os Estados Unidos da América surpreenderam o mundo ao eleger Donald Trump como presidente do país. Vários são os fatores que explicam a vitória do polêmico republicano, que iniciou a disputa desacreditado, superou desafetos dentro do próprio partido e acabou alcançando o posto político mais importante da principal economia do mundo.
Além de usar com habilidade sua posição de outsider, aproveitando a descrença do eleitorado em relação aos políticos tradicionais, ficou evidente o sucesso de uma estratégia de campanha bem desenhada, que conseguiu usar a seu favor a complexidade do sistema eleitoral americano, para vencer nos estados certos e conseguir a vitória final, mesmo tendo recebido 2,86 milhões de votos a menos do que a democrata Hillary Clinton.
Só que, para além das estratégias tradicionais, um detalhe marcou a apertada disputa nessas eleições: a possibilidade de ter havido uma influência externa no processo, que pode ter definido – ou pelo menos contribuído para – o resultado final. Investigações conduzidas pelas agências de inteligência americanas concluíram que hackers russos agiram de diferentes formas para ajudar Trump – o que não se sabe com clareza é se de forma isolada ou sob coordenação do governo do presidente Vladimir Putin, que, evidentemente, nega qualquer envolvimento.
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Foram duas as principais estratégias de ação identificadas pelas investigações: a primeira foi o uso expressivo de robôs nas redes socais, criando perfis falsos e automáticos para fazer comentários positivos a Trump e contrários a Hillary. A segunda estratégia foi a invasão a contas de e-mail, por meio de técnicas de roubo de dados chamadas phishing.
Usuários menos familiarizados com procedimentos de segurança na internet tiveram suas contas hackeadas por meio de vírus de computador ou foram induzidos a trocar sua senha em páginas falsas que simulavam sites conhecidos. Entre eles estavam integrantes do governo democrata e também colaboradores de Clinton, inclusive o então chefe de campanha John Podesta.
De posse das senhas, os hackers acessaram o conteúdo de mensagens trocadas entre os membros da campanha e divulgaram em sites como o WikiLeaks, especializados em divulgar informações confidenciais, conteúdos comprometedores, tais como promessas de favores impróprios em troca de apoio, comentários de desconfiança em relação a refugiados e ironias em relação a apoiadores católicos. Para a campanha derrotada, o uso dessas estratégias acabou interferindo no resultado das eleições.
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Por causa da influência que as eleições americanas têm no mundo todo, o episódio dos ataques dos hackers russos ganhou notoriedade, mas não são uma exclusividade dos EUA. Na América Latina, por exemplo, a ação de hackers nas eleições tem também se revelado uma prática comum.
O colombiano Andrés Sepúlveda está preso após ser condenado a dez anos de prisão por espionagem e uso de software malicioso durante as eleições presidenciais colombianas em 2014. Antes disso, já tinha trabalhado em eleições em países como Panamá, Honduras, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e Venezuela e chegou a cobrar 600 mil dólares para ajudar o presidente mexicano Enrique Peña Nieto, em um período de três anos, não só defendendo seu candidato de ataques externos, mas também atacando adversários, segundo ele próprio contou à Justiça para tentar diminuir sua pena.
E no Brasil?
Considerando esse contexto internacional, é possível que as eleições brasileiras sejam também alvo de ataques cibernéticos? Para Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), a resposta é sim.
Para ele, o Brasil é um país economicamente relevante para o mundo, é extremamente conectado e pode suscitar interesses específicos de países estrangeiros.
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Segundo Steibel, que também é professor de economia criativa e inovação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM Rio), há uma espécie de “corrida armamentista” entre grupos na internet que estão desenvolvendo ferramentas sofisticadas para potencializar a importância de assuntos, marcas, pessoas e, inclusive, candidatos nas redes sociais.
“Uma eleição é baseada em imagem e informação – e a imagem conta mais do que a informação”, diz.
Há por exemplo robôs que criam perfis falsos e interagem com pessoas e páginas reais, de forma cada vez mais natural, para ganhar legitimidade e, num segundo momento, começar a comentar contra ou a favor de uma pessoa ou de um tema pré-determinado, sempre em meio a outros comentários aleatórios, para passar despercebidos em sistemas antifraude. Quanto mais interações os robôs fazem, aumenta-se a reputação desses perfis e, com isso, há maior poder de influenciar outras pessoas.
“Quando há pessoas se expressando, trata-se de um fenômeno próprio da democracia, mas quando se tem pessoas contratadas ou usando a tecnologia como robôs para emitir opiniões, há uma clara violação das regras do debate democrático”, analisa.
Segundo o professor Steibel, há uma dificuldade de se controlar essas ações por causa de um problema de jurisdição, uma vez que o conteúdo na internet fica espalhado em diferentes servidores, em vários países, em páginas administradas por distintos atores internacionais.
Para ele, as empresas que recebem a maior parte do tráfego de dados e informações na internet – Google, Facebook e Twitter, por exemplo – têm certa responsabilidade em combater esse tipo de ação, mas não têm condições de barrar tudo o que acontece.
“O problema é que isso interfere diretamente no modelo de negócios dessas empresas, que é baseado em audiência”, diz.
Além disso, a decisão de retirar perfis considerados falsos acaba se transformando em controle de conteúdo, o que pode ser utilizado para coibir abusos, mas também pode facilmente extrapolar a razoabilidade, passando a censurar outros tipos de conteúdo sobre os quais não há consenso – um precedente que, na opinião de Steibel, traz o risco de conduzir a internet a uma posição de conservadorismo, a partir da censura a diferentes temas que possam causar suscetibilidades a algumas pessoas.
Para Richard Forno, pesquisador em segurança cibernética e professor da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, a ameaça de interferência externa nas eleições é real, inclusive no Brasil – e deve ser encarada seriamente.
Ele considera que, especialmente nos sistemas eletrônicos, o risco de fraude é permanente, inclusive porque os sistemas usados são antigos e não são atualizados de forma constante.
No Brasil, a votação por meio das urnas eletrônicas ocorre em sistemas que operam sem conexão à internet e somente no momento em que os dados vão ser transmitidos para contabilização nos tribunais é que se estabelece a conexão para o envio dos votos.
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Ainda assim, o professor Forno, autor de três livros sobre internet e segurança de dados, considera que é possível haver interferência no processo final de transmissão, bem como no processo anterior de registro de eleitores nas zonas eleitorais.
O professor Forno considera que a votação eletrônica é uma tendência, mas que deve ser realizada com cuidado e com um olhar sempre voltado para a segurança. No caso dos EUA, cada estado tem um sistema próprio, eletrônico ou em papel, o que torna mais difícil a tarefa de alterar diretamente os resultados das eleições, pois é mais difícil atacar o sistema todo de uma só vez – diferentemente do que ocorre no Brasil, onde o sistema é centralizado.
Além da possibilidade de se alterar os resultados eleitorais de forma direta, o pesquisador considera que as influências indiretas também devem ser tratadas com preocupação. “A questão da influência externa em eleições, tanto em disputais nacionais quanto locais, é uma questão que deve ser vista por governos de qualquer país como um problema real e crescente. É importante que os governos façam um esforço para assegurar que os cidadãos possam confiar no processo de eleger seus representantes”, diz.
Interesses em jogo
Na avaliação de Eduardo Viola, doutor em Sociologia e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, está claro que as eleições americanas de 2016 e as francesas de 2017 tiveram interferência de agentes vinculados direta e indiretamente ao governo russo.
“Esse tipo de interferência pode se expandir no futuro para outros países nos quais o governo russo tenha interesse direto no resultado das eleições”, diz.
“Dada a trajetória recente do governo russo, existe alguma possibilidade de que trate de interferir nas eleições brasileiras, mas não é o mais provável, dada a muito limitada importância de Brasil para Rússia”, analisa.
Em 2016, a parceria comercial da Rússia com o Brasil movimentou US$ 4,3 bilhões, entre exportações e importações de bens. Em comparação, o comércio entre a China e a Rússia movimentou US$ 65 bilhões no mesmo período.
Juliano Cortinhas, doutor em Relações Internacionais e também professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília concorda que não parece haver um interesse direto do governo russo nas eleições brasileiras.
Porém, ele acredita que pode haver sim o interesse de empresas e corporações, nacionais ou estrangeiras, em apoiar determinados candidatos, a fim de que, depois de eleitos, possam atuar de acordo com os interesses de seus financiadores. Para o professor, a influência das corporações nas eleições sempre existiu, por meio de lobby, de financiamento de campanhas políticas ou mesmo de propina.
O elemento novo é a possibilidade de que ferramentas tecnológicas também sejam utilizadas para ampliar a influência que se pode construir nas disputas eleitorais.
“Não devemos ter a ilusão que a disputa política ocorra de forma igualitária entre os candidatos, quem tem mais recursos sempre levará vantagem”, analisa. “No fim das contas, o que importa é o dinheiro”.
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