Menos Greta Thunberg, mais Bill Gates. Um novo movimento de defensores do meio ambiente busca deixar de lado os discursos alarmistas, como o da militante sueca de 17 anos. No lugar, aposta no trabalho de empreendedores como o fundador da Microsoft, conhecido pela busca de soluções que agregam tecnologia e desenvolvimento econômico aos moldes capitalistas para trazer mais conforto para a humanidade, ao mesmo passo em que garanta a preservação do planeta. Trata-se do ecomodernismo.
O movimento foi lançado em 2015, quando 19 estudiosos, incluindo economistas, filósofos e ambientalistas, assinaram o Manifesto Ecomodernista. O texto argumenta que a Terra entrou em uma era geológica, o Antropoceno, a Era dos Humanos. “Como acadêmicos, cientistas, ativistas e cidadãos, escrevemos com a convicção de que o conhecimento e a tecnologia, aplicados com sabedoria, podem permitir um Antropoceno bom ou mesmo grandioso”, afirma o manifesto, na tradução de Mario Gomes.
“Um bom antropoceno exige que os humanos usem seus crescentes poderes sociais, econômicos e tecnológicos para tornar a vida melhor para as pessoas, estabilizar o clima e proteger o mundo natural” – o termo “antropoceno”, aliás, foi popularizado no início deste século pelo químico holandês Paul Crutzen para se referir ao período iniciado há 12 mil anos. O manifesto prossegue: “Nisto, afirmamos um ideal ambiental de longa data, que a humanidade deve reduzir seus impactos no meio ambiente para dar mais espaço à natureza, enquanto rejeitamos outra, que as sociedades humanas devem se harmonizar com a natureza para evitar o colapso econômico e ecológico”.
Em outras palavras, não é necessário voltar para um suposto passado idílico em que as pessoas viviam em harmonia com a natureza. Para os defensores do movimento, o melhor caminho está na direção da urbanização, da tecnologia, da inovação, da produtividade e do desenvolvimento. Mais arranha-céus, usinas nucleares e agrotóxicos, portanto. Afinal, a capacidade de produzir mais, com menos recursos, é fundamental tanto para as pessoas quanto para a natureza.
“Os sistemas naturais não serão, como regra geral, protegidos ou ampliados pela expansão da dependência da humanidade deles para sustento e bem-estar”, afirma o manifesto. “Intensificar muitas atividades humanas — particularmente a agricultura, a extração de energia, a silvicultura e a colonização — para que usem menos terra e interfiram menos com o mundo natural é a chave para desvincular o desenvolvimento humano dos impactos ambientais. Esses processos socioeconômicos e tecnológicos são centrais para a modernização econômica e a proteção ambiental. Juntos, eles permitem que as pessoas minimizem as mudanças climáticas, poupem a natureza e aliviem a pobreza global”.
Árvore do futuro
“A única forma de aliar prosperidade e preservação ambiental é garantir a produtividade”, afirma o jornalista Leandro Narloch. Mestre em filosofia pela Universidade de Londres, ele foi editor das revistas Aventuras na História, Superinteressante e Veja e é autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. Em outubro passado, ela lançou um projeto alinhado ao ecomodernismo, a Árvore do Futuro.
“Somos uma plataforma de notícias ambientais, com a proposta de nos tornarmos um think tank ambiental baseado em ideias liberais. Vamos criar um instituto e agregar pesquisadores capazes de gerar conteúdo sobre temas ligados a maneira como a produtividade é positiva ao meio-ambiente, como agrotóxicos e energia solar”, afirma o jornalista – aliás, pesquisadores interessados em contribuir podem entrar em contato com o projeto. Narloch lembra, por exemplo, que soluções que parecem contraintuitivas aos olhos dos ambientalistas tradicionais teriam um grande impacto positivo para o planeta, e é esse debate que a Árvore do Futuro pretende trazer.
“A zona franca de Manaus e boa parte do estado do Amazonas recebem energia gerada principalmente por termelétricas a diesel, e esse combustível parte de São Paulo e viaja, de navio, o equivalente à distância de Nova York a Londres. É tudo muito poluente. Mas imagine se alguém propusesse uma usina nuclear na Amazônia. Seria muito mais ecológico do que é hoje, mas a gritaria seria imensa”.
Na página do projeto, um post explica: “O ecomodernismo defende um ambientalismo pragmático, focado em resultados – não em visões apocalípticas ou motivadas por ressentimentos ou ideologias. Outro texto explica por que civilizações mais desenvolvidas fazem bem para a natureza: “Conforme a Curva Ambiental de Kuznets, o meio ambiente piora em conjunto com o crescimento econômico até que uma certa renda por pessoa seja alcançada. Nesse ponto, o dinheiro começa a fluir em direção à proteção ambiental e o ecossistema é restaurado”.
Tudo isso porque “nos países pobres, as pessoas estão preocupadas em atender às suas necessidades básicas – alimentação, água, segurança etc. Nos países ricos, ao contrário, as pessoas já têm essas necessidades básicas bem atendidas. Com isso, sobra tempo e recursos para que se preocupem com outras coisas”. Em outras palavras, não é preciso consumir menos. O fundamental é produzir mais. “Como diz Bill Gates, ‘parte da solução é investir em inovação em todos os cinco setores [eletricidade, agricultura, indústria, transporte e construção], para que possamos produzir sem destruir o clima’”.
Vida nas cidades
Na prática, o ecomodernismo atua incentivando a pesquisa científica, a inovação e o desenvolvimento de formas mais produtivas de ocupar o planeta. Não se trata de começar essas atividades do zero – os líderes do movimento afirmam que essas iniciativas já existem, apenas não ganham a mesma divulgação dos discursos raivosos e das previsões catastróficas.
São medidas que, há décadas vêm permitindo o aumento da produtividade na agricultura, que garante a subsistência das pessoas no ambiente urbano. “As cidades ocupam apenas 1 a 3 por cento da superfície da Terra e ainda abrigam quase quatro bilhões de pessoas”, afirma o manifesto de 2015. “Como tal, as cidades impulsionam e simbolizam a dissociação da humanidade da natureza, desempenhando muito melhor do que as economias rurais no fornecimento eficiente para as necessidades materiais, reduzindo os impactos ambientais”.
Ao se libertar da necessidade de mobilizar muitas pessoas para produzir alimentos, diz o texto, “enormes recursos humanos foram liberados para outros empreendimentos. As cidades, como as pessoas hoje as conhecem, não poderiam existir sem mudanças radicais na agricultura. Em contraste, a modernização não é possível em uma economia agrária de subsistência”.
Para os defensores do movimento, é essa busca constante por inovação que vai continuar garantindo que parcelas cada vez maiores da humanidade tenham acesso à qualidade de vida dos países desenvolvidos, sem sacrificar o planeta. “Tanto a prosperidade humana quanto um planeta ecologicamente vibrante não são apenas possíveis”, diz o manifesto, “mas também inseparáveis”.
Em suma, diz Leandro Narloch, “nossa principal batalha é contra o reacionarismo ambiental, a ideia de que deveríamos viver como no passado, quando muita gente morria de fome”.