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Poucos têm coragem de questionar as virtudes da educação pública. Rothbard, Dalrymple e Maritain foram alguns dos poucos que ousaram.
Poucos têm coragem de questionar as virtudes da educação pública. Rothbard, Dalrymple e Maritain foram alguns dos poucos que ousaram.| Foto: Pixabay

A educação pública, massificada e capilarizada é um dogma. Nada menos do que um dogma. Ninguém hoje em dia ousa contestá-lo ou questioná-lo. Nos últimos cinquenta anos, se houve algum político ou líder que tenha se manifestado contra essa ideia, seu grito foi abafado pelos lugares-comuns de sempre. “Educação pública, laica e gratuita”, gritavam os estudantes, professores e funcionários de escolas da minha época. “Educação pública, laica e gratuita”, gritam os filhos e netos dessas pessoas hoje.

Daí porque qualquer corte na verba estatal para a educação é sempre um alvoroço. Bom, nem sempre, já que o ex-presidente Lula cortou R$1,5 bilhão da educação em 2008 e, veja bem, o Lula sabia o que estava fazendo, não convém questionar nosso Grande Líder. No grande púlpito que são as redes sociais, a indignação é geral. Não faltam aqueles que dizem que o governo Bolsonaro quer acabar com a educassão, destruir as univercidades, matar os profeçores de fome, e coisas do gênero.

O que poucos sabem e muitos ignoram é que a educação de massa é uma invenção razoavelmente recente e nada consensual em sua origem. Não porque as elites más quisessem manter o povo na ignorância, como diria um professor de história mais exaltado numa aula de cursinho, e sim porque a educação de massa, laica, gratuita, de qualidade ou não, representou, em sua origem, uma intromissão do Estado na vida privada das pessoas.

Pietistas x litúrgicos

É o que conta o historiador e filósofo Murray Rothbard em A Era Progressista, que deve chegar às livrarias ainda este ano, pela LVM Editora. De acordo com a narrativa rothbardiana, a educação foi um dos principais campos de batalha na guerra de fundo religioso que desembocaria num Estado interventor que começou a mostrar os dentes no fim do século XIX. De um lado estavam os pietistas (não confundir com “petistas”), que acreditavam no uso do Estado para disseminar sua moral religiosa. Para eles, a educação estatal era, obviamente, um instrumento de suma importância. Do outro lado estavam os litúrgicos, em essência católicos e luteranos, para os quais a Salvação é uma questão de foro íntimo, de consciência, da relação do indivíduo com Deus. E os litúrgicos não queriam o Estado se intrometendo na educação dos filhos.

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Em resumo, os pietistas ganharam a guerra. E, a partir daí, não só nos Estados Unidos como no mundo civilizado inteiro, a ideia de uma educação de massa e planificada, sempre sob algum tipo de controle estatal por meio dos onipresentes Ministérios da Educação, se consolidou como O Único Caminho Possível para o desenvolvimento das nações.

Eis aí outra correlação que (quase) ninguém ousa questionar: a de os que países mais desenvolvidos são aqueles que investem pesado em educação. Logo, qualquer país que invista pesado em educação está destinado a se tornar um país desenvolvido. Será mesmo? O que dizer das massas ignaras que ocupavam as ruas das maiores cidades europeias durante a Revolução Industrial? Ou dos milhões de analfabetos que ocuparam os Estados Unidos durante as grandes ondas migratórias do fim do século XIX e início do século XX?

O case da Tanzânia

Sobre este ponto, quem nos oferece alguma luz é o polemista Theodore Dalrymple, médico psiquiatra e articulista que tem uma visão bastante peculiar sobre o assunto. No livro Podres de Mimados - As consequências do sentimentalismo tóxico, Dalrymple questiona o valor da educação estatal (de massa, gratuita e de qualidade):  “Há correlação (...) entre os níveis de educação e as taxas de crescimento econômico? E, mesmo que tal correlação exista, podemos ter certeza de que a educação causou o crescimento econômico e não de que o crescimento econômico é que promoveu a educação, ou ainda de que não existe relação causal nenhuma?”

Dalrymple prossegue contando o que aconteceu na Tanzânia do século XX, governada pelo ditador Julius Nyerere. “Nyerere foi tomado por uma visão de mundo não muito diferente da do sr. [Gordon] Brown [ex-Primeiro Ministro inglês]. Ele também era um devoto da educação. As realizações de seu governo neste sentido foram impressionantes: o nível de alfabetização em seu país melhorou exponencialmente e provavelmente alcançou os mesmos níveis do Reino Unido”, escreve Dalrymple.

A despeito disso, a Tanzânia governada por Nyerere só empobreceu ainda mais. Explica Dalrymple que o alto nível de educação do país não melhorou a situação econômica da Tanzânia porque o investimento em educação foi, sem meias-palavras, um desperdício. A educação era vista pelos tanzanianos tão-somente como uma forma de entrar para o funcionalismo público. Lá como cá, os empregos no governo ofereciam altos salários e garantias inexistentes para os trabalhadores de uma iniciativa privada que sofria nas mãos de um tirano de esquerda. Resultado: munidos de diplomas, hordas de camponeses abandonaram a terra e as atividades econômicas consideradas “menos dignas” em busca de uma sinecura na capital.

Tecnocracia e totalitarismo

Uma crítica ainda mais ácida foi feita pelo filósofo francês Jacques Maritain, que via na educação de massa, planificada, laica, tendo abandonado o “humanismo integral” e voltada para fins pragmatíssimos, um caminho certo para o totalitarismo. Para ele, a educação estatal era vista como uma solução para problemas surgidos da desintegração da vida familiar, de uma crise moral e do rompimento entre a religião e a vida. No livro The Year of Our Lord 1943 [O ano da Graça de 1943], Alan Jacobs amplia a discussão sobre o valor inquestionável da educação estatal:

“o Estado [usa] a educação para compensar tudo o que falta na ordem que o cerca no que diz respeito à inspiração política comum, tradições e costumes estáveis, padrões herdados, unidade moral e consenso”. Mas, se a educação é usada pelo Estado “para compensar todas as deficiências da sociedade civil”, então “a educação se torna dependente da administração do Estado” e, como consequência, “tanto a essência quanto a Liberdade da educação estariam arruinadas”.

Para Jacques Maritain, o objetivo da educação estatal não é moldar as pessoas como “seres humanos verdadeiros”, e sim como “órgãos de uma sociedade tecnocrata”. Ele conclui o argumento com um ataque à tecnocracia (e a cultura do diploma e o bacharelismo nada mais são do que manifestações dessa tecnocracia):

A tecnologia é uma coisa boa, como justificativa para o espírito humano e os objetivos do homem. Mas a tecnocracia, isto é, a tecnologia assim compreendida e adorada como uma forma de excluir qualquer sabedoria superior e qualquer outra visão dos fenômenos calculáveis, reduz a vida humana a relações de força ou, na melhor das hipóteses, a relações de prazer, o que necessariamente culmina numa filosofia de dominação. Uma sociedade tecnocrata é uma sociedade totalitária.

É improvável, claro, que o Brasil, com sua vocação estatizante, algum dia venha a questionar o valor real da educação de massa. Ao contrário, medidas como a implantação de um currículo único são recebidas por aqui sob uma saraivada de aplausos, enquanto iniciativas que vão contra o lugar-comum, como o homeschooling, encontram por aqui muita resistência.

O Brasil é um dos países que mais investe em educação no mundo. Quase 7% do PIB, ou impressionantes R$150 bilhões de reais. A questão é saber se, a despeito do discurso exaltado e sempre cheio de frases feitas, tal investimento de fato tem valido a pena. E não só em termos econômicos ou tecnológicos. Será que a educação de massa no Brasil, institucionalizada por Getúlio Vargas (!) nos anos 1930, tem de fato contribuído para que sejamos uma sociedade melhor, isto é, mais fraterna, humana, harmônica?

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