“Tenho um longo histórico de participação em campanhas em temas relativos ao meio-ambiente, mais recentemente como porta-voz do Extinction Rebellion e fundadora de seu jornal sobre notícias do clima, o The Hourglass. Agora, estou deixando a organização para assumir uma posição em defesa da energia nuclear”.
A ativista Zion Lights comunicou sua decisão no dia 25 de junho, em um artigo que funciona como uma carta aberta para seus colegas ativistas. Ciente de que a maior parte dos grupos ambientalistas, incluindo aquele do qual ela participava, é historicamente contrária ao uso de energia de fonte nuclear, Zion optou por abandonar os antigos companheiros em busca de novos rumos para o debate a respeito do aquecimento global. Ela agora se junta à Environmental Progress, uma ONG que defende o uso intensivo da tecnologia para melhorar a relação dos seres humanos com o meio-ambiente.
No artigo, ela lembrou de sua participação no programa de entrevistas britânico Andrew Neil Show, em que, pressionada pelo entrevistador, teve dificuldade em apresentar soluções concretas que o Extinction Rebellion tivesse a oferecer para vencer o problema do aquecimento global. O programa foi ao ar em outubro passado.
“A questão me incomodou desde então -- porque existem soluções científicas para o problema do aquecimento global, e no campo da energia uma dessas soluções é a energia nuclear”, ela argumentou. Ligado ao ideário da ativista Greta Thunberg, o Extinction Rebellion é adepto de um discurso alarmista e conclama a população a recorrer à desobediência civil para defender as questões ambientais.
Zion Lights concordou em conceder uma entrevista à Gazeta do Povo por escrito sobre sua mudança de posição. “Logo depois que meu artigo chegou ao noticiário, o Greenpeace realizou protestos na França. Eles se opõem fortemente à energia nuclear”, ela comentou. “Espero ver mais pessoas tomando as ruas em nome da ciência e do futuro do planeta”.
A ativista, que tem 36 anos, atualmente vive com os dois filhos na cidade inglesa de Devon, tem mestrado em ciência da computação e é autora do livro "The Ultimate Guide to Green Parenting (O Guia Final para a Paternidade Verde)".
Gazeta do Povo - Quando você decidiu se dedicar ao trabalho com ambientalismo?
Zion Lights - Eu me preocupo com a natureza desde muito pequena, o que é pouco comum de onde eu vim, porque cresci em Birmingham, uma das maiores cidades da Inglaterra. Lembro de aprender sobre aquecimento global na escola e de ficar preocupada – e também confusa, porque não entendia como minha família e meus amigos não tinham a mesma reação. Eu tentava convencer meus pais a fazer reciclagem, o que era difícil porque não havia um local para onde levar esse material. Eu me preocupava com a vida na natureza – tínhamos um pé de macieira no jardim, que me trazia muita alegria. Birmingham, na época, era uma cidade industrial, muito poluída, e havia poucos espaços verdes para frequentar.
O que fez você mudar de ideia a respeito da energia nuclear?
Sempre fui muito curiosa e muito questionadora, sempre quis entender como as coisas funcionam e podem ser melhoradas. Ouvi de amigos e colegas ativistas muitas informações contrárias à energia nuclear, era jovem e não as questionei. Na medida em que a internet se tornou mais popular e meu interesse em ciência cresceu, fiquei mais aberta à possibilidade de mudar de ideia. Eu queria saber o que era verdade, e não o que as pessoas acreditavam ser a verdade.
Então um amigo escreveu um post contra a energia nuclear e eu acompanhei com interesse a discussão que se seguiu. Depois de mencionar esse debate a um amigo que é engenheiro, ele me mandou uma pesquisa científica que descrevia os riscos das usinas nucleares. Foi quando percebi que, na verdade, a radiação havia provocado poucas mortes – nenhuma relacionada a dejetos das usinas – e percebi que os fatos favorecem as usinas nucleares. Contudo, eu não me expressava abertamente sobre o tema, até que, mais tarde em minha vida, percebi que o aquecimento global se tornou pior e muito pouco havia sido feito. Foi quando percebi que havia chegado o momento de falar a favor da energia nuclear.
Como seus colegas ativistas, incluindo Greta Thunberg, receberam seu posicionamento?
Não sei o que a Greta acha disso! Mas recebi algumas respostas interessantes. Em primeiro lugar, pessoas que não suportam o grupo Extinction Rebellion rapidamente deixaram de escrever artigos negativos sobre mim e passaram a elaborar textos positivos. Em segundo lugar, muitas pessoas do movimento ativista, incluindo o Extinction Rebellion, ofereceram suporte no privado, concordando ou não comigo.
Em terceiro lugar, um número surpreendente de pessoas confidenciou a mim que concorda sobre a importância da energia nuclear, mas não se manifesta publicamente sobre o tema. E algumas poucas pessoas pediram para trabalhar comigo! Mas, no geral, a resposta que veio de ambos os lados do espectro político foi surpreendentemente positiva, o que me deixa com um pouco mais de fé na humanidade.
Você acredita que a energia nuclear deveria ser adotada em larga escala, no mundo todo?
A energia nuclear não é mais perigosa do que outras tecnologias que a humanidade utiliza. Sim, já aconteceram desastres, mas todo projeto envolve riscos. Circunstâncias extremas e raras causaram as tragédias de Chernobyl e Fukushima. Mas, se você olhar para os dados, o número de mortes efetivamente causada por rompimentos de reatores é pequeno.
Por outro lado, o relatório mais recente do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima indica que o mundo ficará 4oC mais quente até 2100. Esse é um cenário horrível. Toda a vida no planeta vai sofrer, e a extinção em massa vai continuar. Para reverter esse quadro, é necessário agir rápido. Como?
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas afirma que precisamos de uma combinação de energia renovável, energia nuclear e captura e armazenamento de carbono para sustentar nossa demanda por energia. Essa não é apenas uma opinião isolada, mas um fato baseado em matemática e no consenso de um grande número de cientistas excepcionais de todo o mundo – que consideram que a energia nuclear é uma opção segura. Então, eu pergunto: o que é mais perigoso, viver em um planeta inabitável por culpa da mudança climática? Ou adotar a energia limpa a fim de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa?