Poucas pessoas sem-teto passam por Dolan Springs, Arizona (EUA), porque não é uma cidade onde se possa vaguear muito. Pouco mais do que um posto de gasolina, uma lojinha de descontos e uma mercearia, é uma pequena ilha de civilização no meio do deserto, onde 36% dos moradores vivem abaixo da linha da pobreza. Então, quando Patience Matthieu, uma morena magra de 31 anos, viu um novo sem-teto em março, pedindo comida, ela parou e o observou. Ele parecia com o primo dela, se aquele primo tivesse alguns dentes arrancados. O que ele estava fazendo aqui?
Matthieu sabia que algo não estava bem com ele. Ele disse que queria cuidar de gramados, mas esta era uma cidade deserta. Ele disse que estava morando em um túnel, mas onde? Então ela decidiu ajudar. Trouxe roupa para ele, conseguiu um pouco de comida enlatada e ofereceu-se para dividir seus ganhos obtidos com a venda de algumas coisas em uma feirinha. Quando ele começou a confiar nela, ela perguntou como poderia contatá-lo e, hesitante, ele lhe deu seu nome completo. Ela foi para casa e, curiosa, digitou no Google: Christopher Aaron Moreland.
Os resultados introduziram Matthieu ao atormentado mundo digital de famílias em busca de parentes, muitos dos quais são doentes mentais graves. Em mais uma faceta da vida revitalizada pela mudança tecnológica, as famílias estão cada vez mais adotando as ferramentas digitais de 2018 para encontrar seus entes queridos desaparecidos, além dos cartazes de desaparecidos e dos registros federais do passado. Elas estão criando e compartilhando páginas no Facebook anunciando que seu parente está sumido. Elas estão buscando informações por crowdsourcing (com a colaboração de um grupo grande de pessoas). Elas estão tentando fazer posts se tornarem virais e, às vezes, tendo sucesso.
A busca levou Matthieu a um grupo chamado Missing & Homeless, uma comunidade do Facebook que, em três anos, passou de algumas centenas de seguidores a quase 43 mil, ajudando a reconectar cerca de 45 famílias. Os resultados dessas reuniões foram mistos. Alguns foram alegres – abraços e lágrimas e um fim da vida na rua. Outros foram dolorosos. Às vezes, as famílias aprendem que seus entes queridos querem ficar nas ruas e, pior, seus parentes desabrigados podem até não reconhecê-los.
Matthieu clicou na página de Moreland, compartilhada por Missing & Homeless, e ficou olhando para as palavras. “Christopher, meu coração está partido sem você”, dizia no topo. “Por favor, me ligue e deixe-me saber que você está vivo. Com amor, mãe.”
A página tinha um número de telefone.
Matthieu não sabia o que esperar, mas tinha que tentar. Ela era mãe também. Ela discou o número, e a mais de 380 quilômetros de distância, de dentro de uma casa grande em um subúrbio agradável acerca de Phoenix, uma mulher que não tinha visto seu filho em sete anos atendeu.
“Eu encontrei seu filho”, disse Matthieu.
Do outro lado, Matthieu podia ouvir a mãe chorando.
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‘Um grande buraco arrancado do seu coração’
Elise Cash e seu marido entraram no carro imediatamente. Era uma viagem de quase quatro horas até o filho e precisavam se apressar. Cash estava inconsolável. Seu marido dizia a ela: “Você vai ficar doente”. Mas ela não podia evitar. Sete anos, ela pensou. Sete anos desde que ela tinha visto o seu filho. Sete anos se perguntando se ele estava morto. Sete anos tentando e falhando em seguir em frente com sua vida.
Ela teve dois filhos. Um deles era o acadêmico, que alcançou não um, mas dois mestrados. O outro era Chris, que queria fazer trabalhos manuais. Aos olhos dela, ele tinha nascido com tudo: confiança, aparência, criatividade. Aos 20 anos, ele estava ganhando um bom dinheiro, transformando intrincados desenhos em painéis de vidro para os clientes.
Mas isso foi antes de ela entender a verdade sobre a esquizofrenia. Tudo estava bem até que, de repente, não estava. Esse momento chegou quando ele tinha 23 anos. Ele se tornou desconfiado de tudo e de todos. Ele achava que seu chefe na loja estava tentando armar um roubo de carro para ele, e seus vizinhos – pessoas boas e decentes – estavam espionando ele com câmeras de vigilância. Ele achava que Cash era uma inimiga, e vozes diziam que ela tinha que morrer.
Eles dirigiram através de uma paisagem desolada de arbustos e areia, e ela se olhou no espelho. Sete anos tinham cobrado seu preço. Mas e ele? O que teria restado dele?
A última vez que ela o viu, ele tinha 33 anos e eles tinham saído para jantar. “Noite de encontro”, ela chamava aquelas noites de quarta-feira. Até então, tinham passado dez anos desde o seu diagnóstico de esquizofrenia paranoide. Ele teve períodos em que ajeitava a vida, trabalhando em empregos, tomando seu Risperdal, um medicamento para psicose, vivendo sozinho.
Mas tudo isso estava se desfazendo. Ele tinha acabado de arranhar um grande “X” na cabeceira da cama dos pais, e estava mais recluso. No dia seguinte ao jantar, ele a chamou de “mulher do rádio”, dizendo-lhe que, se alguém fosse à casa, ele os mataria e os colocaria em uma lixeira. Desesperada, ela pediu à polícia que averiguasse o apartamento dele. Mas quando eles chegaram lá, estava vazio. Dentro da casa havia uma quantidade de Risperdal suficiente para durar três meses, intocados.
Isso deu início à próxima vida dela. Ela tentou preencher um relatório de pessoas desaparecidas: nada. Ela procurou por ele na Internet: nada. Ela ligou para abrigos: nada. “Era todo dia, procurando”, disse ela. “Não sabendo se ele tinha sido pego ou se ele estava morto, não sabendo desde o momento em que você acorda até a hora que você vai para a cama. É um grande buraco arrancado do seu coração e da sua alma”.
Cinco anos depois, ela viu um grupo incomum no Facebook chamado Missing & Homeless, que mostrava uma imagem de uma mulher sem lar com um chapéu de inverno sentada na rua. Era o início de 2016 e a página tinha apenas algumas centenas de curtidas. Mas estava postando sobre os moradores de rua, e as pessoas pareciam estar respondendo. Essa poderia ser uma resposta? Então ela ligou para o administrador da página e, em poucos dias, um novo post foi publicado na página. Mostrava uma foto de seu filho, bochechas grandes e cabelos negros. Pedia ajuda.
“Só é preciso que UMA PESSOA reconheça Chris em algum lugar”, dizia.
Uma busca sem sucesso para encontrar a mãe
A última vez que Robin Wells Burton, a criadora de Missing & Homeless e autora do post, viu sua mãe foi no Natal de 1994. Desde que ela se lembra, Burton conhecia a mãe como alguém que simplesmente desaparecia durante meses, depois voltava e retomava a vida. Então, quando sua mãe desapareceu desta vez, ninguém deu muita importância a princípio. Apenas com os anos passando e ela nunca voltando, e depois de descobrir que sua mãe tinha esquizofrenia, Burton registrou um relatório de desaparecimento em 2005.
Ela contratou um investigador particular e fotografias de sua mãe começaram a chegar, de milhares de quilômetros de distância da sua casa no subúrbio de St. Louis. O documento de identificação dela havia sido usado em um abrigo em Santa Monica, Califórnia. Em seguida, o Los Angeles Times publicou uma matéria em 2013 sobre uma contagem de desabrigados, e a mãe dela estava na foto principal. Dizia que o nome dela era Diane Muldanado, mas Burton sabia que sua mãe gostava de dar nomes falsos. Assim, no início de 2015, depois que os panfletos e ligações para os abrigos falharam, Burton foi até a Califórnia para ela mesma fazer a investigação.
Por quase um mês, ela vasculhou Los Angeles, mas a sua mãe não estava em lugar nenhum e, enfim, voltou para casa furiosa. “Eu estava com muita raiva de Deus”, disse ela. “Eu não consegui encontrá-la, e tem sido assim há 20 anos”.
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Quando ela chegou em casa em St. Louis, ela pensou que tinha que haver uma maneira melhor de procurar os desaparecidos. Ela descobriu que há uma sobreposição significativa entre a falta de moradia e doenças mentais e que muitos dos moradores de rua estão desaparecidos e têm parentes procurando por eles. Então ela começou a Missing & Homeless, mostrando a foto de sua mãe no Los Angeles Times, como uma nova maneira de as pessoas procurarem seus entes queridos. Dentro de um mês, alguém foi encontrado. E logo depois disso, mais três foram encontrados em uma única semana.
“São compartilhados e compartilhados até que alguém diga: 'Eu conheço essa pessoa' ou 'Eu já vi essa pessoa'”, disse Burton.
Foi assim que Don Papageorgas, 22 anos, falando sob a condição de que seu primeiro nome fosse omitido, encontrou seu pai sem lar, que morreu dias depois de sua reunião. “Eu fui vê-lo [novamente] e soube que ele havia morrido no dia anterior”, disse ele. “Esse foi o momento mais emotivo”.
E assim foi também como C.L. Hayes foi encontrado. “Eu estava viciado em drogas”, disse Hayes, que estava desaparecido e desabrigado havia 25 anos. “E eu estou com a minha família agora... E é bom, cara, é muito bom”.
Burton deseja que ela possa se sentir assim. Mas não importa quantos posts ela tenha publicado sobre os desabrigados e desaparecidos, sua mãe nunca ressurgiu. Só foram os entes queridos dos outros. Pessoas como Chris Moreland. Pessoas que podem não saber que estão perdidas.
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Reencontro
Matthieu disse para ela se encontrar no Flying J em Kingman, Arizona. Era onde ela tinha encontrado o seu filho. E agora Cash estava chegando, assustada. Ela se sentiu determinada a trazê-lo para casa, mas e se ele ainda estivesse psicótico? Matthieu aproximou-se do carro e, por um momento, observou Cash tremendo em seu assento. “Eu vou com você”, disse Matthieu, e as duas mulheres, que até aquele momento nunca haviam se encontrado, mas agora se sentiam unidas, seguraram uma a outra enquanto caminhavam para a parada de caminhões.
Os olhos de Cash vasculharam a sala, parando em um homem ao fundo. Ele tinha a aparência certa: ombros largos, alto e grande. Mas quando se aproximou, sentiu o peito apertar. Aquele não era seu filho. Não poderia ser. Sua pele estava desgastada e rachada. Sua barba tinha fios grisalhos. Eles estão errados, ela pensou. Não é ele. Então ela se aproximou ainda mais dele e olhou em seus olhos, ainda gentis, e “Eu sabia que era meu menino”.
“Chris, você tem viajado?” ela se lembra de ter dito suavemente para seu filho, agora com 40 anos. “É a sua mãe”.
Ele olhou para ela, mas não houve reconhecimento.
“Você não é minha mãe”, disse ele.
“Você está pronto para voltar para casa?”, ela perguntou, estendendo a mão para tocá-lo.
“Afaste-se”, Matthieu se lembra dele dizendo, mostrando uma personalidade que ela não tinha visto antes. “Se você me tocar de novo, eu vou ligar para a polícia”.
Agora, Cash havia perdido a compostura e estava implorando, pedindo que ele voltasse para casa, mas tudo o que ele fez foi olhar acusadoramente para Matthieu e seu marido – como se o tivessem traído – e sair da parada de caminhões, onde ele se escondeu atrás de um galpão.
Cash não sabia o que fazer. Ela se sentiu impotente. Ela não podia ajudá-lo. Ela o encontrou, finalmente, mas nada mais. Não sabendo mais o que fazer, e pensando que sua presença não fez nada além de piorar tudo, ela finalmente voltou para o carro e dirigiu as quatro horas de volta para casa.
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Ela e Matthieu mantiveram contato próximo, e logo, através dela, Cash estava enviando roupas, comida e livros sobre aviões para seu filho, porque ele sempre os adorou. Isso durou meses, e Matthieu o ajudou a encontrar um trabalho, enviando fotos e atualizações frequentes para Cash. De vez em quando, Matthieu e seu marido contavam a ele sobre a mãe. Aquela era realmente ela, eles diziam e ele, e então mostravam as fotos dele mesmo online que diziam que ele estava desaparecido. Mas nunca pareceu que ele compreendia isso.
Então, um dia, ele foi embora de novo. Ele pulou em um caminhão em direção a Tempe, Arizona, onde ele havia sido preso com uma acusação de posse de maconha em 2011. Em maio, a Corte Superior do Condado de Maricopa decidiu detê-lo para uma avaliação psicológica, pela qual ele ainda está passando.
Quando Cash descobriu, sentiu apenas alívio. Pela primeira vez em muito tempo, ela sabia onde ele estava.
E também pensou em quão perto Tempe ficava de sua casa. Apenas a 30 minutos de carro. Ele estava finalmente voltando para ela, quando foi preso? Ela não sabia. Mas ela queria ter esperança.