Ken Ham construiu uma arca, no tamanho da arca de Noé, nas colinas verdejantes da área central dos EUA. Ao ver o navio de madeira, turistas em excursões suspiram. Estudantes de escolas cristãs correm pelas rampas, enquanto completam testes de ciência baseados em teorias anti-evolucionistas.
O fundador do Respostas no Gênesis, um ministério de produção de conteúdo online e impresso com uma interpretação estrita da Bíblia, empregou 700 trabalhadores e gastou US$ 120 milhões para erguer a Arca do Encontro, que tem cinco andares de altura, 1,5 campo de futebol de extensão e um grande poder de impressionar. Ele contratou um veterano dos parques de diversão para projetar o barco e chegou a encomendar uma trilha sonora original para melhorar a experiência. O interior apresenta um Noé animatrônico e modelos realistas das criaturas da Terra. Incluindo os dinossauros.
E ele viu que era bom.
A arca abriu no último verão e a meta é atrair, de acordo com Ham, mas de um milhão de visitantes no primeiro ano.
Mas Ham não descansou.
Torre de Babel
O australiano de 65 anos e seus sócios Mike Zovath e Mark Looy lançaram um plano ambicioso de 10 a 12 anos para recriar uma cidade murada dos tempos de Noé e uma cidade do primeiro século, da época de Jesus. E também uma Torre de Babel, cabanas de salgadinhos, um anfiteatro com quase três mil lugares e um passeio pelas 10 pragas do Egito. Sapos! Chuvas de granizo! Gafanhotos!
Ao invés de construir uma igreja, o Respostas no Gênesis está compartilhando seus ensinamentos por meio de um parque temático bíblico projetado para atrair tanto crentes e como não crentes.
"Como você alcança mais o público geral?", pergunta Ham retoricamente, sentado em seu escritório luxuoso dentro do Museu da Criação, sua primeira e mais sóbria incursão nos negócios do entretenimento, que celebra seu décimo aniversário no dia 29 de maio. "Por que não usar atrações que serão visitadas por pessoas em seu caminho para a Disney ou a Universal?".
De fato, por que não?
Respostas no Gênesis está certamente adotando uma abordagem diferente do Museu da Bíblia, que deve abrir em novembro em Washington e quer atender todas as religiões. Respostas no Gênesis quer atrair turistas para introduzi-los à sua concepção de fé.
Autor de 60 livros
Ham e seus irmãos são criacionistas e apologistas cristãos que acreditam que a Terra tem apenas seis mil anos de idade. (Ao contrário de cientistas que afirmam que são 4,5 bilhões de anos - ou mais). Apologético é um ramo cristão cujos discípulos defendem sua fé ativamente, e Ham é um debatedor robusto.
Autor ou co-autor de quase 60 livros, ele argumenta que a Bíblia é uma narrativa histórica e que "toda a mensagem evangélica pode ser encontrada no Gênesis". Ele acredita que dinossauros existiram no planeta ao mesmo tempo que humanos e que a enchente bíblica criou o Grand Canyon. Um dos seus títulos se chama "The Lie: Evolution" (A Mentira: Evolução, em tradução livre). Ele sustenta que Noé trabalhou por sete décadas para construir sua arca e que tinha 600 anos quando a tempestade surgiu. (A arca atual demorou apenas sete anos para ser construída).
Ham - é uma coincidência que tenha o nome de um dos filhos de Noé? (Ham é como Cam é chamado nos países de língua inglesa NT: Nota da Tradução) - começou sua carreira como um professor de ciência em uma pequena cidade na Austrália. Mas a evolução não o convenceu como filho de um casal que acreditava na teoria criacionista.
"Eu levava alunos para museus e percebi que eram todos montados de uma perspectiva evolucionista", conta. Ele começou a pesquisar o ponto de vista criacionista da ciência e começou a dar aulas sobre o assunto, até que foi convidado para falar no Instituto de Pesquisa Criacionista, então localizado em San Diego.
42 mil doadores
Ele percebeu então que os EUA eram o melhor lugar para espalhar sua mensagem pelo mundo. "É o centro do mundo dos negócios e o centro do mundo cristão", diz.
Ele tem consciência de que seu ponto de vista não é compartilhado por muitas pessoas. "Obviamente somos uma minoria", afirma. "Mas não é só porque uma maioria acredita em algo que essa coisa vai estar certa. As pessoas preferem a escuridão à luz. Se uma maioria acredita em algo, fico suspeito. É a natureza pecadora do homem".
Ham já debateu sobre a evolução duas vezes com Bill Nye, astro da televisão de ciência: a primeira em 2014 no Museu da Criação e dois anos depois na Arca do Encontro. Ham acredita ter vencido os dois. Se não, por que venderia os vídeos e livros nas grandes lojas de seus museus? (Nye não quis comentar).
Mas como um ex-professor de ciência, um coronel do exército (Zovath) e um jornalista de rádio (Looy) aposentados, moradores do sul da Califórnia e com nenhuma experiência com turismo, construíram um museu e um enorme barco de madeira para promover o criacionismo no norte do Kentucky?
Os fundadores contam que olharam diversos terrenos em estados diferentes e que escolheram essa região por ser perto de um aeroporto e estar a um dia de viagem de dois terços da população americana. O local está também no cinturão bíblico, onde terão menos competição com outras atrações turísticas. Além disso, conseguiram negociar incentivos financeiros atrativos para colocar o parque ali.
Ham gosta de apontar que, enquanto muitos museus e atrações "são dependentes de subsídios do governo ou grandes doações", a arca foi financiada por 42 mil pequenos doadores. "A doação média foi de US$230".
Falência
Mas a maior fonte de financiamento foram US$ 62 milhões em forma de "títulos-lixo" (títulos de alto rendimento mas de alto risco) da cidade de Willamstown, com uma população de menos de quatro mil habitantes, onde fica a Arca do Encontro. É a sede do condado de Grand County, que declarou falência na última primavera.
"Em termos de rendimento para o condado, não recebemos muito deles", conta Stephen Wood, chefe executivo do condado. A Arca do Encontro negociou uma taxa de 30 anos de desconto em impostos de propriedade em 2013, quando o condado estava sob a administração anterior. "Eu odeio, mas foi o combinado", diz Wood.
Sem surpresas, a Arca do Encontro e o Respostas no Gênesis receberam muitas críticas sobre o financiamento.
"Por que um estado subsidiaria indiretamente uma alternativa sem sentido para a evolução?", pergunta Barry Lynn, um pastor ordenado que é diretor executivo da União da América pela Separação da Igreja e do Estado. "Não é ciência de qualidade. Não é nada de qualidade. Deve ser inaceitável para um estado de qualquer nível tratar isso como um investimento. A maioria dos cristãos não aceita isso como uma interpretação literal ou natural da Bíblia".
Ham argumenta que sua organização recebeu uma quebra de imposto turística, criando trabalhos em uma região maltratada pela economia.
Residentes de Kentucky "deveriam agradecer que estamos aqui", conta.
"Estamos criando vários trabalhos para a comunidade, que não estariam aqui se não estivéssemos aqui".
Talvez, mas um ano depois da abertura da Arca, a cidade de Williamstown, a pouco mais de três quilômetros da atração, não é muito mais que uma coleção de brechós e fachadas comerciais fechadas. No horário de almoço de um dia da semana da primavera, a rua principal estava desprovida de pedestres, ônibus de turismo ou restaurantes abertos, exceto por um pequeno café.
“Eternidade segura”
Além disso, o Respostas no Gênesis limita o acesso aos empregos, preenchendo vagas com práticas discriminatórias que deveriam fazer com que não pudessem ter subsídios do estado.
Como condição para o emprego, os 900 empregados do museu e da arca (incluindo 350 funcionários sazonais) devem assinar uma declaração rejeitando a evolução, declarando frequência regular na igreja e afirmando que o homossexualismo é um pecado. Assim, qualquer não-cristão, evolucionista e membros ou apoiadores da comunidade LGBT não podem se candidatar a vagas.
Além do próprio barco, a Arca do Encontro atrai visitantes - especialmente crianças - com reproduções de dinossauros, um zoológico interativo, exposição de insetos e passeios de camelo. O objetivo é que a arca se torne "uma das atrações para as pessoas que estão viajando", conta Zovath, que supervisionou a construção do local.
"Isso dá a oportunidade para pessoas que nunca vão na igreja verem algo que é incrível e receberem informações que podem mudar suas vidas para o melhor e as apontar para a direção da eternidade segura".
Os sócios estão seguros que podem alcançar esse objetivo porque, segundo Zovath, "Deus nos deu pessoas incrivelmente talentosas".
Um dos chefes é Patrick Marsh, vice-presidente de design de atrações. Já foi designer de moda em Beverly Hills e já trabalhou na cerimônia de abertura das Olimpíadas de 1984 e num parque temático da Hello Kitty no subúrbio de Tóquio.
Marsh gerencia um galpão que é tanto um estúdio de design quanto um estoque de materiais de construção. Quando os fundadores sugeriram a construção da Arca de Noé, Marsh disse: "Se vocês quiserem atrair pessoas, precisam fazer isso no nível da Disney. As crianças estão acostumadas com coisas de boa qualidade".
O barco inclui 55 exposições elaboradas, a mais recente sendo "Por que a Bíblia é verdade", uma instalação artística com estilo de quadrinho, e dois cinemas com filmes sobre Noé.
Adão e Eva com dragões
O maior orgulho de Marsh é a parte onde a família mora, um lugar aconchegante no estilo do Oriente Médio. Algumas placas avisam que o Repostas no Gênesis usaram uma licença criativa para desenvolver histórias para Noé e sua família. As noras de Noé, por exemplo, não são nomeadas na Bíblia, mas ganharam raças diferentes para explicar a variação da fisionomia da população mundial.
Quando comparado, o Museu da Criação parece modesto e antiquado. Mostra Adão e Eva com dragões - Respostas no Gênesis vê dragões como uma variação dos dinossauros - e mais dinossauros. Ham assume que a maior parte dos visitantes já são criacionistas. Recentemente, a atração recebeu vários grupos de igrejas, de escolas cristãs e de idosos, além de um grupo alemão que queria replicar a ideia.
A Arca do Encontro também não recebe grupos de escolas públicas, "mas já tenho algumas no meu radar", conta Ham, que acredita que mais de um terço dos visitantes não compartilham as mesmas crenças. "Não é incomum encontrar um não-cristão, um ateu ou 'tanto-faz', mas ouvimos com muita frequência elogios. As pessoas dizem que entregamos muito bem nossa mensagem".
A arca ainda não está completa. Será aberto ainda um restaurante para 800 pessoas, que contará com encenações sobre a vida na época de Noé.
O parque temático bíblico será construído gradualmente. Uma das próximas etapas é um auditório para eventos para 2,5 mil pessoas, que deve abrir na próxima primavera. Depois disso virá a cidade murada de Noé. "Como se fosse a rua principal da Disney, com lojas, comidas e coisas divertidas de se ver", conta Zovath.
O plano seguinte é a construção do cenário da época de Jesus, uma figura menos central para uma fé baseada no Antigo Testamento.
Quando olha para o progresso que já fez, Ken Ham vê que é bom. Um verão cheio de turistas está por chegar. A arca, ele acredita, vai trazer o dobro de turistas no seu segundo ano de operação - o que vai ajudar a financiar os próximos projetos.
"Tem que se arriscar para conseguir fazer algo assim", conta Ham. "Mas vejo isso como reafirmar minha fé. Tem pessoas que não iriam para a igreja, mas vem para a arca".
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