No dia 18 de março, um domingo, os cidadãos russos vão comparecer às urnas para escolher seu presidente. Ninguém, dentro ou fora do país, tem a menor dúvida de quem será o vencedor. Vladimir Vladimirovich Putin, de 65 anos, deverá chegar a seu quarto mandato. Não há margem para surpresas. A importância dessa votação não está na escolha do próximo mandatário. Ela funciona, na verdade, como um grande teste de popularidade para o homem que controla a Rússia desde o início do século.
“Nenhum outro candidato tem qualquer chance”, afirma o analista americano Stephen Blank, professor aposentado do National Security Affairs at the Strategic Studies Institute (SSI) e especialista do American Foreign Policy Council. A disputa, se existe alguma, estava no potencial eleitoral de Alexei Navalny, o único opositor expressivo de Putin. Mas Navalny foi impedido de concorrer.
Candidato invicto
A última vez em que a Rússia vivenciou uma disputa eleitoral realmente disputada foi em 1996. Gennady Zyuganov, líder do Partido Comunista da Federação Russa desde 1993, perdeu no segundo turno para o presidente Boris Yeltsin, que ficou com 54,4% dos votos. Zyuganov, aliás, ainda hoje é o líder do partido e concorreu em outras quatro eleições presidenciais. Para o pleito de 2018, seu nome, já bastante desgastado, foi retirado, em dezembro, e substituído por um fazendeiro pouco conhecido chamado Pavel Grudinin. É uma tentativa do Partido Comunista de atrair eleitores mais jovens, já que sua base eleitoral vem envelhecendo desde a década de 1990.
Putin nunca perdeu uma eleição. Foi primeiro-ministro entre 1999 e 2000, quando se elegeu presidente. Seu slogan de campanha era: “quanto mais forte o Estado, mais livre o povo”. Reeleito em 2004, ficou no cargo até 2008, quando emplacou seu candidato, Dmitri Medvedev – que, por sua vez, era primeiro-ministro desde 2005. Assim, Putin, cumpria a legislação, que só permite uma reeleição. O político pode se apresentar como candidato novamente, apenas se permanecer um mandato fora. Foi o que ele fez. Mas, enquanto Medvedev esteve no governo, de 2008 a 2012, Putin retomou o posto de premiê. Medvedev foi explícito: colocou Putin no cargo logo em seu primeiro dia no governo.
Em 2012, Putin assumiu a presidência, que agora tem mandato de seis anos. Se eleito novamente em 2018, ele tende a se consolidar como a única liderança, de fato, da Rússia, de 1999 a 2024. Vinte e cinco anos, portanto. É mais tempo do que ficaram no poder cinco dos seis comandantes da União Soviética. Só perde para Josef Stalin, que governou por 30 anos.
Meta: 70%
Em suas campanhas, Putin não costuma participar de debates e realiza poucos comícios. Prefere gravar vídeos e escrever artigos defendendo suas visões sobre o país e apresentando propostas. Faz poucas viagens como candidato, ainda que mantenha uma intensa agenda de compromissos oficiais, em diferentes áreas do país.
Para ele, não se trata de apenas vencer as eleições. “O Kremlin considera que o presidente precisa de pelo menos 70% dos votos para reafirmar seu poder, ou então terá ficado claro que Navalny se tornou influente entre os eleitores”, diz Stephen Blank. Navalny, no caso, é a maior novidade dessas eleições. Mesmo não podendo se candidatar.
Seu nome completo é Alexei Anatolievich Navalny, e ele tem 41 anos. Ativista e advogado, conseguiu se consolidar como a única voz expressiva de oposição política ao regime de Putin. Sua candidatura foi barrada porque a lei russa proíbe condenados pela Justiça de concorrer. O problema é que Navalny foi condenado, em 2013, por crimes econômicos, num julgamento que a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou falho por não dar voz ao acusado.
“Navalny é um nome importantíssimo para a eleição. Sua candidatura foi barrada porque ele representa uma ameaça clara a Putin. Sua mensagem anticorrupção é imensamente poderosa para pessoas de diferentes visões políticas”, afirma Chris Miller, professor de história internacional da Fletcher School of Law and Diplomacy, da Universidade Tufts.
A recusa de candidatos, aliás, é uma espécie de tradição russa. Em 2000, por exemplo, de 33 registros, apenas 12 foram aceitos pelo Comitê Central Eleitoral. Dez anos depois, foram cinco candidatos, contra 11 concorrentes proibidos de concorrer. O Comitê é formado por até 15 membros, sendo que cinco deles são indicados pela presidência e dez, pelo Parlamento. Os motivos para recusar candidaturas são os mais variados.
O órgão pode alegar que o candidato não reuniu assinaturas suficientes, perdeu prazos para apresentar documentos, ou não cumpriu as várias exigências mínimas para concorrer, como ter residência fixa na Rússia por pelo menos dez anos consecutivos. Se pretende concorrer sem o apoio de um partido, a pessoa precisa coletar 100 mil assinaturas válidas.
Candidato barrado
Advogado nascido nos arredores de Moscou, Navalny alcançou fama em todo o país com seus discursos contra o que considera uma ditadura instalada pelo atual presidente. Uma candidatura daria a ele tempo na TV e maior exposição no interior do país. Quando, em dezembro, sua tentativa de concorrer foi definitivamente barrada, ele aumentou a quantidade de protestos de rua, que ele já vinha organizando desde o início de 2017. O documentário que ele produziu sobre a postura ética de Dmitry Medvedev já foi visto mais de 20 milhões de vezes no Youtube. Sua conta no Twitter tem mais de 2 milhões de seguidores.
Essa luta é antiga. Em 2008, o advogado comprou ações das maiores empresas russas, incluindo as poderosas Gazprom, e Lukoil. Como acionista, começou a atormentar as companhias, solicitando relatórios e dados sobre suspeitas de desvios de dinheiro. Ele realiza eventos contra a corrupção há anos.
Durante um dos protestos mais recentes, realizado em fevereiro, foi colocado em prisão domiciliar, uma das várias vezes em que ele foi detido. Uma das maiores vitórais de Navalny seria conseguir que Putin não alcançasse os 70% de votos válidos. Ou, pelo menos, reduzisse a participação nas eleições – o governo espera convencer pelo menos 70% dos eleitores a comparecer para votar, já que o comparecimento não é obrigatório.
Na pesquisa de opinião mais recente, Putin tem 69,5% das intenções de voto, contra 7,5% do segundo colocado, Pavel Grudinin. Navalny é conhecido por 55% da população. Dentre essas pessoas, 18% dizem que poderiam votar nele para presidente. Em janeiro, 81,1% dos eleitores declararam que pretendem participar da votação.
Vê-se que impedir Putin de alcançar 70% de votação e 70% de presença não é uma conquista simples de alcançar. E não só porque o presidente controla o país. O analista Chris Miller lembra que, por mais forte que seja a mensagem do oponente, Putin se mantém uma figura muito bem vista entre os russos. Ele mantém a imagem de líder forte, cristão, capaz de valorizar as tradições do país. “Navalny surpreende os observadores por sua capacidade de atrair seguidores em cidades menores. Mas Putin continua sendo extremamente popular”, diz Miller.
Trajetória meteórica
Putin é filho da funcionária de fábricas Maria Ivanovna e do militar da Marinha Vladimir Spiridonovich. Fala alemão fluentemente e fez carreira na KGB, numa época, os anos 1980, em que o trabalho se limitava a fazer recortes de jornais. Viveu na Alemanha Oriental, com o disfarce de tradutor. Casou-se com a aeromoça Lyudmila Putina em 1983. O relacionamento terminaria em 2014. O casal teve duas filhas, Maria e Katerina, sobre as quais sabe-se muito pouco – há rumores de que ele tem também dois filhos com a ginasta Alina Kabaeva, além de boatos de que o genro Kirill Shamalov, casado com a filha mais nova Katerina, tenha enriquecido de maneira rápida e mal explicada.
Assim que a União Soviética entrou em colapso, Putin abandonou o Partido Comunista. Passou a primeira metade dos anos 1990 ocupando posições políticas em São Petersburgo, sua cidade natal. Depois acabou por se aproximar do presidente Boris Yeltsin.
Quando foi escolhido premiê em 1999, Putin era o quinto ocupante do cargo num período de 18 meses. Parecia que aquele ex-espião desconhecido e carrancudo não iria muito longe. Até que, em 31 de dezembro de 1999, Yeltsin, de maneira inesperada, renunciou ao cargo e apresentou Putin como seu candidato. Desde então, o afilhado nunca mais abandonou o poder. No campo da política exterior, ele invadiu a Crimeia e a Ucrânia e vem atacando bases inimigas do governo da Síria, mas também levou para o país, pela primeira vez, uma Olimpíada de Inverno e uma Copa do Mundo de futebol.
“Não acredito que vá haver qualquer tipo de mudança na política de governo, a não ser que alguma grave crise se apresente”, afirma Stephen Blank. “Poderão surgir caras novas, mas todas controladas por Putin”.
Chris Miller concorda. “Não espero maiores mudanças políticas depois das eleições. O governo provavelmente vai anunciar uma série de reformas econômicas, que possivelmente não serão muito substanciais”. Por falar em economia, o analista diz que ela está estável, mas estagnada. “A corrupção e o desperdício de dinheiro das grandes empresas estatais reduz a habilidade da Rússia de crescer. Por outro lado, o período de crise foi superado, e o governo enfrenta pouca pressão nesse setor”.
Os outros candidatos
Sete pessoas tentam derrotar Vladimir Putin nas urnas em 2018:
- Pavel Grudinin, 57 anos, fazendeiro, Partido Comunista
- Sergey Baburin, 59 anos, deputado, Partido pela União do Povo Russo
- Vladimir Zhirinovsky, 71 anos, fundador e líder do Partido Liberal Democrático
- Ksenia Sobchak, 36 anos, atriz e socialite, Iniciativa Cívica
- Maxim Suraykin, 39 anos, líder do Partido dos Comunistas da Rússia
- Boris Titov, 57 anos, empresário, Partido do Crescimento
- Grigory Yavlinsky, 65 anos, economista, Partido Unido Democrático Russo
Votações arrasadoras
O percentual de votos de Putin em cada uma das eleições de que participou...
- 2000: 53,4%
- 2004: 71,9%
- 2012: 63,6%
... e a proporção de votos do segundo colocado:
- 2000: Gennady Zyuganov – 29,5%
- 2004: Nikolay Kharitonov- 13,8%
- 2012: Gennady Zyuganov - 17,2%
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