A cultura do cancelamento, a ação das milícias digitais e o tribalismo político que domina as redes - especialmente do lado progressista, que tanto jura defender a pluralidade - foi o tema de um painel no segundo dia do 34º Fórum da Liberdade, ocorrido na última terça-feira (13). O encontro contou com a participação do cientista político Jason Brennan, da Universidade de Georgetown, do sociólogo Frank Furedi, da Universidade de Kent e do filósofo Luiz Felipe Pondé.
Autor do polêmico “Contra a democracia”, Brennan explicou que "a maioria das pessoas que ingressa em um grupo ideológico não o faz por estar realmente interessada em política, mas por buscar um senso de pertença”. “Trata-se de estar em um grupo e adotar as mesmas roupas, acessórios e demonstrar lealdade", diz o pesquisador. "Fazer parte de crenças e ritos custa 'caro': exige que você tenha compromisso, se sacrifique, acredite em coisas nas quais ninguém mais acredita. Adotar esses comportamentos sinaliza que você é parte do grupo. E, conforme a confiança interna deste grupo aumenta, mais ele se afasta dos outros".
"As redes sociais favoreceram o surgimento do uso de uma linguagem de sinalização de virtude: você adota uma linguagem para se promover, para mostrar que é puro e bom", explicou Brennan, alertando que isso descamba na chamada "virtude da intolerância", ao fazer com que as pessoas entendam como moralmente aceitável excluir quem pensa diferente. Assim, relações que, antes, seriam geridas por afeto e confiança, passam a ser geridas por questões ideológicas. Brennan dá como exemplo a situação de quem pergunta: "é sério que você vai jogar basquete com o seu vizinho nazista?".
Autor de "How Fear Works" ("Como o medo funciona", em tradução livre), Frank Furedi também afirmou estar preocupado com o fato de as pessoas serem encorajadas a não falar umas com as outras, e apontou que a origem desta tendência são as elites culturais que fomentam a intolerância ao promoverem as políticas identitárias como forma de fazer política pessoal.
"Isso é letal, porque no minuto em que uma pessoa se torna política, quando eu critico um de vocês, não se trata mais de uma crítica intelectual, mas a uma pessoa. Isso é uma alienação da existência", criticou o sociólogo, que acusa as universidades de contribuírem para a criação deste clima. "Fico horrorizado com como as pessoas pedem desculpas por posicionamentos nem um pouco controversos. Temos que ser mais corajosos intelectualmente. Não vivemos na Alemanha nazista, podemos revidar".
Brennan comparou a ação dos canceladores a uma versão distorcida da confissão católica. "Para um católico, você se arrepende do pecado, confessa e é absolvido. Há um benefício. No caso do cancelamento, você sequer pecou: é acusado, tem que confessar e, ainda assim, é destruído. Não se trata de um mecanismo de perdão, porque eles voltam para te caçar". Neste aspecto, Furedi destacou o perigo do policiamento da vida privada: "alguns termos que são problematizados hoje são usados por grupos negros, por judeus, por donas de casa. Com essa patologização da língua, a comunicação entre grupos fica muito difícil. Além disso, o policiamento da língua implica no policiamento da vida interna", explicou.
Defensor da existência de uma cultura de "marketing existencial", o filósofo Luiz Felipe Pondé falou sobre como a ação das milícias virtuais é também parte de um negócio: relatou aos participantes como, no Brasil, há pressão para que jornais demitam colunistas - situação enfrentada pela Gazeta do Povo - e como muitos anunciantes sucumbem à pressão, ainda que considerem que o veículo faz um trabalho importante. "Existe um componente de marketing na censura", explicou o filósofo, para quem a sociedade contemporânea está, sim, refém desses grupos. O que não significa que não seja possível lutar.
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