Técnicas de fertilização in vitro e barriga de aluguel tem contribuído para perda dos vínculos e do sentido da família tradicional| Foto: EFE/ Arturo Wong
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Aclamado como Personalidade do Ano de 2021 pela revista Time, o empresário e investidor bilionário Elon Musk revolucionou a forma como fazemos negócios. No entanto, como pai de dez filhos com três mães diferentes através de vários meios diferentes (incluindo fertilização in vitro e barriga de aluguel), Musk também está revolucionando a forma como construímos as famílias.

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Musk confiou em tecnologias reprodutivas para dar as boas-vindas a oito dos seus dez filhos. Sua árvore genealógica é quase tão complexa quanto seu portfólio. Cinco dos seis filhos de Musk com a ex-mulher Justine Wilson foram concebidos por fertilização in vitro. Musk foi pai de seus próximos dois filhos, X e Y, com a namorada Claire Boucher [NT: a cantora Grimes] – a primeira por meio de uma barriga de aluguel e que nasceu apenas um mês depois que Musk deu as boas-vindas a gêmeos concebidos por fertilização in vitro com a funcionária Shivon Zilis, apesar das políticas da empresa que proíbem relacionamentos próximos. (Aparentemente, gerar e criar filhos juntos não se qualifica mais como um relacionamento próximo.) Notavelmente, muitos dos filhos de Musk não têm ninguém para chamar de “Mãe”, especificamente X e Y, já que Boucher afirmou que acha impossível se “identificar” com o título, que acredita ser “desagradável”.

Embora ter uma segunda família costumasse estar envolto em segredo e vergonha, Musk parece estar publicamente constituindo três de uma vez só, e com pouca reprovação pública. Na verdade, a Forbes proclamou o método tecnologicamente centrado de construção familiar de Musk como “o futuro da reprodução”. A redefinição da família não é novidade em si, mas a repulsa de Boucher face à realidade da sua própria maternidade é uma marca de uma nova era: a revolução reprodutiva. O que a revolução sexual começou, ao perturbar os papéis de gênero e obscurecer a ligação necessária entre o casamento e a procriação, a revolução reprodutiva continua, destruindo as nossas concepções de maternidade e paternidade, e cortando o vínculo entre pais e filhos.

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Elon Musk revolucionou a forma como fazemos negócios. No entanto, como pai de dez filhos com três mães diferentes através de vários meios diferentes... Musk também está revolucionando a forma como construímos as famílias.

Você é minha mãe?

As tecnologias reprodutivas resultaram numa fratura sem precedentes da família, criando desconexões entre os papéis sociais e as capacidades biológicas dos pais. Isso se reflete na nova linguagem exigida por práticas como a doação de óvulos e a barriga de aluguel, que dissecam a maternidade nas suas funções componentes. Os papéis tradicionalmente desempenhados por uma mulher são agora desempenhados por duas ou mais: mãe biológica, mãe gestacional e mãe social, para citar alguns. A mesma desconexão ocorre quando a doação de esperma separa intencionalmente a paternidade biológica e social.

Depois de décadas de prática da barriga de aluguel, o profundo impacto da ligação corporal e da nutrição proporcionada pelas mães gestacionais passou a ser desconsiderado, algo que pode até ser relegado a mulheres com morte cerebral ou alternativas mecânicas. Em estados como o Oregon, existem processos em vigor para apagar as mães de aluguel das certidões de nascimento, como se a maternidade que ocorre no útero durante os primeiros nove meses de existência de uma criança fosse irrelevante.

Pior ainda, quando surgem disputas, as mães de aluguel são muito mais desumanizadas, reduzidas a meras incubadoras mecânicas. Este foi o caso recente, quando Brittany Pearson descobriu que precisava de tratamento contra o câncer enquanto atuava como barriga de aluguel de um casal do mesmo sexo na Califórnia. Os futuros pais a ameaçaram com uma ação legal caso ela se recusasse a interromper a gravidez, porque temiam possíveis prejuízos decorrentes de um nascimento antes das 34 semanas (o momento em que Pearson precisava iniciar seus tratamentos contra o câncer que salvaria sua vida). Eles também se recusaram a permitir que ela continuasse com a gravidez e oferecessem os gêmeos para adoção, porque, como alegaram, não queriam seu DNA “lá fora”, sendo criado por outra pessoa. Este exemplo revela o absurdo da reprodução comercializada: a nossa biologia é paradoxalmente valorizada e simultaneamente evitada. Uma ligação genética é considerada suficientemente importante para prosseguir com sua propagação, mas não suficientemente importante para impedir a doação de gametas. O próprio termo “doação” de gametas é questionável, uma vez que o que está em jogo, caso se torne o que se pretende que seja, é o futuro filho de uma pessoa.

Este fato não parece incomodar doadores de esperma em série como Kyle Gordy, cujo negócio de venda do seu esperma nas redes sociais fez dele o pai biológico de 65 crianças (e continua aumentando). No entanto, é profundamente preocupante para a comunidade de pessoas concebidas a partir de material genético de doadores, que luta com questões de identidade mesmo quando as suas famílias não são vítimas de médicos enganadores como Norman Barwin e Donald Cline, (praticantes que usaram o seu próprio esperma para inseminar pacientes sem o seu consentimento). A revolução reprodutiva leva a redefinição da família um passo além da reorganização retratada em The Brady Bunch [NT: A Família Sol-Lá-Si-Dó, uma série dos anos 70 que retrata uma família composta pela união de um pai e uma mãe, ambos viúvos, e seus seis filhos, três filhos dele e três filhas dela] ou mesmo na revolução pós-sexual da Família Moderna [NT: série homônima que retrata o dia a dia de três famílias na atualidade]; a revolução reprodutiva altera as identidades dos próprios membros da família, criando um colagem que copia e cola material genético e relações sociais.

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À medida que aumentamos o nosso controlo tecnológico sobre o processo de procriação, criamos a ilusão de que podemos conceber a paternidade e a família ao nosso gosto. A atriz Jamie Chung supostamente escolheu a barriga de aluguel porque estava “com medo” de colocar sua “vida em espera por mais de dois anos” para ter filhos. E o vídeo conceitual da EctoLife apresenta úteros mecânicos que simplificam o processo de nascimento com o apertar de um botão. Estas “opções” oferecem a promessa de crianças sem qualquer inconveniente. No entanto, esta é uma preparação deficiente para a paternidade, que na sua essência exige sacrificar as nossas próprias necessidades ao assumir a responsabilidade pelas necessidades dos outros. Encarar a gravidez e a criação dos filhos em termos de conveniência, em vez de sacrifício, reduz as crianças a mercadorias que existem apenas para satisfazer os desejos dos pais.

Raízes podres, frutas podres

Muitos estudiosos concordam que esta estranha ideologia tem as suas raízes na ascensão da pílula. A separação do sexo e da procriação na nossa consciência cultural preparou o terreno para a exploração generalizada das mulheres e a mercantilização das crianças. A separação entre sexo e bebês torna a família irrelevante. A contracepção permitiu o sexo sob demanda, sem consequências, e a reprodução assistida proporcionou a procriação sob demanda, sem a necessidade do compromisso vitalício com a fidelidade conjugal, aquele que faz com que deixemos de ser unicamente autocentrados.

À medida que nos afastamos da família tradicional e nos aproximamos de novas formas de construir unidades relacionais estreitas, o que deixamos para trás não é um processo arbitrário para obtenção da progênie. Quando os nossos conceitos de “mãe”, “pai” e “família” já não se correlacionam com conceitos como biologia e casamento, as palavras perdem o seu significado. Isto pode explicar porque a Comissão Jurídica de Inglaterra e do País de Gales recomendou apagar completamente a palavra “mãe” do sistema jurídico. Quando abandonamos a realidade biológica da família, desfazemos o tecido da vida humana. Tornamo-nos fios desconectados, não mais entrelaçados como um todo integral.

Quando abandonamos a realidade biológica da família, desfazemos o tecido da vida humana. Tornamo-nos fios desconectados, não mais entrelaçados como um todo integral.

Além do Humano

Também não devemos mais aceitar a mão genética que a natureza exerce sobre nossos filhos. Assim como os entusiastas que obtêm cães de um criador, podemos selecionar espermatozoides e óvulos que ofereçam as características genéticas que consideramos desejáveis. Com tecnologias de edição genética como o CRISPR, estamos mais perto do que nunca de criar uma progênie com características específicas. E como sugere o documentário Make People Better [NT: Faça as Pessoas Melhores, em livre tradução], isso pode já estar acontecendo.

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Visionários como Musk não veem a necessidade de aprimoramento genético. Levando a lógica da revolução reprodutiva um passo adiante, Musk defende um futuro transumanista em que a mente humana seja aprimorada pela interface com computadores. Sua empresa de tecnologia Neuralink, que busca implantar chips de computador no cérebro, recebeu aprovação para iniciar testes em humanos ainda este ano.

Mas as manipulações genéticas e a interface cérebro-computador dificilmente são necessárias para declarar que a era transumana começou. As melhorias físicas não são o único meio de transformar o tipo de criatura que somos. Como argumenta Mary Harrington, transformar a forma como nos reproduzimos também transforma as nossas relações – nesse sentido, “a revolução transumanista não é uma possibilidade ameaçadora ao virar a esquina. Ela já aconteceu”.

A pessoa humana nunca é meramente individual e as nossas capacidades corporais não são o único domínio que tentamos manipular; uma parte integral da nossa humanidade é a nossa identidade recebida, que existe nas relações recíprocas que mantemos com os outros. Quando nos transformamos em criaturas que já não estão fundamentalmente enraizadas em estruturas familiares, perdemos o sentido de pertencimento e de relacionamento recíproco que são fundamentais para a identidade humana. Se abandonarmos completamente a família, tornando-nos pouco mais do que indivíduos autônomos, vagamente associados por contratos fluidos de vontade autônoma, não estaremos a abandonar uma parte constituinte da nossa humanidade?

Se podemos desconstruir um conceito tão fundamental como “mãe” para que se torne impossível “identificar-se” com ele ou mesmo para que seja uma palavra digna de apagamento, quem estamos nos tornando? O que “irmã” significa quando você tem 67 delas? Ao contornarmos as estruturas familiares fundamentais para a procriação, estamos nos tornando algo que a humanidade nunca foi antes. Pode ser que a era transumanista comece não pela alteração das nossas capacidades físicas, mas através da destruição das nossas relações humanas mais fundamentais.

Pode ser que nenhum homem seja uma ilha. Mas algo mais, algo além do homem, poderia se tornar uma.

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Samantha Stephenson é a apresentadora do podcast Brave New Us e autora de Reclaiming Motherhood From a Culture Gone Mad [Recuperando a maternidade de uma cultura enlouquecida]. Ela possui mestrado em teologia e bioética e é bolsista Paul Ramsey no Center for Bioethics and Culture. Você pode acompanhar seu boletim informativo Substack sobre pesquisa médica, tecnologia e cultura em www.FaithandBioethics.com.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
Copyright © 2023 The Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês: Elon Musk and the Reproductive Revolution