Ao longo da pandemia, a frase "confie nos cientistas" se transformou em um chavão vazio que significa desacreditar qualquer leigo que tenha a ousadia de questionar a sabedoria das políticas públicas sobre a Covid-19. Esse chavão precisa ser rapidamente abandonado assim que entrarmos em 2022.
O problema da frase “confie nos cientistas” é duplo. Primeiro, porque os chamados especialistas frequentemente se enganam. As pessoas se isolaram, se trancaram e usaram máscaras por quase dois anos, e a Covid-19 continua a se espalhar, com mais de 800.000 pessoas mortas só nos Estados Unidos.
Tampouco se pode dizer que os surtos de Covid-19 se limitaram a áreas que desconsideraram os protocolos de saúde pública. No momento, a cidade de Nova York, que exige máscaras e é o lar de um dos primeiros e mais rígidos regimes de passaporte vacinal dos EUA, está relatando um número recorde de casos.
O argumento de que a variante ômicron é diferente porque é capaz de escapar das vacinas também não é uma defesa particularmente convincente dos especialistas. Antes da ômicron, havia quatro variantes principais de Covid-19, e era apenas uma questão de tempo até que alguma delas descobrisse uma maneira de contornar as vacinas. Argumentar que as pessoas deveriam ser encorajadas a se vacinar de qualquer maneira, pois isso reduz as chances de Covid-19 grave ou morte é justo. Mas se mudássemos o foco para “reduzir as mortes” em vez de “parar” ou “desacelerar” a propagação, nossas políticas seriam muito diferentes do que são agora.
Contudo, deixemos de lado o fato de que a orientação de especialistas não se mostrou eficaz na prevenção da disseminação da Covid. Mesmo se a orientação fosse mais eficaz do que tem sido, ainda não justificaria "confiar cegamente nos cientistas". A razão é que, mesmo se estivessem fazendo seu trabalho com eficácia, os cientistas de doenças infecciosas estariam, de forma míope, focados em fornecer orientação sobre a maneira mais eficaz de combater as doenças infecciosas. No entanto, é função dos formuladores de políticas e, em última análise, das pessoas, equilibrar o risco da doença com outras considerações.
É comum tentar desacreditar aqueles de nós que questionam as orientações de saúde pública com afirmações absurdas como: "quando alguém em sua família precisa de cirurgia, você faz isso sozinho ou pede a um médico para fazer?" Isso não vem ao caso, mas vamos entrar na provocação. Não, não faria sentido para um membro da família não treinado, ou para uma pessoa qualquer numa lanchonete, realizar uma cirurgia em vez de um médico.
Mas antes mesmo de chegar ao ponto da cirurgia, o médico dava ao paciente alguns detalhes sobre os riscos da cirurgia e o período de recuperação, bem como as consequências de não fazer nada. Digamos que a cirurgia nas costas acarrete algum grau de risco e um longo período de recuperação. Alguns pacientes podem decidir viver com a dor em vez de passar por ela. Outros podem decidir que vale a pena o potencial de uma cirurgia bem-sucedida no alívio da dor. Famílias com entes queridos que enfrentam os estágios finais de uma doença terminal lutam o tempo todo com decisões sobre se, em certo ponto, é melhor continuar tratando a doença de forma agressiva ou fazer a transição para cuidados paliativos e se concentrar em mantê-los o mais confortáveis possível em seus dias restantes.
O oposto óbvio para isso é que a Covid-19 é diferente, porque é uma doença infecciosa e as decisões individuais têm consequências para a sociedade como um todo. Apesar disso, como sociedade, tomamos todos os tipos de decisões que tentam encontrar um equilíbrio entre prevenir a morte e regular o comportamento humano. Provavelmente poderíamos reduzir substancialmente as mortes no trânsito se definíssemos os limites de velocidade em 20 quilômetros por hora e o nível legal de álcool no sangue em zero, punindo os infratores com prisão perpétua. Mas não fazemos isso, porque tais políticas extremas seriam indesejáveis.
Durante a epidemia de Covid-19, sempre houve uma troca entre a interrupção da rotina normal das pessoas e o desejo de minimizar a doença e a morte. Com o tempo, porém, o cálculo mudou. No início, a compensação foi apresentada como: “Se as pessoas ficarem em casa por duas semanas, elas podem reduzir a chance de espalhar involuntariamente um vírus que tem chances reais de matar alguém mais velho ou com problemas de saúde.” Nesse ponto, a maioria dos americanos, mesmo aqueles em estados majoritariamente republicanos, estava disposta a fazer essa troca.
Agora, estamos operando em uma situação em que pessoas mais velhas e mais vulneráveis podem ser vacinadas e receber reforço, reduzindo substancialmente o risco de doenças graves. Em 2022, a pílula Paxlovid, recentemente autorizada para tratamento de Covid-19, estará amplamente disponível. Nesse ponto, qualquer pessoa que ficar doente — vacinada ou não — terá outra ferramenta disponível para reduzir a ameaça de doenças graves. Portanto, por um lado, a ameaça de morte da Covid-19 não é a mesma que era no início de 2020.
Por outro lado, não estamos mais debatendo se devemos nos acomodar por algumas semanas. Estamos debatendo mudanças permanentes — se crianças de até dois anos devem usar máscaras oito horas por dia na escola e em creches, e se as pessoas devem ter que mostrar evidências de vacinação nos últimos seis meses para manter um emprego, embarcar num avião, comer em um restaurante ou ir ao cinema.
As pessoas podem escolher lados diferentes nessas questões, mas a realidade é que esses debates são muito mais complicados do que a tola réplica “confie nos cientistas” nos faz acreditar. Um cientista interessado apenas em combater um vírus não precisa se preocupar com a sobrevivência das empresas, o efeito sobre o emprego das pessoas, a educação das crianças — ou sua saúde mental. Mas o resto de nós, sim.
Infelizmente, o presidente Biden renunciou a todo julgamento ao lidar com a Covid-19, levando ao extremo seu slogan de campanha de confiar nos especialistas. Esta semana, ele disse que não poderia comentar sobre a ideia de tomar a medida draconiana de obrigar a vacinação para viagens domésticas, dizendo que só poderia ponderar “quando eu receber uma recomendação da equipe médica”.
O comentário de Biden veio mesmo quando algumas das vozes mais proeminentes na arena da saúde pública admitiram nos últimos dias que a decisão de reduzir os tempos de quarentena pela metade não foi motivada principalmente por razões científicas, mas mais por considerações práticas de manutenção de uma sociedade funcional.
Explicando a decisão, a diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), Rochelle Walensky, disse à CNN: “Isso realmente teve muito a ver com o que pensávamos que as pessoas seriam capazes de tolerar”.
Em conversa com Chris Hayes, da MSNBC, Anthony Fauci disse que, como muitas pessoas serão infectadas nas próximas semanas, se todos ficarem em quarentena por dez dias, “isso pode ter um impacto negativo em nossa capacidade de manter a estrutura da sociedade, de todos os trabalhadores essenciais de que você precisaria, caso sejam mantidos fora de atividade por um período de dez dias”. Pressionado a responder se a decisão foi motivada pela ciência ou por questões práticas, Fauci disse: "Nada vai ser 100 por cento" e "não queremos que o perfeito seja inimigo do bom".
Enquanto abandonamos a prática do seguir "a ciência" cegamente ao tomar decisões políticas com base no julgamento arbitrário das autoridades sanitárias sobre o que as pessoas podem "tolerar", é perfeitamente apropriado que não-cientistas questionem um regime de Covid-19 que tem um efeito significativo sobre suas vidas, seus negócios e seus filhos. Em outras palavras, “confie nos cientistas” não devia chegar a ver o ano novo.
*Philip Klein é editor do National Review Online.
©2021 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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