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Ex-presidente do Uruguai, José ‘Pepe’ Mujica | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Ex-presidente do Uruguai, José ‘Pepe’ Mujica| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Em entrevista à BBC Brasil, o ex-presidente do Uruguai José ‘Pepe’ Mujica falou que a esquerda na América Latina ajudou muita gente que sofria com a fome, mas admitiu que isso não foi suficiente para transformá-los em cidadãos.

“Temos muita gente com fome, sem abrigo ou com casas miseráveis, e conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos”, respondeu Mujica à repórter da BBC, Ana Maria Bahiana, quando perguntado sobre como ele avaliava a expansão da direita da América Latina e se a esquerda havia falhado.

Esse mea culpa segue algumas críticas a companheiros de esquerda em outras ocasiões. O ex-presidente uruguaio, conhecido por seu jeito simples e por ter liberado o uso recreativo da maconha em seu país, defendeu a renúncia de Daniel Ortega, ditador da Nicarágua que reprimiu violentamente protestos contra o seu regime. Também já chamou o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, de “louco” em 2016, apesar de ter dito recentemente que a crise do país não é culpa de Maduro.

Na entrevista com a BBC, publicada nesta sexta-feira (22), Mujica também falou sobre o Brasil. Perguntado sobre sua opinião quanto ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), Mujica disse que o novo governo vai enfrentar dificuldades, citando a liberalização da economia como exemplo. 

“Não sei como (o futuro governo) poderá resolver contradições como esta: colocar um ministro da economia, superfavorável a um mercado aberto, superliberal, que vai ter que lidar com a burguesia de São Paulo, a mais protecionista que existe na América Latina. Como se resolve uma contradição dessas? Não sei. Uma coisa são as palavras, outras são os fatos”, afirmou.

Imigração

Sobre as várias caravanas de centro-americanos que estão migrando para os Estados Unidos, em busca de refúgio, Mujica afirmou que a solução passa por ajudar os países desta região, citando o Plano Marshall para a reconstrução dos países europeus aliados dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. “Para resolver a questão da imigração, os Estados Unidos têm que ajudar a levantar a América Central. Essa é a grande resposta”.

Durante anos, os Estados Unidos destinaram assistência ao desenvolvimento para a América Central, na esperança de impedir que os imigrantes viajassem para os Estados Unidos. Em 2016, após um surto de crianças desacompanhadas chegando à fronteira do país, o governo do ex-presidente Barack Obama anunciou um financiamento de US$ 750 milhões para Honduras, Guatemala e El Salvador, chamado de Aliança para a Prosperidade.

A administração Trump vem revisando o auxílio financeiro dos EUA à América Central, com o objetivo de reformar ou eliminar muitos dos programas lançados pelo governo Obama. Esses programas envolveram um compromisso geral de aproximadamente US$ 2,6 bilhões em assistência externa aos países da América Central no exercício financeiro 2015-2018. Essas nações também prometeram gastar bilhões de dólares de seu próprio dinheiro para combater a violência, o desemprego, a má governança e outros fatores que levam as pessoas a fugir. 

Mas a administração Trump concluiu que os programas não funcionaram, de acordo com altos funcionários dos EUA que estudaram o pacote de financiamento da era Obama. O Departamento de Estado chegou a elaborar planos para reduções de centenas de milhões de dólares em ajuda, mas muitos funcionários alertaram que tais cortes poderiam ser profundamente prejudiciais, o que fez a administração Trump, em última análise, voltar atrás, segundo autoridades.

Drogas

Perguntado pela BBC sobre o resultado da legalização da maconha em seu país, Mujica disse que a regulação do uso da droga elimina o narcotráfico, apesar de ainda restar o problema médico, da dependência. “Se começarmos a regular o uso da droga, eliminamos o narcotráfico. Mas nos resta o problema médico - mas identificando e conhecendo o consumidor, podemos atendê-lo a tempo”.

No Uruguai, a regulamentação da venda da maconha, em julho de 2017, reduziu o mercado negro da droga em 25%, segundo dados oficiais, e diminuiu a violência ligada à comercialização, além de garantir a qualidade do produto aos usuários regulares registrados. Mas há um lado negativo. A diminuição do número de compradores que antes recorriam a traficantes fez com que estes passassem a disputar com mais violência o espaço reduzido para atuação. 

Segundo relatório da Insight Crime, há no país ao menos 20 gangues ou pequenos cartéis dedicadas ao tráfico (principalmente de cocaína) que se aproveitam da posição estratégica da cidade portuária de Montevidéu para exportá-las à Europa. Há, ainda, segundo as autoridades uruguaias, um aumento do consumo do "paco" (pasta base da cocaína) entre a juventude na periferia e em algumas áreas do centro de Montevidéu.

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