Quando o presidente Donald Trump apareceu na McLean Bible Church em Vienna, Virgínia, no domingo passado, a caminho de uma partida de golfe, ele pôs o pastor da congregação numa posição difícil. Quando a Casa Branca pediu a David Platt que rezasse pelo presidente, ele percebeu que, independente de como agisse, estaria numa enrascada. Recusar seria considerado um insulto à Presidência e também algo contrário à sua fé. E rezar seria visto por muitos como um apoio a Trump.
A escolha de Platt foi óbvia. Ele rezou por Trump.
Mas a reação tanto de alguns dos fiéis e também de vários críticos na imprensa foi intensa. O mero ato de pedir ao Todo-Poderoso que desse sabedoria a Trump foi considerado algo ofensivo e também um gesto partidário, como se desejar o bem do presidente fosse algo capaz de cooptar o pastor, a igreja e todos os seus frequentadores, levando-os a fazerem parte de um plano nefasto.
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Dentro de poucos dias, Platt começou a expressar remorso por ter rezado. Apesar de não ter pedido desculpas, como alguns veículos equivocadamente informaram, ele realmente reconheceu que alguns dos frequentadores de sua igreja ficaram “magoados” com sua oração. Ele chegou a dizer:
Isso é um peso no meu coração. Amo todos os membros dessa igreja e só quero nos guiar com a Palavra de Deus de uma forma que transcenda a política partidária, cure as mágoas da divisão racial e da injustiça e respeito todos os homens e mulheres feitos à imagem de Deus.
Fogo amigo
Não foram apenas os oponentes de Trump que causaram este problema.
Alguns dias antes da aparição inesperada de Trump na igreja, Franklin Graham, filho do famoso evangelista Billy Graham e um importante pastor e porta-voz da fé, pediu que o domingo, dia 2 de junho, fosse um dia especial de oração pelo presidente Trump. Graham pediu que os fiéis pedissem a Deus para ajudar Trump e “protegê-lo de seus inimigos”.
Graham é um dos principais apoiadores de Trump e não há muita dúvida quanto às motivações partidárias de seu pedido. Os oponentes religiosos do presidente reagiram denunciando uma suposta tentativa de sequestrar o dia sagrado dos cristãos. De acordo com Peter Wehner, presidente do Centro de Ética e Políticas Públicas, a proposta de Graham tira credibilidade do testemunho cristão.
Mas mesmo que o “Reze por Trump” tenha motivações políticas, não há nada fora do comum no que Graham propõe.
Não é de se surpreender que algo relacionado a Trump provoque controvérsia. O país está polarizado entre apoiadores e detratores de Trump, e cada um dos lados lê, ouve e assiste a produções de veículos de comunicação diferentes, tirando conclusões bem diferentes dos acontecimentos.
Mas o fato de uma congregação estar apenas rezando pelo líder do país ser visto como algo controverso demonstra duas coisas que são muito mais problemáticas do que a mais grave discordância em temas políticos e culturais.
Sociedade dividida
Antes de mais nada, a raiva em relação a Trump transcende a política.
Toda aquela conversa, durante a campanha de 2016, sobre Trump ser um perigo claro à liberdade norte-americana não era apenas uma hipérbole partidária. A convicção de que o comportamento dele não é apenas ofensivo como também uma sinalização de um desejo de subverter as normas democráticas é tão profunda que seus inimigos políticos o consideram o equivalente moral a um fora-da-lei contra o qual qualquer tática é permitida. Dois anos e meio de um governo conservador de Trump, a despeito de alguns tuítes destemperados, mão mudaram a opinião de muitos quanto a isso.
Como vimos nos casos em que autoridades ou apoiadores de Trump no Congresso foram expulsos de restaurantes por aqueles que consideram um absurdo compartilhar o mesmo espaço com um oponente político, qualquer ato de civilidade em relação a Trump ou de respeito pelo cargo que ele ocupa é aparentemente pedir demais daqueles que se opõem a ele.
O segundo problema é que a controvérsia da oração prova que a política substituiu a religião para muitos norte-americanos. Hoje há mais pessoas que dizem que se oporiam a ver seus filhos se casando com alguém do partido oposto do que aquelas que se dizem contrárias à ideia de ver seus filhos se casando com alguém de outra religião.
Essa não é a única prova da secularização da sociedade. Isso mostra que a fé num conjunto específico de atitudes políticas – e o desprezo por aqueles que têm visões diferentes – substituiu a religião na vida de muitos norte-americanos.
Isso é bastante problemático, uma vez que o sistema político norte-americano e a democracia em si, mesmo em épocas de grande divisão, exigem consenso quanto à necessidade de concordar em discordar e de aceitar de bom grado consequências democráticas às quais muitos se opõem. E instituições religiosas têm um papel fundamental nisso. Muitas igrejas, sinagogas, mesquitas e centros religiosos de todas as denominações possíveis costumam orar pelo governo e pelas autoridades eleitas dos Estados Unidos. Isso se aplica não somente àquelas instituições que abraçaram a oportunidade de demonstrar lealdade a Trump, com também àquelas denominações cujos membros são em maioria hostis ao presidente, como presbiterianos e judeus reconstrucionistas.
Tais orações são publicados em livros que os fiéis leem durante os cultos. Uma dessas orações foi escrita por Louis Ginsburg em 1928 e está em muitos dos livros usados por judeus conservadores:
Nosso Deus e Deus dos nossos ancestrais. Aceite misericordiosamente nossa oração por nossa terra e seu governo. Derrame suas bênçãos sobre essa terra e sobre seu Presidente, juízes, policiais e autoridades que trabalham lealmente pelo bem comum. Ensine-os as leis da Sua Torá, ilumine-os com as regras da Sua Justiça, de modo que a paz, a tranquilidade, a felicidade e a liberdade nunca estejam ausentes da nossa terra.
Os católicos oram:
Mande Seu Espírito para que Ele toque os corações dos líderes da nossa nação. Abra as mentes deles para o valor da vida humana e as responsabilidades que acompanham a liberdade. Lembre Seu povo que a verdadeira felicidade se baseia em buscar e realizar Sua vontade.
Tais orações reconhecem que bons cidadãos deveriam entender que todos os líderes eleitos merecem nossa ajuda e nossas orações. Além disso, elas também seguem a tradição dos dias nacionais de oração como os propostos por Abraham Lincoln.
Orações e política
Mas para além do colapso de um consenso religioso está a pura hipocrisia da condenação daqueles que acataram o pedido de Graham por uma intervenção divina em nome de Trump. Porque, apesar de todas as reclamações quanto as orações pelo presidente transformarem igrejas em campos de batalha partidários, não há nada de novo no uso de casas de oração para reunir os fiéis em prol de causas específicas e às vezes até mesmo políticos específicos.
Igrejas afro-americanas são lugares conhecidos de reunião do eleitorado; um convite para falar nelas é um símbolo de apoio nada sutil. Várias denominações também assumiram posições em temas como a imigração ilegal que as colocaram de um lado da profunda divisão política, quando se declaram ou não “santuários” para os ilegais.
Vista a partir dessa perspectiva, a ideia de que há algo de extraordinário na campanha de Graham é um absurdo. Sendo mais direto, é difícil argumentar que aqueles que acreditam no poder da oração não deveriam rezar para que os líderes com os quais discordam recebam inspiração ou sabedoria divinas.
Somente num país que perdeu sua habilidade de conferir a nossos oponentes políticos boas intenções é que é possível se opor a orações pelo governo ou presidente. Em tais circunstâncias, as orações são necessárias nem tanto para Trump, mas também para os eleitores.
Jonathan S. Tobin é editor-chefe da JNS.org e colaborador da National Review.
© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês