O último ano não foi bom para a liberdade econômica no mundo.
O Índice de Liberdade Econômica 2024 da Heritage Foundation, publicado nesta semana, mostra um cenário geral de piora. A pandemia levou muitos países a abandonar o rigor nos gastos públicos e adotar políticas que aumentaram os gastos e elevaram a intervenção estatal na economia. As consequências continuam sendo sentidas.
Em uma escala de 0 a 100, a nota média global caiu de 59,3 em 2023 para 58,8 na edição em 2024 (que leva em conta dados do segundo semestre de 2022 e do primeiro semestre de 2023). É o pior índice da história do levantamento, que é feito desde 1995 e se tornou o principal termômetro da liberdade econômica no planeta.
O relatório deste ano traz dados sobre 184 países.
“Globalmente, a solidez fiscal deteriorou de forma significativa. O aumento nos déficits e a aceleração da dívida pública em muitos países prejudicaram, e provavelmente vão continuar enfraquecendo, o aumento da produtividade; ao fim, isso deve gerar uma lentidão econômica em vez de um crescimento vibrante”, afirma o relatório, traduzido pelo Instituto Monte Castelo.
A publicação divide os países em cinco categorias: reprimidos, majoritariamente não-livres, moderadamente livres, majoritariamente livres e livres. Para ser classificado como livre, um país precisa obter uma nota de 80 pontos ou mais. Na edição de 2024, apenas quatro ficaram nesse grupo: Singapura, Irlanda, Suíça e Taiwan. Luxemburgo, Nova Zelândia, Estônia, Dinamarca, Suécia e Noruega completam os dez primeiros lugares da lista.
O Brasil está entre os "majoritariamente não-livres", em 124º lugar.
Singapura no topo
Com metade do território da cidade de São Paulo e uma população de 5,5 milhões de habitantes, o primeiro colocado no ranking aproveita ao máximo o seu potencial exportador. As tarifas baixas, a previsibilidade jurídica e gastos governamentais sob controle explicam por que o país obteve a maior nota no índice de 2024, com 83,5 pontos.
“Os fundamentos da liberdade econômica de Singapura são sustendados pela forte proteção dos direitos de propriedade e a aplicação efetiva de leis anti-corrupção", afirma o relatório da Heritage, que também destaca os impostos baixos e o ambiente regulatório favorável aos negócios.
Em Singapura, a inflação é baixa, não há salário mínimo imposto por lei e a dívida pública é praticamente zero.
Mas, apesar das suas virtudes, o pequeno país não passou incólume pela pandemia: na edição de 2021 do índice, o país tinha 89,7 pontos. De lá para cá, a queda foi de 6,2 pontos.
O professor Vladimir Maciel, do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, acredita que as consequências econômicas da pandemia continuarão a ser sentidas nos próximos anos. "São efeitos passageiros, mas no médio prazo. A deterioração das condições econômicas, especialmente a saúde fiscal e os gastos do governo, levam tempo para se reverterem", diz.
Macial lembra que muitas medidas "emergenciais" se tornaram permanentes, o que reduz a velocidade de recuperação do setor privado. "O estrago é rápido de ser feito, mas o conserto demora", ele resume.
Irlanda é exemplo; EUA, nem tanto
Em segundo lugar no índice, a Suíça aparece com 83 pontos. A publicação ressalta que a defesa dos direitos de propriedade e o rigor contra a corrupção ajudam a explicar o bom desempenho do país.
Em terceiro lugar está a Irlanda, que continua se beneficiando de reformas estruturais pró-mercado feitas nos anos 1990 E, ao contrário de boa parte dos países listados, a economia irlandesa não se tornou menos livre durante a pandemia: o país está em trajetória crescente desde a edição de 2018 do relatório.
De acordo com a Heritage, o sucesso da Irlanda se explica por parâmetros institucionais sólidos que se mantêm mesmo quando o governo troca de mãos. Poucas amarras no campo trabalhista e a facilidade na abertura de negócios atraem investidores, especialmente de países europeus com maior intervenção estatal na economia.
Quem está à procura de um exemplo de liberdade econômica já não deve olhar para os Estados Unidos. Com a nota em queda pelo quinto ano seguido, o país agora ocupa o 25º lugar.
O país tinha 81 pontos quando Barack Obama assumiu a presidência, em 2008. A nota recuou para 75,4 na edição de 2016. Em 2019, sob Donald Trump, a nota chegou a 76,8. Agora, os Estados Unidos têm 70,1 pontos — o pior índice da história. Grande parte do problema se deve à deterioração das condições fiscais e ao aumento do endividamento do governo americano.
Já a lista dos países com menos liberdade econômica tem zero surpresas. A Venezuela, que em 1998 estava acima do Brasil no ranking, ocupa o antepenúltimo lugar — com 28, 1 pontos. Cuba, cuja nota atual é pior do que antes da tentativa de reabertura na década passada, está em penúltimo lugar (27,7 pontos). Mas nada se compara à ultra-autoritária Coreia do Norte: assim como em 2023, o país obteve apenas 2,9 pontos.
Os benefícios da liberdade econômica
A guinada pró-gasto pública durante a pandemia ignora um fato demonstrado à exaustão: a liberdade econômica e a prosperidade estão diretamente relacionadas.
O ambiente favorável à livre iniciativa inclui não apenas impostos baixos e um ambiente regulatório eficaz, mas também estabilidade política. “Apesar da visível recessão na liberdade econômica global, continua havendo uma relação clara entre uma maior liberdade econômica e um maior dinamismo econômico, assim como um maior bem-estar geral”, afirma o relatório da Heritage, que traz gráficos demonstrando a correlação.
O Índice de Desenvolvimento Humano, medido pelas Nações Unidas, é de 0,627 entre os países reprimidos, 0,628 entre os majoritariamente não-livres, de 0,794 entre os moderadamente livres, 0,915 entre os majoritariamente livres e de 0,949 entre os livres.
As diferenças também se medem em riqueza. Os países economicamente livres têm um PIB per capita médio de US$ 103 mil, ante US$ 10.400 dos países reprimidos. Segundo a Heritage, a riqueza aumenta conforme a liberdade econômica sobe.
A liberdade econômica ainda se correlaciona positivamente com a defesa do meio ambiente, a inovação e o nível de democratização.
“Independentemente do nível de desenvolvimento atual, os países podem impulsionar de forma mensurável o seu crescimento econômico por da implementação de políticas que reduzam os impostos, racionalizem o ambiente regulatório, abram a economia a uma maior concorrência e combatam a corrupção, o que também ajudará a fazer avançar a sua liberdade econômica como um todo”, afirma também o levantamento.