Era corriqueiro pregar recados na porta da igreja de Wittenberg, na Alemanha do início do século 16. Membros da universidade local usavam-na como quadro de avisos: ligeiros recados convocavam alunos para arguições orais ou anunciavam cancelamentos de aula. Nada além do prosaico -com a exceção de um deles, que foi capaz de transformar a civilização ocidental. Em outubro de 1517, o monge e teólogo Martinho Lutero afixou uma folha impressa contendo 95 teses que dariam início à Reforma Protestante.
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O aniversário de 500 anos do episódio tem impulsionado eventos e exposições ao redor do mundo. Estima-se que, hoje, 12% da população mundial seja protestante. Trata-se de um grupo plural, composto por diversas denominações.
As mais antigas preferem ser chamadas de protestantes. Outras se identificam com o termo "evangélico", que vem do grego e significa "boas novas". Entretanto, não é errado considerar os dois termos sinônimos, conta o pastor Walter Brunelli, autor da enciclopédia "Teologia para Pentecostais" (Central Gospel, 1.728 páginas divididas em quatro volumes, R$279,99).
No Brasil, 30% se declaram evangélicos -grupo que cada vez mais acumula cadeiras no Congresso (cerca de 80 deputados e um senador) e "likes" na internet. As denominações mais frutíferas por aqui são as pentecostais, ramo mais recente do cristianismo que se diferencia dos demais, grosso modo, pela prática de "falar línguas" quando em estado de transe religioso.
Adeptas da "teologia da prosperidade", que promete bênçãos materiais, as igrejas neopentecostais são outro filão em alta -dessa linhagem vêm gigantes como a Igreja Universal do Poder de Deus.
Além da religião
Corrupção do clero, luxo excessivo em Roma e negligência eclesiástica são causas comumente associados à reforma, diz o historiador Ronaldo Vainfas, professor de história moderna da Universidade Federal Fluminense (UFF). Explicações de natureza socioeconômica.
Ele, contudo, chama atenção para a face teológica do movimento ao citar o historiador francês Lucien Febvre: "Há que buscar causas religiosas para uma revolução religiosa".
Algo que afligia os cristãos da época era o problema da "salvação espiritual": como alcançar o reino dos céus?
Lutero, estudioso da religião, havia chegado à conclusão de que as pessoas não poderiam se tornar mais aceitáveis aos olhos de Deus por meio do apego a "coisas religiosas", como imagens de santos, água benta, missas para mortos ou compra de indulgências -todos estes, produtos e serviços oferecidos exclusivamente pela Igreja Católica, diz à reportagem o professor do departamento de religião da Universidade Columbia, reverendo Euan Cameron.
Segundo o acadêmico, a Reforma "representou para a população da Europa sua primeira experiência de mobilização em massa em favor de uma causa ideológica".
Sola Scriptura, Solo Christus, Sola Gratia, Sola Fide, Soli Deo Gloria
O leitor não deve se sentir ignorante caso não consiga traduzir as frases acima. Não mais do que cem pessoas hoje em dia falam latim fluentemente, afirma o padre Reginald Foster, especialista na língua, em entrevista à BBC. Não era muito diferente na época de Lutero: praticamente só membros do clero dominavam o idioma. O problema é que, em 1517, as Bíblias e as missas eram em latim.
As frases, que se tornaram símbolo do movimento, significam: "Somente a escritura, somente Cristo, somente a graça, somente a fé, glória somente a de Deus". A partir desse quinteto, toda a fé cristã ocidental foi transformada, inclusive a católica. Houve maior empenho das igrejas (das novas e da velha) em fazer com que suas doutrinas fossem melhor compreendidas pelos fiéis.
Educação em massa, liberdade religiosa e o embrião da separação Igreja-Estado fazem parte da prole da reforma. Para o monge alemão, todos os fiéis deveriam ter o direito de ler as escrituras sagradas -anseio que só pôde ser perseguido graças a uma recente invenção, a imprensa de Gutenberg.
Em pouco tempo, Martinho Lutero atraiu a simpatia de grupos como nacionalistas, humanistas e opositores aos privilégios do clero. A mais nova celebridade do Sacro Império Romano-Germânico conquistou fama suficiente para se blindar de uma possível execução. A excomungação, no entanto, foi inevitável.
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