Ouça este conteúdo
O escritor inglês Theodore Dalrymple – pseudônimo do médico Anthony Daniels – é um dos principais nomes do pensamento conservador atual. Seus livros refletem as experiências de alguém que vivenciou a realidade de vários locais do mundo, incluindo Coreia do Norte e diversos países africanos. Além disso, ele atuou na saúde pública da Inglaterra como médico em hospitais públicos e no sistema prisional.
Cronista da decadência cultural que afeta não só o Reino Unido como outros locais do mundo, Dalrymple mantém um olhar atento sobre os acontecimentos do mundo, o que inclui a atual pandemia de Covid-19. Ele reforça que há muitas coisas que ainda não entendemos sobre o vírus. “Não sabemos sequer a taxa de mortalidade de pessoas contaminadas porque não temos ideia de quantas a contraíram", diz, reforçando o óbvio necessário, mas muitas vezes ignorado.
Dalrymple também aponta que existem diferenças na atuação do vírus em países diferentes. Na Coreia do Sul, cerca de 250 mil pessoas foram testadas, mas só 8% dos casos foram positivos. “Por outro lado, e por motivos ainda inexplicados, a mortalidade na Itália é muito, muito maior que em países vizinhos como Áustria ou Alemanha", acrescenta.
Para o autor, um dos pontos importantes a serem considerados é que continuamos agindo sem conhecimento total da pandemia. Nesta entrevista exclusiva, ele expõe sua visão sobre a pandemia e fala sobre as respostas dadas por líderes ao redor do mundo.
Você trabalhou como médico em várias partes do mundo. O que essas experiências o ensinaram sobre como lidar com crises de saúde?
Eu nunca trabalhei em meio a uma epidemia deste porte, exceto em uma de dengue, que é transmitida por mosquitos. Claro, isto requer controle de insetos. Também vivenciei uma crise de cólera, que requer atenção para a qualidade da água e de esgoto. Em outras palavras: nem todas as epidemias são iguais.
Você é um crítico da NHS [sistema público de saúde do Reino Unido, equivalente ao SUS]. Atualmente, os hospitais do país já alertam estarem com falta de leitos. O sistema melhorou o suficiente para enfrentar a epidemia de Coronavírus?
A verdade é que os problemas de superlotação dos hospitais não são específicos do sistema de saúde [britânico]. Isto também tem ocorrido em países como Itália e França. Os jornais franceses informam também que faltam máscaras, apesar de que o setor privado daquele país ser responsável por mais de metade do PIB. Então qualquer problema da NHS não é único dele.
Conforme o tempo passa, a situação na Itália fica pior. O que acontece naquele país é um exemplo do pior cenário possível? É possível impedir que ele se repita?
Acho que devemos manter as coisas em proporção. A expansão dos casos na Itália pode não continuar e, mesmo que continue, e duplique várias vezes, 0,2% da população mais suscetível – os idosos – morrerão. Isto é um grande número de pessoas, mas não a Peste Negra.
As medidas tomadas ao redor do mundo são suficientes para reduzir o risco o máximo possível? Há coisas que poderiam ter sido feitas mas não foram?
Foi feito o suficiente? É mais fácil ser sábio depois do evento. A vida é vivida para a frente, nunca para trás. O importante é aprender de acordo com a experiência atual, mesmo que, da próxima vez, as coisas sejam diferentes. Dizem que não prestamos atenção aos avisos. Mas, se tivéssemos prestado atenção, ninguém saberia o que foi evitado e aí todos diriam que as precauções são excessivas, caras e desnecessárias.
A política tem afetado nossa habilidade de lidar com a pandemia e feito com que medidas importantes não tenham sido tomadas?
Brincar de política sempre é ruim nessas situações, apesar de provavelmente inevitável, pelo menos em democracias. Políticos precisam ser vistos fazendo algo, mesmo sem saber se o que eles estão fazendo vai ter qualquer efeito benéfico. Uma resposta vigorosa sempre parece boa. Mas a pressão política é não só insistente como geralmente contraditória. O ânimo da população esquenta e se acalma. O político sempre tem algo a mais que simples fatos ou a ciência para considerar.
Como as classes mais baixas lidam com essa situação? Há excesso de pânico ou disseminação de informações falsas?
Pelo que sei, embora não tenha visto pessoalmente, uma parte das classes baixas, assim como outras classes sociais, se recusa a acreditar na seriedade da situação e opta por assumir riscos sérios, quase perversos. Como praticamente todos os agentes do Estado mentem para eles, e têm mentido por anos, por que eles deveriam acreditar neles dessa vez?