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Cassações e renúncias

Os escândalos que derrubaram ministros das Supremas Cortes ao redor do mundo

Abe Fortas: juiz da Suprema Corte que deixou o cargo após escândalos
Abe Fortas: juiz da Suprema Corte que deixou o cargo em meio a acusações (Foto: Divulgação/US Supreme Court)

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Em democracias consolidadas, a cassação de juízes por abusarem do cargo é rara. Rara, mas acontece.

Em 70 antes de Cristo, na república de Roma, o magistrado Caio Verres cometeu atos de corrupção e abuso de poder em sua jurisdição, na Sicília. Acusado de forma irrefutável pelo célebre Cícero, ele optou por renunciar ao cargo e buscar o exílio.

O Senado brasileiro não tem um Cícero, mas um grupo de parlamentares pretende cassar o mandato de Alexandre de Moraes. Eles argumentam que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) descumpriu as normas legais durante as investigações por "fake news" e "atos antidemocráticos".

Moraes está contra a parede desde que a Folha de S. Paulo revelou mensagens trocadas por integrantes do seu gabinete.

Ainda não está claro se o processo de impeachment do ministro Alexandre de Moraes terá andamento. Caso isso aconteça, não será algo inédito.

Thomas Jefferson defendeu cassação de juiz da Suprema Corte

O modelo de separação dos poderes deve muito à Constituição dos Estados Unidos. Teóricos como Montesquieu (1689-1755) já haviam proposto a existência de três braços separados do governo. Mas foram os autores da Carta Magna americana, entre eles Thomas Jefferson, os responsáveis por implementar esse modelo em uma república de larga escala.

A Constituição implementada em 1787, e ainda em vigor, prevê poderes com um certo grau de autonomia e, ao mesmo tempo, responsáveis por manter uns aos outros dentro de sua missão institucional.

Menos de três décadas depois que a Constituição americana foi promulgada, o Congresso e a Suprema Corte tiveram o primeiro grande embate. O protagonista foi o juiz Samuel Chase, um político com passado no Partido Federalista que se recusou a deixar a militância partidária. Dentre outras irregularidades, ele foi acusado de não rejeitar testemunhas parciais e de emitir sua opinião antes de ouvir todas as partes envolvidas.

Curiosamente, o homem por trás da ação contra Chase era o principal responsável ela Constituição: Thomas Jefferson, agora alçado à posição de presidente da República (e um integrante do partido Democrata-Republicano).

Nos Estados Unidos, tanto a Câmara de Representantes quanto o Senado têm a função de julgar ministros da Suprema Corte e juízes federais. Chase foi considerado culpado pelos deputados e afastado do cargo. Mas, no Senado, não houve votos suficientes para removê-lo em definitivo. Por isso, Chase reassumiu o lugar no tribunal. 

O caso de Samuel Chase é considerado um precedente que assegura uma proteção dos ministros da Suprema Corte contra possíveis ataques vindos do Legislativo.

A ideia era a de que os membros do tribunal precisam ter independência para não serem coagidos pelos legisladores. A Constituição Brasileira foi indiretamente influenciada por esses princípios.

De lá para cá, não houve processos de impeachment contra integrantes da Suprema Corte americana.

O ministro da Suprema Corte que renunciou em meio a denúncias

Não é preciso retroceder aos século 19 para encontrar um ministro da Suprema Corte americana em maus lençóis.

Em 1969, a opinião pública americana se voltou contra Abe Fortas, um ministro da Suprema Corte indicado quatro anos antes pelo presidente Lyndon Johnson.

Embora já houvesse indícios de que Fortas havia violado normas éticas, a situação dele se tornou insustentável quando veio à tona um acordo obscuro em que o juiz receberia US$ 20 mil por ano do investidor Louis Wolfson em troca de serviços cuja natureza nunca ficaram claros. Sem chances de escapar do impeachment em meio ao escândalo, ele renunciou ao cargo. Foi a única vez na história que um ministro da Suprema Corte americana deixou o cargo por indícios de corrupção.

Mais recentemente, a deputada democrata Alejandra Ocasio-Cortez pediu a cassação de dois ministros do tribunal, Clarence Thomas e Samuel Alito. Ela afirma que eles atuaram em casos nos quais têm interesse pessoal ou financeiro, e que isso é suficiente para justificar a punição. A deputada alega que os magistrados receberam presentes de pessoas e entidades com causas tramitando na corte.

Grande parte dos "presentes" na verdade foram passagens áreas e hospedagens para participação em eventos. Como esses casos não são explicitamente vetados pelas normas do funcionalismo americanos, é improvável que os pedidos apresentados por Alejandra Ocasio-Cortez prosperem.

Nos Estados Unidos, o Congresso também tem o poder de cassar o mandato de juízes federais.

Neste caso, a lista é bem mais longa: oito deles foram considerados culpados. A lista inclui Mark W. Delahay (cassado em 1873), punido por ir trabalhar bêbado, George W. English (em 1826), que perdeu o cargo por abuso de poder, e G. Thomas Porteous, Jr. (2010), por perjúrio e corrupção passiva. 

Um escândalo na Suprema Corte da Áustria

Com um sólido currículo acadêmico e uma carreira política bem-sucedida, Wolfgang Brandstetter chegou à Suprema Corta da Áustria em 2018, aos 61 anos. Poderia ser o auge da carreira do jurista. Mas, em 2021, ele se tornou investigador por corrução por atos praticados poucos anos antes, quando era ministro da Justiça.

Pior: também em 2021, vieram a tona mensagens privadas em que ele pede favores impróprios a um ex-colega e faz comentários considerados racistas e machistas. Foi o suficiente para Bradstetter renunciar ao cargo. Se não o fizesse, é possível que ele fosse alvo de um processo de impeachment.

Na Ucrânia, dois ministros investigados por corrupção

O ucraniano Oleksandr Tupytskyi se tornou um dos exemplos mais recentes de um ministro de Suprema Corte que caiu em desgraça. Indicado ao posto em 2013, ele se tornou o presidente do tribunal seis anos depois.

Enquanto esteve no tribunal, Tupytskyi foi um dos responsáveis por derrubar leis anticorrupção que prometiam aproximar a Ucrânia dos padrões da Europa Ocidental nesse quesito.

Em 2021 — em um movimento controverso — o presidente Volodymyr Zelensky cancelou o decreto do seu antecessor que havia indicado Tupytskyi para a Suprema Corte. Assim, o juiz perdeu o cargo de forma sumária.

Zelensky alegou que o antecessor, Viktor Yanukovych, usurpou o poder. Logo, a nomeação de Tupytskyi e de outro ministro, Oleksandr Kasminin, eram inválidas.

Na Ucrânia, a remoção de um ministro da Suprema Corte deveria passar por um Comitê de Ética do próprio tribunal. Mas os meios questionáveis de Zelensky não anulam a má conduta de Tupytskyi.

Investigadores ucranianos afirmam que o juiz subornou uma testemunha para impedir que ela depusesse em um processo na Suprema Corte.

Em dezembro de 2021, o governo americano incluiu Tupytskyi na lista de pessoas impedidas de entrar ou fazer negócios no país. Na justificativa para a decisão, o Departamento de Estado dos Estados Unidos afirma que o Tupytskyi cometeu "atos significativos de corrupção", incluindo receber propina enquanto era juiz.

Pouco parece ter mudado na Ucrânia de lá para cá.

Em maio do ano passado, o chefe da Suprema Corte do país, Vsevolod Knyazev foi removido do cargo pelos próprios colegas, sob a acusação de ter recebido US$ 2,7 milhões em propina.

O que justifica impeachment no Brasil

O artigo 52 da Constituição brasileira dá ao Senado o poder de cassar o mandato de ministros do STF que tenham cometido os chamados crimes de responsabilidade. A lista do que se enquadra como crime de responsabilidade está na lei 1.079 de 1950.

São cinco itens:

  • 1) “Alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal”;
  • 2) “Proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa”;
  • 3) “Exercer atividade político-partidária”;
  • 4) “Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”;
  • 5) “Proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.

Em 2021, o presidente Jair Bolsonaro apresentou um pedido de impeachment de Alexandre de Moraes com base nos itens 2 e 5 da lista. Menciona, dentre outros fatos, a atuação de Moraes no inquérito 4781 do STF. Nele, o ministro é ao mesmo tempo vítima, acusador e juiz.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não deu andamento ao processo.

Mais recentemente, parlamentares de oposição anunciaram que apresentarão um pedido conjunto de impeachment de Moraes. O documento, que se baseia nas revelações feitas pela Folha de S. Paulo, deve ser entregue à Presidência do Senado em setembro.

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