Escravidão não é coisa do passado. Um relatório publicado pela Organização Internacional do Trabalho (ILO), afiliada à ONU, e pela Fundação Walk Free estima que 40,3 milhões de pessoas no mundo estavam presas a algum tipo de escravidão moderna em qualquer dia do ano de 2016.
Mas devido a sua própria natureza, é difícil aferir a precisão desse número. Escravidão costuma ser uma prática ilegal e escondida – em que a capacidade da vítima de denunciar é limitada. Os autores do estudo Global Estimates of Modern Slavery admitem que há lacunas na informação disponível: apesar de terem sido utilizados dados extensivos da ONU, alguns países e divisões administrativas não estão incluídos.
“É difícil ou até mesmo impossível fazer pesquisa em áreas de alto conflito”, diz Fiona David, diretora executiva de pesquisa global da Fundação Walk Free, e aponta áreas como a Síria e o norte da Nigéria, que foram excluídas do estudo. Devido a isso, segundo Fiona, a estimativa de 40,3 milhões provavelmente é conservadora.
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A Walk Free espera que esse detalhe perturbador possa induzir a uma ação global. “Isso é, na verdade, histórico”, diz Andrew Forrest, magnata australiano de mineração e fundador da ONG antiescravidão. “Nós sabemos que estamos lidando com um grande problema.”
Ásia e África
O estudo Global Estimates of Modern Slavery constatou que ocorre escravidão em todas as regiões – e provavelmente todos os países – do mundo. Em números absolutos, a maioria dos escravos modernos provavelmente vive na Ásia e na região do Pacífico. Por outro lado, estima-se que a escravidão enquanto prática seja mais recorrente na África. O relatório alerta, porém, que com dados mais precisos esses rankings podem mudar.
Particularmente, o estudo não disseca os números por país, como o índice Global Slavery Index, publicado anualmente desde 2013 pela Walk Free. Alguns especialistas, como a pesquisadora de tráfico humano Anne Gallagher, criticam a metodologia dos índices da Walk Free, apesar de reconhecer que o objetivo de fornecer uma estimativa precisa da escravidão moderna é nobre.
A ILO, agência da ONU que trabalha com normas de trabalho, também publicou os seus próprios números no passado, que tenderam a ser menores do que as estimativas da Walk Free – o que confundiu ainda mais o assunto.
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Pesquisadores esperam levar os líderes mundiais a enfrentarem o problema com mais seriedade, utilizando uma nova metodologia que incorpora uma grande quantidade de novos dados de fontes como a Organização Internacional para as Migrações e combina com o trabalho da Walk Free e da ILO.
“A mensagem que a ILO está passando (...) é muito clara: o mundo não ficará em uma posição para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável se não aumentarmos drasticamente os nossos esforços na luta contra esse flagelo”, disse Guy Ryder, diretor geral da ILO, em uma declaração.
“Essas novas estimativas globais podem ajudar a criar e desenvolver intervenções para prevenir tanto o trabalho forçado quanto o trabalho infantil.”
Mulheres e meninas
Isso pode ser verdade. O relatório Global Estimates of Modern Slavery não apenas oferece detalhes de onde as pessoas escravizadas vivem, mas também alguns detalhes surpreendentes de como elas vivem. O relatório aponta que a maioria dos escravos modernos não são homens com correntes, como a nossa imaginação poderia sugerir.
Na verdade, a maioria sequer são homens. Mulheres e meninas representam uma estimativa de 28,7 milhões das pessoas escravizadas, cerca de 71% do total. Enquanto isso, estima-se que uma em cada quatro vítimas de escravização moderna são menores de 18 anos.
Também há uma grande variedade do tipo de escravidão encontrado. Estima-se que 24,9 milhões de pessoas foram vítimas de trabalho forçado em 2016, segundo o relatório. A maioria dessas pessoas (64%) estava em exploração de trabalho forçado na economia privada, com maior probabilidade de serem trabalhadores domésticos, da construção civil ou da manufatura. Outros 19% estavam em exploração sexual forçada, quanto 17% estavam em trabalho forçado imposto pelo Estado.
Exploração sexual
Separado do conceito de trabalho forçado há outra definição de escravidão: casamento forçado, que representa 38% do número total, ou 15,4 milhões de casos. Particularmente, mulheres e meninas representam 88% dos casamentos forçados, e 99% da exploração sexual.
O relatório constatou que as pessoas acabam nessas situações por uma série de motivos. Quando se trata de trabalho forçado, a forma mais comum de coerção foi a negação de salários, com a servidão por dívida como uma tática comum. Ameaças de violência também foram comuns, assim como atos de violência física.
Mulheres também tiveram uma probabilidade maior de enfrentar violência sexual como uma tática de coerção. Casamentos forçados geralmente envolvem crianças que não são capazes de consentir; às vezes mulheres são forçadas ao casamento para cancelar dívidas ou encerrar disputas familiares. O casamento pode ser parte de uma tradição, apesar de casamentos forçados geralmente serem usados por grupos armados durante conflitos.
É provável que precise ser feito mais trabalho para tornar esse tipo de macroestimativa mais precisa, como Fiona reconhece. Ela aponta que a campanha da ILO contra trabalho infantil começou há décadas, e é por causa de estimativas iniciais feitas há muito tempo que podemos ver políticas terem resultados. “Nós estamos equivalentes aos primeiros dias de escravidão moderna”, diz Fiona.
Mas Forrest diz esperar que agora que a Walk Free e a ILO concordaram em uma estimativa, mais processos possam ser feitos para erradicar a escravidão moderna. “Escravidão moderna certamente existe”, diz.
“E diferentemente de fenômenos naturais – como câncer ou HIV ou ebola – isso é algo que nós, como pessoas, podemos controlar.”
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