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No último domingo (11) Cuba viveu um dia sem precedentes em sua história recente, com milhares de manifestantes saindo às ruas em diversas cidades do país. Entre os pedidos, mais liberdade, com gritos de “Cuba livre”, “Pátria e Vida” e “basta de mentiras”.
Diversos fatores são apontados como motivos para os protestos, como o cerceamento da liberdade, a escassez de alimentos e de remédios, além dos constantes apagões, da elevada inflação, a queda do PIB de 11% em 2020, o aumento descontrolado de casos de Covid-19 e os constantes cortes de conexão da internet.
A luta por liberdade do povo cubano não sensibilizou políticos reconhecidos da esquerda brasileira. Apesar de muitos se declararem defensores da democracia, a maioria silenciou ou declarou apoio ao regime ditatorial cubano.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se limitou a manifestar seu apoio à ditadura cubana. Ele aproveitou para criticar os Estados Unidos. "Se Cuba não tivesse um bloqueio, poderia ser uma Holanda. Tem um povo intelectualmente preparado, altamente educado. Mas Cuba não conseguiu nem comprar respiradores por causa de um bloqueio desumano dos EUA", escreveu Lula, esquecendo que foi a adoção precoce do capitalismo que transformou a Holanda em uma potência já no século XVI.
Candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad em 2018, a comunista Manuela D'Ávila afirmou que o regime cubano "é asfixiado pelos Estados Unidos de forma criminosa." E aproveitou para relativizar a luta pela liberdade dos cubanos. "Eu defendo a liberdade em todos os lugares do mundo. Mas sei que o que está em jogo não é isso. É a luta por esmagar uma pequena ilha rebelde, que ousa, nas barbas dos Estados Unidos, construir um sistema diferente."
O psolista Guilherme Boulos publicou em seu Twitter:
“Cuba teve 1.584 mortes por Covid em toda a pandemia, menos do que qualquer bairro de São Paulo. Mesmo sob um bloqueio econômico perverso está desenvolvendo sua própria vacina. E tem gente por aqui pedindo SOS para Cuba…”
Vice-colocado nas eleições para prefeito de 2020 na cidade de São Paulo, o psolista ignorou que os dados oficiais citados são de uma ditadura, portanto não confiáveis, considerando que na ilha não há liberdade de expressão e imprensa independente, sendo comuns a censura e perseguições a jornalistas.
Vale lembrar que em março de 2020 Boulos esteve entre os políticos de esquerda e extrema-esquerda que, no afã de defenderem o regime, espalharam fake news sobre a existência da vacina cubana.
Também do PSOL, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) não respondeu à tentativa de contato da Gazeta do Povo, mas também publicou em seu Twitter uma defesa da gestão da pandemia por parte do regime cubano, criticando o bloqueio dos EUA: “O mais novo ataque imperialista a Cuba, endossado pela mídia, não leva em conta os fatos: apesar do bloqueio econômico imposto pelos EUA, que impediu a chegada de máscaras e respiradores, a ilha teve número de mortos por Covid proporcionalmente menor que países como o Brasil.”
Procurado pela Gazeta do Povo, o deputado Orlando Silva (PCdoB - SP) afirmou “não ter informações sobre os acontecimentos de lá” e que por isso não se manifestaria. Mais tarde, em suas redes sociais, porém, publicou mensagem de apoio ao socialismo cubano: “Antes que o dia termine, quero registrar meu apoio a Cuba e ao povo cubano em sua revolução heroica e vitoriosa, que resiste a um embargo criminoso por décadas a fio. Em um país pobre e boicotado, não há fome e a educação e a saúde são referências para o mundo. É o Socialismo!”, escreveu Orlando, ignorando os vários períodos de racionamento de alimentos e a deficiência de proteína entre os adultos cubanos constatada até por aliados soviéticos.
A política Vera Lúcia Salgado, que concorreu em 2020 à prefeitura de São Paulo pelo partido de extrema-esquerda PSTU, foi uma das poucas a criticar o regime cubano, mas por não ser — pasmem! — um país socialista. Escreveu ela no Twitter: "Se Cuba fosse socialista o povo cubano controlaria o seu estado e não estaria nas ruas lutando contra ele por liberdade. Não confunda ditadura do proletariado com ditadura sobre o proletariado."
Bate e assopra
Também procurada pela Gazeta do Povo, a deputada Sâmia Bomfim informou que, por estar de licença maternidade, não poderia participar de entrevista. Seu primeiro filho, Hugo, nasceu há poucos dias, em 24 de junho.
A equipe de Sâmia, contudo, publicou em suas redes sociais um artigo intitulado “Raiva popular em Cuba”, em que, ao contrário da maioria das figuras da esquerda, trouxe algumas críticas ao regime cubano. O artigo fala sobre os “problemas internos do país e as contradições atuais da revolução”.
“O bloqueio dos EUA representa uma parte importante dessa crise, não há dúvidas. Mas é um erro atribuir o problema exclusivamente ao bloqueio. Parte da esquerda brasileira comete esse erro reiteradamente e não examina as contradições internas da sociedade cubana. A longevidade da revolução só pode ser explicada pela sua fortaleza interna. Recusar a ver as fissuras internas é também uma forma de negacionismo”, diz um dos trechos.
“A população cubana tem legitimidade de protestar. Ao perceber que suas demandas e insatisfações não são escutadas pelo governo, que os espaços de diálogo entre Partido e sociedade não são mais tão eficazes como antes, ou mesmo desapareceram, a população pode, eventualmente, ir às ruas com raiva”, afirma em outro, referenciando críticas internas, como o manifesto 27N, ao final de 2020, que assinado por 300 trabalhadores da cultura, demandou mais canais de poder de decisão política e maior liberdade de expressão.
Em outros trechos, no entanto, cai na velha narrativa de esquerda, afirmando que “o imperialismo vai “cumprir seu papel” e cubano-americanos de Miami vão tentar se apropriar do sentimento das ruas de 11/07.
O texto compartilhado pela equipe da deputada critica ainda as reformas econômicas de Raúl Castro por ter facilitado “a criação de negócios por conta própria individuais, que cresceram de 50 mil para mais de 500 mil entre 2010 a 2020”. Na opinião deste, “uma economia que cresce com negócios privados e não com cooperativas estimula uma subjetividade individualista, que a revolução cubana (notadamente Che Guevara e Fidel Castro) batalharam para combater.”
Cenas de defesa explícita da ditadura
Procurada, Jandira Feghali (PCdoB-RJ) não respondeu à tentativa de contato, mas compartilhou a nota do PCdoB em solidariedade a Cuba, que também condenou o bloqueio comercial.
“O povo cubano vem enfrentando uma nova onda reacionária golpista. (...) irrompe na mídia ocidental uma série coordenada de imagens que tentam projetar para o mundo a ideia de que uma grande revolta popular estaria em curso. O mundo inteiro sabe que a situação em Cuba é de resistência e justamente porque o seu governo há seis décadas não se rende ao imperialismo e é punido por um criminoso bloqueio econômico que trava suas possibilidades de desenvolvimento. O Partido Comunista do Brasil, sua direção e sua militância, mais uma vez se coloca ao lado do povo cubano e sua defesa da Revolução. Rendemos homenagens às suas conquistas, sua resiliência e sua importância histórica para os avanços populares na América Latina.”
Já o PT fez um comunicado a partir de sua Comissão Executiva Nacional “de apoio ao povo e ao governo de Cuba”, criticando o bloqueio comercial.
“[...] O PT condena os que – a exemplo do governo estadunidense – falam em “ajuda humanitária” ao mesmo tempo que mantém o bloqueio e aprovam recursos financeiros para grupos de oposição. O PT reafirma sua condenação irrestrita ao bloqueio e exige seu levantamento imediato por questões humanitárias, de respeito às leis internacionais e ao direito inalienável dos povos por sua soberania e autodeterminação.”
Procurada, a presidente do PT Gleisi Hoffmann não respondeu à tentativa de contato, mas mais tarde, em sua conta no Twitter, compartilhou o comunicado do partido.
Apoio à Venezuela
Os apoios de filiações partidárias e alguns de seus mais notáveis nomes ao regime socialista cubano contrasta com o que ocorreu há apenas um mês, quando páginas de esquerda em redes sociais criaram memes para ironizar a fala da atriz Juliana Paes, que afirmou temer “a ameaça comunista” ao criticar extremismos políticos no Brasil.
Durante a campanha de Fernando Haddad à presidência em 2018, o PT excluiu de seu site oficial publicações de apoio ao regime chavista na Venezuela, e apenas três meses depois a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, prestigiou Nicolás Maduro, mesmo após eleição ser condenada por diversos órgãos internacionais diante das evidências de fraude.
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