Resumo da reportagem
- Tragédia submersível Titan: 5 pessoas, incluindo executivos ricos, morreram quando seu suprimento de oxigênio acabou a 3800 metros de profundidade do Atlântico.
- Reação na internet: vários usuários, principalmente comunistas, ridicularizaram a tragédia, comemorando a morte de indivíduos ricos, evidenciando um discurso de desumanização.
- Contexto histórico: a desumanização dos ricos é uma tradição em discursos de extrema esquerda, usada para justificar violência e repressão, com base em uma visão marxista da sociedade.
Em algum lugar a 3800 metros de profundidade do Oceano Atlântico, nos arredores do que resta do navio Titanic, cinco pessoas presas por dias em um pequeno veículo submersível, o Titan, pensavam no que fazer nas últimas horas que tinham de vida, enquanto seu suprimento de oxigênio lentamente se esgotava. Estima-se que se esgotou na quarta (21). Nesta quinta, pedaços do submersível foram encontrados, confirmando as mortes.
Para muitos, a julgar pelas redes sociais, a situação é engraçada, pois as vítimas do desastre eram ricas. O grupo que está fazendo piadas e deboche a respeito se confunde, ao menos em parte, com o que aplaudiu a censura judicial ao humorista Léo Lins, no mês passado, por piadas supostamente insensíveis.
As vítimas são o engenheiro Stockton Rush, 61 anos, piloto do veículo e diretor executivo da empresa OceanGate, que oferecia as visitas aos destroços do famoso navio que naufragou em 1912; Hamish Harding, 58 anos, aventureiro britânico detentor de diversos recordes em voo e mergulho, que já foi ao polo sul acompanhado de um dos astronautas que pisaram na Lua; Shahzada Dawood, 48 anos, empresário britânico-paquistanês das indústrias têxtil, de construção e fertilizantes, e seu filho de 19 anos Suleman Dawood; e Paul-Henri Nargeolet, 77 anos, um ex-mergulhador da Marinha da França conhecido como “sr. Titanic” pelo conhecimento que acumulou a respeito da embarcação — ele fez parte da primeira expedição aos destroços em 1987.
A OceanGate estava cobrando US$ 250 mil (R$ 1,2 milhão) de cada passageiro. O serviço comercial fora aberto em 2021. Mas o interesse de Stockton Rush não era apenas financeiro: sua esposa, Wendy, é tataraneta de Isidor e Ida Straus, casal vítima do naufrágio do Titanic.
O Titan partiu para a expedição no domingo (18) por volta das 9h da manhã, no horário de Brasília. Uma hora e 45 minutos depois, interromperam-se as comunicações com seu navio acompanhante de superfície, o Polar Prince. Um submersível, ao contrário de um submarino, depende de comunicação com sua nave-mãe. Sem o contato, o veículo ficou sem conhecimento de sua própria posição e não apareceu na superfície no horário combinado, 16h.
Quando o Polar Prince comunicou o desaparecimento às autoridades canadenses e americanas, 10 horas desde a submersão já haviam passado. A autonomia de oxigênio era de 96 horas no máximo a partir de segunda-feira. Na terça, a equipe canadense detectou sons de “batidas” a intervalos de 30 minutos próximo do local do sumiço. Desde o começo das buscas, contudo, especialistas alertaram que as chances de um resgate de sucesso eram mínimas. Se bem-sucedido, o resgate bateria recorde de profundidade. As mortes foram confirmadas horas depois que os destroços foram localizados.
Torcida de tragédia
Laura Sabino, uma youtuber comunista com 240 mil seguidores no Twitter, comemorou a tragédia na terça: “Dando risadinhas involuntárias toda vez que lembro que quatro multimilionários, que não sabiam mais como torrar o dinheiro, estão perdidos no meio do Oceano”. A publicação obteve 21 mil curtidas. Quando usuários responderam mostrando que ela própria relatou, em 2020, ter perdido uma tia para a Covid-19, que também mata por sufocamento, Sabino riu e questionou a inteligência da comparação.
Já Gustavo Pedro, dirigente nacional de organização de jovens do Partido Comunista Brasileiro (UJC, PCB), residente no Rio de Janeiro, publicou um meme de um tubarão prometendo comer “três burguês em lata”, comentando “eat the rich” (“coma os ricos”), expressão comum dos socialistas americanos.
Na mesma rede social, “menos 5” se tornou uma das expressões mais usadas pelos usuários nesta quinta-feira, com mais de 15 mil ocorrências. Entre os resultados há comentários como “menos 5 milionários no mundo”, “menos 5 potenciais Elon Musk no mundo”, “menos 5 bilionários no mundo... infelizmente, morre um, nasce um herdeiro”.
O músico e apresentador João Gordo republicou um desenho do submersível no Instagram com legenda “Quantos ‘mini submarinos’ são necessários para sumir com todos os bilionários do mundo?” e acrescentou um comentário: “Ótimo investimento”.
Não é verdade, contudo, que todos eram bilionários. Isso se aplica somente a Hamish Harding e a Shahzada Dawood. Stockton Rush, o piloto, tem patrimônio estimado em US$ 12 milhões, o menor do grupo.
Tradição de desumanização dos ricos, motivação comprovada de inveja
“Burguês” e “capitalista” foram os termos escolhidos por Karl Marx para descrever a suposta classe dominante das sociedades de economia baseada no livre mercado. Mas também se tornaram xingamentos desumanizantes entre os revolucionários. No mínimo, continha uma acusação, derivada de uma conclusão falsa de Marx: que os que tinham muito só poderiam ter roubado dos que tinham pouco.
A ideia foi desmistificada na própria época, por socialistas “revisionistas” como Eduard Bernstein, que apontou em um livro de 1899 que o “capitalismo”, ao contrário do que alegava Marx, estava melhorando a vida dos trabalhadores — um sinal de relação harmônica do trabalho, em vez de apenas de exploração. Bernstein preferia atingir o socialismo pela via das reformas, em vez de revolução violenta. Marx condenou os reformistas e optou explicitamente pela violência no Manifesto Comunista escrito com Friedrich Engels, herdeiro rico que o sustentava em Londres com uma mesada.
Como em outros casos históricos, a desumanização acontece na forma de demonização, estereótipo, uso de grupos como bodes expiatórios para erros dos próprios acusadores, e propaganda.
Em 1849, Engels publicou um artigo no jornal de Marx, Neue Rheinische Zeitung, estereotipando povos inteiros: “A próxima guerra mundial resultará no desaparecimento da face da Terra não apenas das classes e dinastias reacionárias, mas também de povos reacionários inteiros. E isso, também, é um passo à frente”, escreveu o comunista.
Na tomada de poder dos bolcheviques na Rússia em 1917, o líder Vladimir Lênin seguiu os passos de Marx e Engels. Como a sociedade vítima de sua revolução era pouco industrializada, os estereotipados foram os “kulaks”, camponeses marginalmente mais confortáveis que a maioria. Em uma carta aos camaradas do partido de agosto de 1918, Lênin manda enforcar em público “100 kulaks conhecidos, homens ricos, sanguessugas”. Antecipando ações de seu herdeiro político Josef Stálin nos anos 1930, já no primeiro ano da revolução, na mesma carta, Lênin dá uma ordem: “Tomem todos os grãos deles”.
Stálin, perseguindo os kulaks, perpetrou contra o povo ucraniano o Holodomor, um genocídio reconhecido pelo Senado brasileiro no ano passado, com estimadas 12 milhões de vítimas entre 1932 e 1933. O instrumento de morte foi uma fome artificial, para a consecução da qual o confisco de grãos foi um dos principais métodos.
O ditador comunista do Camboja, Pol Pot, foi além, perseguindo não só os ricos, mas quem tivesse marcas de intelectualidade, nem que fosse apenas o uso de óculos. Já o ditador comunista Mao Tsé-tung estigmatizou tudo o que fosse associado às tradições antigas chinesas — velhas ideias, velhos costumes, velhos hábitos e velha cultura — na Revolução Cultural de 1966, também deixando milhões de mortos pelo caminho. Em Cuba, quem era rotulado como “contra-revolucionário”, “reacionário” e membro da classe burguesa era executado, aprisionado ou posto em campos de trabalhos forçados, junto com homossexuais. Já na Coreia do Norte, o regime mais fechado do mundo até hoje, o regime comunista criou uma espécie de religião de Estado em que a linhagem Kim é cultuada e fez inúmeras vítimas entre os rotulados burgueses.
Os paralelos com nazistas não são acidente. Os nazistas inspiraram seus campos de concentração nos gulags soviéticos, como conta o nazista Rudolf Hoess, que teve o mandato mais longevo como diretor do campo de extermínio de Auschwitz, em sua autobiografia. Hoess relata que os nazistas sabiam do programa de extermínio em campos de trabalhos forçados dos inimigos da ditadura soviética desde 1939.
Como a Gazeta do Povo informou, a ideologia daqueles que querem usar o poder do Estado para fazer “redistribuição” foi mostrada, em estudos científicos, como motivada importantemente pela inveja maliciosa, que é o tipo de inveja que deseja punir os ricos em vez de elevar os pobres. Além disso, novos estudos em autoritarismo de esquerda mostram que a violência anti-hierárquica é uma das marcas mais distintivas dessa postura.
Atualização: pouco depois da publicação desta reportagem, surgiu como mais plausível a hipótese de que o submersível implodiu, por causa do material impróprio escolhido por Rush, que não aguentou a alta pressão da coluna d'água. A informação é da Guarda Costeira americana. Houve aviso de inadequação do veículo, mas a empresa ignorou. Militares americanos teriam detectado a implosão dias atrás. Os cinco, portanto, teriam morrido de forma mais rápida que a sugerida na reportagem.
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