É difícil acompanhar as regras seletivas, caprichosas e extravagantes sobre a apropriação cultural.
De acordo com as pessoas brancas que coordenam o Southern Poverty Law Center, uma instituição americana sem fins lucrativos especializada em direitos civis, comer tacos, beber tequila e vestir sombreros no dia Cinco de Mayo (data celebrativa mexicana) é um exemplo típico de apropriação cultural. Outras pessoas privilegiadas e brancas da Universidade Gonzaga, também nos EUA, alertaram os não-mexicanos do campus a não vestirem fantasias insensíveis à “cultura latina”. Os “nãos” incluíam os serápis (vestimentas típicas do México) e “bigodes postiços”.
Um autor afro-americano do The Root, um site de “Notícias, opiniões, política e cultura negra”, aconselhou em nome dos mexicanos os não-mexicanos a “evitarem ser idiotas apropriadores de cultura e deixarem os sombreros em casa”.
De acordo com os julgamentos politicamente corretos do Twitter, uma jovem branca não pode vestir um vestido típico chinês para o baile de formatura porque as jovens americanas de origem asiática podem se sentir ofendidas – ainda que os chineses não se sintam. Os contratempo cultural foi detonado por um homem americano de origem chinesa, Jeremy Lam, que escreveu: “Minha cultura NÃO é o seu vestido de formatura” – ao mesmo tempo, Lam enche seu perfil na rede social com gírias típicas de rappers negros.
Leia também: Adolescente usa vestido tradicional chinês em formatura e é acusada de apropriação cultural
Um americano de origem coreana, dono de um restaurante, foi criticado recentemente por nomear descaradamente seu restaurante de “Yellow Fever” (termo usado para descrever a condição de homens não asiáticos que se apaixonam por asiáticas – em tradução literal, febre amarela). O homem disse que queria “adotar o termo e reinterpretá-lo positivamente”.
Vamos revisar os julgamentos de apropriação indevida apresentados até agora: meninas brancas de Utah não podem vestir vestidos chineses para o baile de formatura. Não-mexicanos não podem usar sombreiros no Cinco de Mayo. Vestir trajes típicos de outros grupos é insensível. Se reapropriar de frases consideradas inadequadas é inadequado, mesmo quando feito por um membro lesado do grupo vitimizado pela apropriação inapropriada. A história não pode ser banalizada. A identidade deve ser respeitada.
Leia também: “Apropriação cultural” é saudável para a sociedade. E mais do que isso: é inevitável
Então é com atordoamento e confusão extremos que eu olhei páginas e páginas de fotos do Met Gala (baile promovido pelo Museu de Arte Metropolitana de Nova York para arrecadar dinheiro para o Instituto do Vestuário), cujo tema era “Corpos Divinos: Moda e a Imaginação Católica”.
Met Gala
Rihanna, uma das divas do pop, foi ao evento vestida de papa, em uma versão de salto altíssimo, pérolas, cristais e uma grande mitra medieval. (Será que o escritor do site The Root vai dizer para ela parar de ser uma apropriadora idiota da cultura católica e deixar a deslumbrante mitra em casa?).
Ariana Grande, enrolada em um vestido de organza e seda adornadas com querubins feito por Vera Wang, disse que sua roupa representa “a parede de trás da Capela Sistina” (onde está o afresco Juízo Final, de Michelangelo) e que se sentia “bastante importante nessa roupa, preciso dizer”.
Katy Perry, usando nas costas asas gigantes com penas brancas que parecia ter pego emprestadas do último desfile da Victoria’s Secret, disse que se sentia “angelical, celestial, etérea”.
Lana Del Rey, usando um ornamento de asas de anjo na cabeça, foi ao evento com Jared Leto, representando Jesus com uma coroa de espinhos dourados e um terno azul poderoso da Gucci.
Já a atriz Kate Bosworth, de bochechas bem rosadas, foi fantasiada de Virgem Maria, com um vestido claro coberto por um véu. A ex-estrela da Disney, Zendaya, desfilou pelo tapete vermelho com uma malha metálica e uma franja do estilo Joana D’Arc. Nicki Minaj, já vista se apropriando da personagem de desenho animado de artes marciais chinesas, Chun Li, (porque isso é aceitável), se vestiu de diabo. E várias supermodelos trouxeram rosários, auréolas e véus como um cosplay de alta-costura.
Agora chegamos ao ponto no qual eu poderia começar a chorar indignamente: minha religião não é uma fantasia! Mas o Vaticano, na realidade, colaborou com o Met Gala no evento, doando vestimentas, batinas e outras relíquias valiosas. Não, não estou ofendida com o que aconteceu. Estou apenas enjoada e exausta de tentar acompanhar o que devemos vestir ou não vestir, dizer ou não dizer, comer e beber ou não comer e beber, e quem pode ditar para quem e quando.
A fotografia “Piss Christ”, de Andres Serrano, é arte. Charges de Muhammad são uma blasfêmia fatal. Jovens que usam vestidos chineses são uma violação dos direitos humanos, mas rappers mulheres e suas fãs usando coquinhos laterais nos cabelos, ao estilo chinês, são vanguardistas. Universitários usando sombreros precisam mudar, mas a Kim Kardashian desfilando com uma roupa inspirada em um cálice de sacristia é estilosa.
Esses decretos atordoantes precisam ser queimados como folhas de palmeiras e jogadas em montes de cinzas com os guias de como evitar ofensas em campus. Será que ouço um amém para isso? Eu digo: me deixem comer a carne do recheio do taco com shoyo usando hashis, beber um lassi de manga enquanto cozinho latkes usando meu quimono, e ser feliz enquanto faço comida havaiana com os meus filhos um pouco católicos, um pouco judeus, um pouco ucranianos, um pouco filipinos, um pouco chineses, um pouco espanhóis.
Não é assim que se celebra a diversidade?
Tradução de Gisele Eberspächer