O Estado é aquele ente que, ao longo dos últimos séculos, tem feito muita gente acreditar que ele existe para fazer o bem. Pelo povo. Pela sociedade. Por qualquer abstração do tipo. Para nossa sorte, contudo, o Leviatã não tem espelho e, por isso, volta e meia nos presenteia com uma prova desta que é sua maior contradição. Não, o Estado não existe para servir, e sim para ser servido.
O exemplo da vez gira em torno de um prédio modernista muito feio no centro de Curitiba. Ele abriga a Biblioteca Pública do Paraná, um órgão público historicamente em consonância com todas as coisas públicas brasileiras: decrépito, sucateado, largado ao Deus dará, com cargos ocupados por apadrinhados políticos que passam o dia bocejando e aqui e ali aparecendo para se autocongratular pelo “fomento à leitura”, “amor à cultura”, “conscientização pelos livros”, e outras balelas tipicamente estatistas.
Há alguns anos, porém, este órgão público teve a sorte de ser administrado por uma pessoa que realmente parecia talhada para a função. E a Biblioteca Pública do Paraná, antes o espaço preferido de mendigos, desocupados, casais apaixonados em cafunés exagerados entre as prateleiras, livros vandalizados e dispostos ao acaso, com salas desocupadas que só serviam para abrigar mofo e fantasmas, se transformou em algo mais próximo da realização do discurso do Estado, isto é, num lugar que funcionava para servir à população.
A administração da Biblioteca Pública do Paraná (BPP, para os íntimos) é um daqueles casos raríssimos de consenso entre os dois lados do beligerante espectro político contemporâneo. Eu posso até discordar da necessidade de uma biblioteca pública (e discordo), mas o faço ali no saguão principal, bebericando um café num ambiente minimamente habitável e usufruindo da estrutura pela qual ainda sou obrigado a pagar com meus impostos.
Mas, como disse lá no primeiro parágrafo, e como Rothbard deixa claro em livros como 'Anatomia do Estado', o Estado nada mais é do que um monstro que, sob o disfarce do bem comum, existe mesmo é para sustentar suas entranhas hipertrofiadas e não está nem aí para a abstração que diz servir, o povo.
Prova disso é que o governador do Paraná, Ratinho Junior, ignorando o trabalho que vem dando certo na BPP, sob a liderança do escritor Rogério Pereira, e ignorando completamente as manifestações em contrário de uns poucos que conseguem se fazer ouvidos, decidiu substituir o presidente da bem-sucedida instituição.
Ah, mas a política é assim mesmo, dirão os pragmáticos. É o fim natural de um ciclo, argumentarão os resignados. Ao que respondo com a única constatação possível: o Estado, este ente que tantos defendem como o Grande Provedor, quando não como a única possibilidade de salvação da Humanidade, é tão-somente uma cobra que se alimenta da própria cauda, um ente que se retroalimenta de fracasso, ineficiência, compadrio e horizonte de curto prazo, que faz da sociedade escrava de seus desejos pequenos e mesquinhos. Uma grande inutilidade à qual nos submetemos porque ele, o Estado, detém o monopólio da força e da coerção.
Não que Illana Lerner, o sobrenome famoso meticulosamente escolhido por Ratinho Junior para suceder o atual presidente da BPP, seja garantia de uma gestão desastrosa. Longe de mim sugerir isso.
Mas há perguntas que precisam ser respondidas neste caso. Por que mexer em time que está ganhando, para usar uma velha expressão tão ao gosto dos populistas? Por que não reconhecer o mérito do trabalho bem feito? Por que não valorizar a continuidade da gestão que aparentemente está dando certo? E principalmente: por que não ouvir o que a sociedade pensa a respeito da medida antes de tomar uma decisão que só explicita a pequenez do pensamento político do nosso soberano, digo, governador?
Mas é improvável que o mandatário do Executivo estadual venha a público responder a tais perguntas. Primeiro porque a Biblioteca Pública do Paraná, assim como qualquer outra instituição pública que lide com essa coisa etérea e menor que é a cultura, não tem importância nenhuma no Grande Esquema das Coisas.
Depois porque, possuído pelo espírito do Estado, Ratinho Junior não está nem aí para o mérito ou para as consequências de longo prazo de suas decisões. E em terceiro lugar porque o Estado, em sua manifestação tropical contemporânea, não precisa justificar nada para ninguém, muito menos para si mesmo.