A primeira rodada da Copa América, realizada no Brasil, teve uma média de público inferior a 25 mil pessoas. Dois jogos se destacaram pelos estádios vazios: Venezuela e Peru, na Arena do Grêmio, e Uruguai e Equador, no Mineirão. Eles tiveram apenas 11,1 mil e 13,6 mil pagantes. O preço médio dos ingressos era de R$ 216,08 e R$ 112,74. Ambos os jogos tiveram apenas 20% de ocupação das arenas.
O Comitê Organizador está preocupado com a baixa ocupação, mas foram orientados juridicamente a não baixarem os preços a fim de evitar processos dos consumidores que arcaram com os preços originalmente. Uma alternativa está sendo a distribuição de ingressos para alunos da rede pública.
Mesmo na abertura da competição realizada no Morumbi, na vitória por 3 a 0 da seleção brasileira sobre a Bolívia, a lotação do estádio foi inferior a 70%. Lá, contudo, o preço médio do ingresso era o equivalente a meio salário mínimo — R$ 485. A renda de R$ 22,4 milhões garantiu o recorde de bilheteria no país. A renda de um único jogo foi superior a de todos os jogos de 2019 do São Paulo, time dono do estádio.
Os altos preços dos ingressos em um país que busca se recuperar da maior recessão de sua história são apontados como um dos fatores para o afastamento do público dos estádios. Além disso, a atratividade da Copa América está em cheque: de 2015 a 2020, a Comenbol terá realizado quatro edições do torneio, desvalorizando a própria competição.
Na opinião do comentarista da ESPN e especialista em futebol internacional, Leonardo Bertozzi, a primeira rodada do torneio foi um fracasso. “O Comitê Organizador deixou de levar em consideração o apelo da competição com o público brasileiro e o quanto ele estaria disposto a pagar para ver jogos da Copa América”, afirma. “Não é como na Copa do Mundo, quando qualquer jogo, mesmo entre seleções menores, é capaz de gerar interesse e procura pelos ingressos”, compara.
Já Ubiratan Leal, também comentarista da ESPN, diz que, do ponto de vista de receita, o torneio é um sucesso, mas isso não é tudo. “As imagens das arenas vazias desvalorizam o próprio torneio exibido na televisão. Nem truques comuns, como o fechamento de parte do estádio para que as câmeras focassem na parte cheia foram feitos”, diz.
Elitização do futebol
Além da baixa ocupação das arenas, chamou atenção o comportamento da torcida brasileira no primeiro jogo, realizado em São Paulo: gélida, sem reagir, alheia ao evento. Eram pessoas que não acompanham o esporte e que não estavam de corpo e alma no evento. Isso ressuscitou as críticas às arenas, à elitização do futebol nacional: a chamada “gourmetização” do esporte.
Eduardo Araújo esteve na abertura da Copa América no Morumbi. A paixão pelo futebol era tamanha que virou profissão. Ele é um dos fundadores do canal do YouTube Futirinhas, atualmente com 1,4 milhões de inscritos. Embora frequentador de estádios desde jovem, Araújo diz ter um perfil mais sereno nas partidas. “Gosto de assistir ao jogo, analisar os jogadores... Não me sinto menos torcedor do que quem passa o jogo todo cantando. Há espaço para os dois [tipos] na torcida”. Ele, porém, admite o clima ameno contra a Bolívia: “Foi uma mistura de coisas. Muitas pessoas colocam a culpa no ingresso caro e no fato de que as pessoas que foram ao jogo não são pessoas que habitualmente vão ao estádio, e eu concordo em parte, mas isso não faz com que essas pessoas não sejam apreciadoras do jogo”, defende.
Já Bertozzi diz que nem todo mundo que vai aos jogos da Seleção Brasileira tem interesse genuíno por futebol. “Muita gente parece ir ao jogo por uma questão de status, simplesmente porque pode, para se exibir nas redes sociais. Apesar de não ter nenhuma amostragem científica a respeito, suspeito que poucas daquelas pessoas frequentem estádios normalmente”, afirma.
Ubiratan endossa a opinião do colega, dizendo que fez falta setores com ingressos mais acessíveis, como houve na Copa do Mundo de 2014. “O comportamento da torcida me lembrou o ‘eu fui’ do Rock in Rio: as pessoas estavam lá pelo evento social, mais para se exibir nas redes sociais do que para aproveitar o evento esportivo”, argumenta. “Mesmo que haja interesse pelo jogo, por ser um público que não está habituado com a vivência dos estádios talvez seja mais difícil para as pessoas reagirem ao jogo, puxarem cantos ou acompanharem quem puxou, pela própria falta de costume”, diz.
Com o ingresso caro e uma seleção que, dentro de campo, ainda não empolgou, a experiência de quem foi ao estádio acabou sendo prejudicada. As vaias se tornaram mais fáceis. Os torcedores deram lugar aos consumidores.
Já Eduardo opina que o comportamento dos torcedores se dá também por um afastamento da Seleção Brasileira em relação aos brasileiros em geral: “A CBF levou a maioria dos jogos da seleção para a Europa, para longe dos brasileiros. Além disso, por organizar mal o calendário do futebol brasileiro, é comum tirar os principais jogadores dos times brasileiros em jogos importantes para jogar amistosos. Como vou torcer para quem está prejudicando meu time de coração?”, pergunta. “No jogo contra a Bolívia, a torcida não conseguiu sentir vibração do time em campo e acho que uma coisa acabou puxando a outra”, explica.
Preços altos e setores populares
Bertozzi compara o tratamento dispensado à Copa América com a Eurocopa: “Nos ingressos da Euro 2020, que já estão à venda, os mais baratos custam 30 euros, ou seja, aproximadamente o mesmo valor dos mais baratos para a Copa América, mas em outra realidade socioeconômica”, afirma. Além disso, a Euro é mais valorizada e vista como uma segunda Copa do Mundo para os torcedores europeus, o que é diferente de como os brasileiros veem a Copa América.
O setor da geral foi, por décadas, um símbolo do período romântico do futebol brasileiro. Com as novas arenas e o encarecimento das entradas, é comum que haja pessoas que pedem a volta do setor. Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, porém, analisam os custos e benefícios dos novos estádios.
“Os estádios antigos tinham geral, setores maiores de arquibancada e as cadeiras numeradas para quem estava disposto a pagar um pouco mais pelo conforto. De certa forma, isso espelhava a proporção do poder de compra da sociedade. Os novos estádios foram por um caminho diferente e os setores populares ficaram limitados - vide a ‘geral’ do Grêmio e o setor norte da Arena Corinthians. Estes setores estão quase sempre lotados, enquanto sobram cadeiras vazias nos espaços mais nobres. O erro, a meu ver, foi mudar essa proporção”, diz Bertozzi.
Já Ubiratan destaca clubes que estão fazendo políticas de preços especiais para setores determinados, como o Cruzeiro e o Coritiba. “O clube da capital paranaense joga a série B, mas está levando uma média de 33 mil pessoas por jogo, quase o dobro dos jogos da série A”, afirma.
Apesar do aumentos nos custos de manutenção dos novos estádios, questões como segurança e conforto foram ganhos das arenas: “Nunca é demais lembrar que tivemos acidentes graves como o da Fonte Nova, em 2007, quando se abriu um buraco na arquibancada e sete pessoas morreram. O desgaste do tempo pesava para algumas dessas antigas estruturas”, diz Bertozzi.
Ubiratan elenca vantagens das novas arenas: os sistemas de venda de ingressos melhorou, os estádios estão mais seguros, o próprio conceito dos estádios melhorou, com orientadores e prestadores de serviços nos jogos, mas há exageros também nesse conforto: há até televisão no espelho do banheiro para acompanhar o jogo na Arena Corinthians. É questão de recuperar coisas boas eventualmente perdidas”, opina.